Correio braziliense, n. 20091, 25/05/2018. Política, p. 4

 

Abastecimento deficiente nas cidades

Bruno Santa Rita e Maiza Santos

25/05/2018

 

 

CRISE DOS COMBUSTÍVEIS » Racionamento de produtos por consumidor em supermercados, falta de oxigênio e medicamentos em hospitais e de ração para animais marcaram o quarto dia de greve

A possibilidade de desabastecimento assombrou a vida dos brasileiros nos últimos dias. No Distrito Federal, ainda não havia registro de prateleiras vazias ontem, mas os supermercados estão com os estoques contados. A escassez atinge diversos setores da economia. De supermercados a hospitais, o Brasil sentiu os efeitos de quatro dias de greve dos caminhoneiros.

Para o assessor econômico da Fecomercio-DF, José Eustáquio Moreira, a falta de combustível interfere nos carregamentos que circulam internamente nas cidades. “Você não consegue fazer os caminhões chegarem aqui dentro. Isso atrasa o abastecimento”, disse. Para ele, a maior preocupação é de que a regularização não ocorra até a próxima segunda-feira. “Além de prejudicar a população, ainda tem o problema das próprias empresas atacadistas que acabam por fechar para não gastar com custos que não geram nada”, afirmou.

Outro fator que preocupa Eustáquio é a questão dos alimentos perecíveis. Como estavam parados, dentro dos caminhões, nas rodovias, podem perder o prazo de validade. “Tem o período de abastecer, checar mercadoria. Isso leva tempo. É prejuízo para o consumidor e para o supermercado”, critica. Ele também alerta para a falta de ração para os animais de abate. “Não tem abastecimento de ração, principalmente para as aves”, lamentou. No interior de Minas Gerais, a falta de ração e insumos nas granjas provocou canibalismo entre os frangos.

A rede de supermercados Carrefour decidiu racionar a venda. Cada cliente, ontem, só podia comprar até cinco unidades de cada produto. Segundo a assessoria de imprensa da multinacional, a medida foi tomada para atender o maior número de clientes. Eles afirmaram que estão em contato com fornecedores locais para garantir que o desabastecimento não tenha impactos maiores.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) informou que o setor possui um estoque médio de produtos não perecíveis e que, por enquanto, não há problemas com esse tipo de mercadoria. No entanto, a preocupação circunda os alimentos perecíveis, como hortifrútis. Em nota, a Abras afirmou que os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo, Pernambuco, Tocantins, Santa Catarina, Paraná e São Paulo estão com problemas no abastecimento devido à greve.

O Correio percorreu cinco supermercados e a estimativa é de que o estoque de frutas, legumes e verduras dure mais três dias, se não houver entrega hoje. O psicólogo Gilson Passos, de 59 anos, morador do Cruzeiro, fez estoque de alimentos básicos, como arroz e macarrão. “Fiz uma compra um pouco maior, pensando no prolongamento da greve. Particularmente, acredito que não vai durar muito, porque está afetando muitos setores da sociedade, mas não custa precaver”, disse ante4s do acordo que encerraria a greve.

Recurso vital, a água corria risco de não chegar a quem precisava, caso a greve se mantivesse. Em nota, a Caesb afirmou que o abastecimento no DF pode ser prejudicado nos próximos dias. “É necessário repor os estoques de produtos químicos utilizados no tratamento de água”. O órgão não informou o nível desses estoques e nem confirmou se haverá racionamento.

Na Bahia, a greve afetou o abastecimento de oxigênio nos hospitais. Os caminhões carregados com cilindros ficaram presos nas rodovias por causa dos bloqueios. Na cidade de Juazeiro, os dois principais hospitais só possuem oxigênio para hoje. Em Santa Catarina, alguns hospitais privados e filantrópicos cancelaram cirurgias eletivas. Também faltam remédios, alimentos e materiais. Em Santos (SP) houve cancelamento de vacinas contra o vírus influenza.

Com a greve de quatro dias, outro produto altamente perecível que está em falta é flor. As floriculturas do DF estão com dificuldade para cumprir com compromissos. Com um casamento programado para o fim de semana, o gerente da Karisma Flores, Matheus da Fonseca dos Santos, terá que convencer a noiva a utilizar flores do campo na decoração. “Em Brasília, não tem flores nobres, só flores do campo, folhagem. A gente depende de rosas, lírios, e está tudo preso em Uberaba”.

