O globo, n. 30957, 10/05/2018. Rio, p. 8

 

Policiais na execução

Antônio Werneck, Carina Bacelar e Rayanderson Guerra

10/05/2018

 

 

Testemunha diz que um PM da ativa e um da reserva estavam no Cobalt usado na morte de Marielle

Um policial lotado no 16º BPM (Olaria) e um ex-PM do 22º BPM (Maré) participaram da execução da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, de acordo com o depoimento da testemunhachave do crime — a mesma que envolveu o vereador Marcello Siciliano (PHS) no caso. A dupla, segundo ela, estava, com outros dois homens, no Cobalt prata usado na execução.

Os quatro que estariam no carro foram identificados pela testemunhachave e vêm sendo investigados pela Delegacia de Homicídios da capital (DH). Além do PM e do ex-PM, os outros passageiros do Cobalt, segundo o delator, são ligados ao miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, que atua na Zona Oeste e que, de acordo com a testemunha, participou da trama para matar Marielle, junto com Siciliano.

O GLOBO apurou que esses dois homens já se envolveram, em junho de 2015, em outra execução com características semelhantes à de Marielle, também a mando de Orlando de Curicica, de acordo com o Ministério Público do Rio. Os nomes dos acusados estão sendo preservados para não atrapalhar as investigações. Em 2015, segundo a denúncia, a dupla matou, com tiros na cabeça, um homem que alugou um terreno na área de influência de Orlando para instalação de um circo, sem autorização prévia do miliciano.

 

SINDICÂNCIA ARQUIVADA

O policial militar mencionado pela testemunha-chave ainda está lotado no 16º BPM, unidade vizinha ao Complexo do Alemão. Ele já foi submetido a uma sindicância disciplinar, mas o processo acabou arquivado. Já o ex-PM, que passou pelo 22º BPM (Maré), atualmente seria integrante de uma milícia que age na região de Ramos.

Contra os outros dois supostos ocupantes do carro, consta, no processo judicial, que, no dia 7 de junho de 2015, às 19h, eles desceram de um Kia Cerato branco e atiraram em Wagner Raphael de Souza, então presidente da escola de samba União do Parque Curicica. A vítima estava em seu próprio carro, com uma pessoa no banco do carona.

Os tiros acertaram Wagner na cabeça, matando-o, e feriram uma mulher que estava ao lado dele. Na ação penal, o MP do Rio ressaltou que “o crime foi cometido de forma a impedir a defesa das vítimas, já que os disparos foram efetuados a pouca distância e contra suas cabeças”. O carona, que ficou ferido, afirmou em depoimento à polícia que Wagner “causava problemas” para Orlando, pois “sempre agiu sozinho, apoiando candidatos políticos independentes” e contrariando os interesses da milícia.

“Mesmo sem pertencer à milícia, ele não baixava a cabeça para eles. Era uma pessoa muito forte na comunidade, o que o tornou um perigoso rival da facção criminosa”, contou a sobrevivente do ataque. Depois, ela mudou sua versão ao ser interrogada pelo MP, e passou a negar a participação de Orlando na execução.

 

PELO CELULAR DE OUTRO PRESO

O delator que ligou a morte de Marielle a Siciliano e a Orlando também disse à Divisão de Homicídios (DH) que o miliciano, hoje preso em Bangu 9, estava usando o celular de um outro preso, Charle Dickson Ferreira da Silva, para continuar no comando de seus negócios. Por esse telefone, segundo o delator, Orlando teria dado ordem para executar a vereadora.

A Secretaria de Segurança, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO, pediu à Justiça do Rio em 25 de abril — um dia depois de a testemunha-chave procurar a Polícia Federal — a transferência de Orlando para um presídio de segurança máxima, mas a medida até agora não foi autorizada. Orlando continua no Complexo de Gericinó.

No documento, a secretaria justifica o pedido ressaltando que “Orlando de Curicica seria uma importante liderança de um grupo miliciano acusado de vários crimes”.

Orlando foi preso em outubro de 2017 por policiais da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco-IE), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Na época, ele já era procurado por agentes da Subsecretaria de Inteligência da Secretaria de Segurança por comandar uma milícia.

Orlando foi capturado na casa em que morava com a família, em Vargem Pequena, na Zona Oeste. Junto com ele, os policiais civis prenderam quatro PMs, que se apresentaram como seguranças de Orlando. O miliciano tinha duas armas, um colete balístico e um carro blindado.

