O Estado de São Paulo, n. 45447, 23/03/2018. Política, p. A6

 

Lula e a justiça no limbo

Eliane Cantanhêde

23/03/2018

 

 

O Supremo Tribunal Federal decidiu não decidir e isso joga a principal questão jurídica e política do País num limbo inacreditável, não por algumas horas ou alguns dias, mas ao longo da Semana Santa, até 4 de abril. O ex-presidente Lula vai ou não ser preso? Se for, quando?

Essa não-decisão é angustiante para os eleitores, os candidatos, os partidos, os investigadores, os advogados. Imagine-se como está sendo para o próprio alvo do habeas corpus que deveria, mas não foi julgado: o próprio Lula.

A questão fica ainda mais dramática por causa do calendário da própria Justiça, já que o TRF-4, em Porto Alegre, vai concluir o julgamento de Lula na próxima segunda-feira. Se os desembargadores votarem os embargos de declaração de forma unânime, como é esperado, Lula já poderá ser preso a qualquer momento após os cumprimentos de formalidades.

Então, Lula já poderá ser preso, sem que ninguém saiba se o Supremo vai, ao final e ao cabo, acatar ou não o habeas corpus que pode suspender e adiar a prisão do ex-presidente mais popular desde a redemocratização. Em resumo: Lula poderá ser preso, mas não poderá ser preso. Estará de malas prontas para uma sala especial na Polícia Federal ou equivalente, mas sem saber se o avião vai decolar – ou o camburão vai engatar primeira.

Sinceramente, a posição do Supremo foi um vexame ainda agravado pela história inacreditável da liminar inédita. Agora, é preciso que fiquem claros os motivos do adiamento de ontem. Havia “força maior”? Ou ministros estavam morrendo de pressa para correr para o aeroporto de Brasília?

Tudo isso ocorre justamente na semana em que o Brasil assistiu ao vivo, e em insistentes repetições pela TV, pelo rádio, pela internet, aquele pugilato verbal entre Suas Excelências Gilmar Mendes e Luis Roberto Barroso, em que as trocas de desaforos saíram perigosamente de limites minimamente razoáveis, com Gilmar falando de “espertezas” e ilustrando com votos de Barroso e este acusando o colega de ser “uma vergonha” para o Supremo, “uma mistura do mal com o atraso e pitadas de psicopatia”.

Talvez os ministros da mais alta corte brasileira não estejam entendendo devidamente o que está acontecendo: um enorme desgaste do tribunal e deles próprios. E num momento de muita irritação com as instituições, seus personagens, decisões e erros.

Aliás, um registro importantíssimo do dia de ontem, que estava prometido como um dia histórico: o “povo”, onde estava o “povo”? Quem circulou pela Praça dos Três Poderes se deparou com um forte esquema policial, alguns megafones e um único momento de estresse quando agentes impediram o uso de balões, até do “Pixuleco”, que reproduz a imagem do Lula vestido de presidiário e viaja pelo País.

A militância petista, favorável a Lula e ao Habeas Corpus, não deu as caras. A militância antipetista, contrária a Lula e ao HC, também não se deu ao trabalho de lotar a praça e manifestar indignação para um lado ou para outro. Havia mais policiais do que militantes, o que diz tudo.

É assim que o Brasil vai aos trancos e barrancos, com as instituições surpreendendo, apagões prejudicando 70 milhões de pessoas, milícias suspeitas de assassinar uma vereadora defensora dos direitos humanos... Enquanto os brasileiros perdem a energia, o ânimo e talvez a crença de que vale a pena lutar, gritar, cobrar, exigir. É mais confortável ficar sentado diante de um celular ou de um computador e jorrar impropérios a torto e a direito.

A segunda-feira vem aí com Lula no limbo, a Justiça no limbo. E é nesse clima que os brasileiros vão eleger os novos governadores, deputados e senadores. E o novo presidente de uma República em chamas.

(...)

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Ministros negam antecipação de votos

Breno Pires, Amanda Pupo e Teo Cury

23/03/2018

 

 

Favoráveis à proibição da prisão de Lula afirmam que posicionamento é ‘técnico’

Ao conceder a liminar que proíbe a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva até que o Supremo Tribunal Federal (STF) analise o mérito do pedido de habeas corpus, ministros da Corte deixaram claro que não estavam antecipando seus votos.

“(Estamos votando) um pedido técnico de maneira precaríssima de que não haja eventual aplicação de prisão automática, enquanto não terminar o julgamento que começou hoje (ontem). Isso não significa uma antecipação”, disse Dias Toffoli ao votar pela liminar.

Já o ministro Gilmar Mendes disse que se sentia “confortável” para dar a liminar e negou antecipação de voto. “É difícil me imputar simpatia pelo PT.” “Isso aqui não é antecipação de voto”, afirmou a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, que foi contrária à liminar.

Luís Roberto Barroso, que na véspera havia protagonizado o bate-boca com Gilmar, foi contrário à decisão. “Não considero irrelevante o fato de se tratar de um ex-presidente da República. Eu acho que ele deve ser tratado como qualquer brasileiro. E não tenho conforto de abrir uma exceção nesse caso a uma jurisprudência em vigor.”

O fato de Lula ser ex-presidente havia sido citado por seu advogado José Roberto Batochio. “A prisão está marcada para o dia 26 de março, quando será julgado o embargo declaratório. Como vamos justificar prisão de ex-presidente a partir de um desentendimento?”