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Perdas atingem R$ 1,7 bi em quatro setores

Otávio Augusto

25/05/2018

 

 

Os prejuízos para a economia com os transtornos causados pela greve dos caminhoneiros começam a ser contabilizados. Somente em quatro setores, as perdas chegam a R$ 1,7 bilhão. A Petrobras, sozinha, amarga rombo de R$ 350 milhões. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) calculam prejuízos de R$ 190 milhões. Lucro mesmo, só para os grandes  empresários do setor de transportes e para os donos de postos de combustíveis, segundo economistas. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) acompanha com preocupação o impacto da greve dos caminhoneiros.

Ao todo, 129 unidades de processamento de aves e de suínos estão suspensas total ou parcialmente. Os bloqueios nas rodovias impossibilitaram a exportação de 25 mil toneladas de carne de frango e suína. A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (Abia) calculou que 315 caminhões com alimentos perecíveis estavam parados em estradas de seis estados. Mais de 1,1 mil toneladas de produtos não foram entregues. Prejuízo de mais de R$ 3 milhões.

Em Mato Grosso, maior produtor de soja do Brasil, 8 milhões de toneladas do grão estão retidos nos armazéns, segundo a Associação dos Produtores de Soja e Milho do estado. A situação pode piorar: não existe espaço para guardar o milho que começou a ser colhido. O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil estima que os embarques de 6 mil contêineres, o que equivale a uma receita de R$ 1,2 bilhão. Ontem, 630 mil litros de leite foram jogados fora em Minas Gerais e no Rio de Janeiro.

Com a oferta limitada, os preços de alguns alimentos dispararam, o que fortaleceu a pressão inflacionária sobre os preços de insumos básicos. Ontem, a saca de batata, por exemplo, passou de R$ 60 para R$ 110.  A caixa de tomate, normalmente vendida a R$ 50, saía por R$ 120. Além dos altos preços, o desabastecimento prejudica os consumidores. “Se a greve se estender, a inflação ficará comprometida. Com o prolongamento, a situação não fica restrita à questão dos alimentos e combustíveis. Outros segmentos começam a repassar os custos”, alerta Luiz Alberto Machado, economista da Faculdade de Economia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

Paulo Dantas da Costa, ex-presidente do Conselho Federal de Economia e integrante do Conselho Regional de Economia da Bahia, o consumidor é o maior prejudicado. “Esse colapso trava a maior parte das atividades da sociedade. Temos dependência de gasolina por sermos um país de rodovias, focado em malha viária”, pondera. Para ele, o contingente de pessoas que estão lucrando é pequeno. “Os donos de postos estão especulando, mas não é um lucro longevo. A gasolina pode ser vendida a R$ 9 agora, mas esse preço não se sustenta”, explica.

Interesse empresarial

Para o economista Gilson Garófalo, professor titular de Economia da Universidade de São Paulo (USP), as grandes companhias colaboraram com o movimento. O Brasil tem uma frota de 2 milhões de caminhões, sendo 650 mil autônomos — 30%. Essa parcela é que tem tocado o ato. “As grandes empresas que contratam as menores, se não compactuassem, já teriam substituído os motoristas”, disse. No Brasil, são 150 mil empresas de transporte.

Em nota, a CNI cobrou agilidade na negociação para atenuar os prejuízos. “O bloqueio das rodovias do país prejudica a operação das indústrias, aumenta os custos,  penaliza a população e tem efeitos danosos sobre a economia, que enfrenta dificuldades para se recuperar da crise recente”, destaca o texto.

A Fiat paralisou parcialmente o funcionamento de duas fábricas. A marca deixará de produzir 2 mil veículos em Minas Gerais e Pernambuco.  A paralisação dos caminhoneiros reduziu em 27% a movimentação diária de granéis no Porto de Paranaguá, de 150 mil para 110 mil, informou a adminstradora do porto.

Na avaliação do professor de finanças do Ibmec Marcos Melo, a crise impactará nas vendas do Dia dos Namorados. Mesmo com uma greve de poucos dias, explica Marcos, o impacto negativo é razoável.

Na balança

Quem perde

Indústria automobilística

Comércio

Empresa de processamento de aves e suínos

Produtores de hortifrutigranjeiros

Indústria da alimentação

Produtores de leite

Cafeicultores

Exportadores

Quem ganha

Companhias de transporte

Caminhoneiros

Donos de postos