O Estado de São Paulo, n. 45446, 22/03/2018. Política, p. A6

 

Agressões verbais marcam sessão tensa

Teo Cury, Breno Pires e Amanda Pupo

22/03/2018

 

 

De posições opostas, ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso protagonizam bate-boca no plenário; julgamento chega a ser suspenso

Após a pressão das últimas semanas e do agravamento da crise no Supremo Tribunal Federal, ministros da Corte se agrediram verbalmente ontem durante julgamento no plenário, transmitido ao vivo pela TV Justiça. Tradicionalmente com posições opostas no Supremo, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso protagonizaram novo bate-boca que levou a presidente do tribunal, ministra Cármen Lúcia, a suspender temporariamente a sessão.

Barroso disse que Gilmar é “uma pessoa horrível”, uma “mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”, que “está sempre atrás de algum interesse, que não é o da Justiça”. Gilmar rebateu recomendando que o ministro Barroso “fechasse seu escritório de advocacia”.

A discussão teve início quando Gilmar, ao proferir seu voto sobre doações eleitorais ocultas, indicou, sem citar diretamente o colega, que Barroso teria sido “esperto” ao tentar abrir precedente sobre a descriminalização do aborto em julgamento na Primeira Turma, em novembro de 2016.

Barroso tomou a palavra e, irritado, disse que o caso lembrado por Gilmar nada tinha a ver com a pauta. Afirmou tratar-se de “um absurdo” o colega fazer “um comício cheio de ofensas e grosserias”. Exaltado, o ministro disse que Gilmar agride os colegas e não consegue articular argumentos.

“Vossa Excelência nos envergonha. É uma desonra para o tribunal, para todos nós. Um temperamento agressivo, grosseiro, rude. Vossa Excelência sozinho desmoraliza o tribunal.” E completou: “Você é uma pessoa horrível. Uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia. É um absurdo Vossa Excelência fazer um discurso cheio de ofensas”.

Gilmar tentou responder, mas Cármen Lúcia suspendeu a sessão. Foi quando ele recomendou que Barroso fechasse seu escritório de advocacia, numa menção ao antigo local de trabalho do ministro, o Barroso Fontelles, Barcellos, Mendonça & Associados.

Escritório. Após a sessão, Barroso enviou uma carta à presidente do Supremo. “Diante da informação falsa feita hoje (ontem) no plenário, venho formalmente comunicar a Vossa Excelência que me desliguei do escritório que integrei em data anterior à minha posse, e que jamais atuei em processo por ele patrocinado ou por qualquer dos seus sócios”, disse o ministro.

Antes da discussão, Gilmar questionou os critérios usados por Cármen Lúcia, para definir a pauta de julgamento. Apesar de cumprimentá-la por ter pautado o habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro disse entender que Cármen deveria pautar as ações que tratam da prisão após condenação em segunda instância. “Eu estou há 15 anos e eu nunca vi problema para pautar qualquer processo.”

A ministra então respondeu: “Não estamos deixando de chamar processos que os relatores considerem prioritários”. Em nova investida, Gilmar afirmou: “Posso ter jeito de bobo e até babar na gravata, mas respeitem a minha inteligência. Vamos organizar o hábito de fazer a pauta com o mínimo de veracidade”. Cármen Lúcia retrucou: “Não estou fazendo pauta para prejudicar o tribunal”.

Após a suspensão da sessão, Gilmar deixou o plenário e Barroso ficou conversando por alguns minutos com outros ministros e pediu desculpas pela discussão. Retomada a sessão, Gilmar voltou ao assunto que deu origem ao bate-boca. “Desonra se faz aplicando uma Constituição que não existe. Vou continuar censurando esta prática onde eu estiver. Tenho ódio à manipulação”, disse.

Essa não foi a primeira vez que os dois trocaram acusações no plenário da Corte. Em junho do ano passado, os ministros discutiram durante julgamento sobre a validade da homologação da delação do Grupo J&F e a manutenção do ministro Edson Fachin como relator do caso.

 

EMBATE

GILMAR MENDES

O ‘acho que’ é o direito do achado na rua. Eu acho o que quiser. Ache na Constituição. Ah, eu sou iluminado.”

Ah, agora vou dar uma de esperto e vou conseguir a decisão do aborto. De preferência na turma com três ministros.”

Eu estou com a palavra e continuo. Presidente, eu vou recomendar ao ministro Barroso que feche seu escritório de advocacia.”

 

LUÍS ROBERTO BARROSO

Me deixe de fora desse seu mau sentimento. Vossa Excelência é uma desonra para nós.”

O senhor é a mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia. Vossa Excelência desmoraliza o tribunal.”

É muito penoso para nós termos de conviver com Vossa Excelência. Está sempre atrás de algum interesse, que não é o da Justiça.”