O ministro Alexandre de Moraes, que votou pelo julgamento do habeas corpus, foi contrário à liminar. “Dar a liminar é ir contra a própria jurisprudência do STF.”/  BRENO PIRES, AMANDA PUPO E TEO CURY

 

PRÓXIMOS PASSOS

Os recursos do ex-presidente

1. Recurso no TRF-4

O Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, a segunda instância da Operação Lava Jato, marcou para a próxima segunda-feira a análise do recurso da defesa do ex-presidente Lula contra a condenação a 12 anos e 1 mês no caso do triplex do Guarujá (SP).

2. Segunda instância

Mesmo se o embargo de declaração apresentado pelos advogados de Lula for rejeitado por unanimidade pelos desembargadores da 8.ª Turma do TRF-4, o petista não poderá ter a prisão decretada. Isso porque o Supremo decidiu ontem que Lula não poderá ser preso até o julgamento de habeas corpus pelo plenário da Corte.

3. Julgamento no Supremo

No dia 4 de abril, se o habeas corpus for acolhido, Lula não poderá ser preso mesmo se o TRF-4 tiver negado o recurso do petista. Se o habeas corpus for negado, vale decisão do Supremo de 2016 que permite a execução da pena após condenação em segunda instância.

4. Recursos

Após o julgamento dos embargos da defesa do ex-presidente Lula no TRF-4, o petista ainda pode apresentar um Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e um Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal

 

MAIORIA ACATA SALVO-CONDUTO

A FAVOR

Rosa Weber

Considerada “incógnita”, tem negado quase todos os habeas corpus em situação semelhante à de Lula. Ontem, admitiu o HC do ex-presidente e acatou a liminar que impede sua prisão.

"Na jurisprudência do plenário, eu, que privilegio o princípio da colegialidade, conheço este habeas corpus (...) Se vamos suspender o julgamento, temos que deferir a liminar (da defesa de Lula).”

 

Celso de Mello

Decano defende a revisão da jurisprudência que prevê a execução de pena após condenação em 2.ª instân- cia. Ontem, reconheceu o pedido de Lula e se posicionou a favor da liminar.

"Não se cuida aqui se restaurar velha doutrina brasileira de habeas corpus. Se cuida aqui de dar efetividade contra ameaça da liberdade de ir e vir.”

 

Marco Aurélio Mello

Relator de ações que tratam da possibilidade de prisão após 2.ª instância, admitiu o habeas corpus de Lula e votou a favor da liminar que concede o salvo-conduto.

"Hoje parece que há uma aversão maior ao habeas corpus (...) Nada mais natural do que congelar-se a situação jurídica do paciente, afastando-se pelo menos essa possibilidade latente de prisão.”

 

Gilmar Mendes

No julgamento de ontem, um dia após discutir com Barroso no plenário, reconheceu a admissibilidade do habeas corpus de Lula e votou a favor da liminar que impede a prisão do petista.

"É jurisprudência pacífica que a parte não pode suportar os ônus processuais que devem ser imputados ao Estado-juiz. Se o atraso se deve ao Estado-juiz, não pode a parte suportar esse ônus.”

 

Ricardo Lewandowski

Contrário à execução penal após condenação em 2.ª instância, manifestou-se a favor da análise do pedido de Lula e também da proibição da prisão até julgamento do HC na Corte.

"Pensar em um modelo para encapsular a instituição do HC é extremamente grave. Não vejo como não conhecer do habeas corpus. Ele (Lula) não é mais cidadão, mas também não é menos cidadão.”

 

Dias Toffoli

Autor da sugestão de que o cumprimento da pena ocorra apenas após julgamento por instância superior, ministro votou a favor da análise do HC de Lu- la e do salvo-conduto ao petista.

"Tivemos alta de 50% daquilo que houve em mais de 100 anos (sobre o número de habeas corpus recebidos pela Corte). E estamos dando conta, porque é nossa obrigação, é o nosso dever.”

 

CONTRA

Luiz Fux

Votou contra a análise do habeas corpus de Lula e o salvo-conduto concedido ao ex-presidente. Ministro é favorável à execução penal após condenação em segunda instância.

"Tendo em vista que a nossa jurisprudência autoriza a execução (da pena após condenação em segunda instância), acompanho o relator Edson Fachin.”

 

Cármen Lúcia

Pressionada para colocar o HC de Lula na pauta do Supremo, presidente da Corte negou admissibilidade do pedido do petista e a liminar da defesa contra a prisão do ex-presidente.

"Não vejo razões tão urgentes que possam levar a um perigo que não possa ser coartado imediatamente, se for o caso, se vier a se concretizar uma lesão que se mostra analisada duas vezes pelo relator.”

 

Alexandre de Moraes

Reconheceu o HC de Lula, mas votou contra a proibição da prisão. Em fevereiro, se manifestou em julgamento a favor da prisão de réus após condenação em segunda instância.

"Dar a liminar (que impede a prisão do ex-presidente Lula) é ir contra a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.”

 

Edson Fachin

Relator do HC de Lula é defensor da prisão após condenação em 2.ª instância. Ontem, negou tanto a admis- sibilidade do pedido de liberdade do petista quanto a liminar da defesa.

"Repito que não se alterou jurisprudência (no Supremo Tribunal Federal) que permite a execução antecipada da pena.”

 

Luís Roberto Barroso

Após mais um bate-boca com Gilmar Mendes, na véspera, ministro não reconheceu o HC de Lula e votou contra a liminar da defesa que impede a prisão do ex-presidente.

"Não considero irrelevante o fato de se tratar de ex-presidente da República, da República. Republicanamente, portanto, deve ser tratado como qualquer brasileiro.”