Na época do prisão, o delegado Alexandre Herdy, titular da Draco-IE, disse que Orlando chefiava a milícia na região de Jacarepaguá e do Terreirão, no Recreio. Ele foi acusado de comandar disputas relacionadas às milícias, de cobrar taxas de comerciantes e até de envolvimento em assassinatos.

Um relatório entregue pela testemunha-chave à polícia, revela que, atualmente, a quadrilha de Orlando controla quatro grandes áreas na Zona Oeste, com 14 comunidades. A quadrilha lavava dinheiro usando uma empresa de distribuição de água mineral, que estaria em nome de uma parente de Orlando.

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Siciliano diz que está indignado com a denúncia

Bruno Alfano

10/05/2018

 

 

Vereador nega conhecer miliciano e afirma que ficou surpreso ao saber de depoimento

O vereador Marcello Siciliano (PHS) voltou a negar, em uma entrevista coletiva concedida ontem pela manhã num condomínio do Recreio, qualquer ligação com a morte de Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes. O político disse que está indignado com o fato de a testemunha ter contado à polícia que ele e o miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, queriam a morte da parlamentar. A denúncia está sendo investigada pela Delegacia de Homicídios do Rio. Siciliano já havia prestado depoimento na especializada como testemunha, assim como outros integrantes do Legislativo municipal.

— Gostaria de falar, antes de mais nada, sobre a minha surpresa em relação ao que aconteceu ontem (anteontem), sobre a minha indignação como ser humano. Minha relação era muito boa (com Marielle Franco), tinha um carinho muito grande por ela. Agora, mais do que nunca, faço questão de que esse crime seja esclarecido mais rápido do que nunca — afirmou o vereador, que também negou desavenças políticas com a vítima.

Siciliano contou que está sendo “massacrado nas redes sociais por algo que foi supostamente dito por uma pessoa que a gente nem sabe a credibilidade que tem”. Ele disse que não deveria estar sendo investigado e que as informações do delator deveriam ter ficado sob sigilo. Na entrevista, o vereador afirmou que está à disposição da polícia para prestar esclarecimentos.

 

“ESSE ENCONTRO NUNCA EXISTIU”

A nova testemunha do caso contou ter presenciado quatro encontros de Siciliano com Orlando de Curicica. Segundo ela, numa dessas ocasiões, os dois teriam conversado sobre o fato de Marielle estar contrariando os interesses de um grupo paramilitar de Jacarepaguá. Questionado se conhece o miliciano, o vereador respondeu que, quando visita uma comunidade carente, é sempre recebido por dezenas de pessoas:

— Eu não me encontrei com ele. Posso ter me encontrado com diversas pessoas em comunidades, onde eu caminho. Vou a diversas comunidades. Aonde me chamam, eu vou. Muito difícil eu saber os nomes de todas as pessoas com que eu interagi. Nego ter me encontrado com ele em um restaurante. Esse encontro nunca existiu.

O vereador disse ainda que questões sobre o tráfico e a milícia não deveriam ser tema da pauta de políticos.

— Eu acho que a gente transforma a cidade dando direito a oportunidades. O resto, milícia, tráfico, é problema de polícia. E não de política. O meu reduto está nas Vargens. O direito à cidadania é pelo que eu luto. Eu sou totalmente contra qualquer tipo de poder paralelo. A polícia esta aí para me proteger. Que vá lá e faça o trabalho dela. Eu nunca fui interpelado — afirmou.

Siciliano também se pronunciou sobre um outro nome citado no depoimento da testemunha. Ela identificou como Thiago Macaco o homem que teria sido encarregado, pelo grupo paramilitar ligado a Orlando de Curicica, de fazer um levantamento sobre a rotina da vereadora.

— Não conheço Thiago Macaco. Mas é muito complicado dizer os nomes das pessoas com quem a gente interage. Estou na região das Vargens desde 1998, quando comecei minha trajetória política. Ali, sim, pode dizer que é meu coração. Ali é meu reduto eleitoral. Eu estou perplexo com isso. Sou pai de família. É uma mentira grosseira.

Sobre possíveis desavenças com Marielle, inclusive no campo político, Siciliano foi categórico:

— Nunca tive problema algum. Defendi um projeto dela sobre LGBTs. Sempre tive relação muito boa com ela. Tinha muito carinho, ótima relação. Nunca tive problema com direita, esquerda. Ela se sentava na minha frente, e a gente conversava muito. Cada vereador defende uma bandeira, isso é legítimo de cada um.