Correio braziliense, n. 20095, 29/05/2018. Opinião, p. 13

 

A salmonela e a guerra comercial Brasil x UE

Blairo Maggi

29/05/2018

 

 

Nas últimas semanas, o Brasil deu os primeiros passos na preparação para disputa contra a União Europeia na Organização Mundial do Comércio (OMC), onde questionaremos as barreiras que o bloco impõe ao nosso frango. Os europeus, por sua vez, intensificaram a campanha de desinformação contra os produtos do Brasil, procurando confundir os consumidores na Europa e no resto do mundo, desconsiderando princípios científicos e distorcendo dados sanitários.

Com o espaço que as medidas unilaterais da União Europeia ocupam nos meios de comunicação, tem se falado muito sobre a salmonela. Entretanto, é preciso que se analise o tema em algum detalhe para que se possa perceber a manobra feita pelas autoridades europeias.

A salmonela é um micro-organismo que pode estar naturalmente presente na flora intestinal de humanos e de aves, além de ser encontrada na água e no solo. Há mais de 2.600 tipos de salmonela catalogados, dos quais apenas dois oferecem riscos substanciais à saúde humana. A presença desses dois tipos não é permitida em nenhum produto de origem animal produzido ou comercializado no Brasil, assim como em todos os grandes mercados mundiais.

No que se refere aos demais tipos, a prática internacional não é a proibição, mas o controle, com objetivo de redução progressiva. São feitos testes periódicos, e há tolerância para uma pequena proporção de resultados positivos. Essa é a regra brasileira para a carne de frango, que segue os princípios da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), da Organização Mundial de Saúde (OMS) e da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Diferentemente do que a conduta das autoridades em Bruxelas possa sugerir, essa é a mesma política que os países europeus adotam internamente para os seus produtores.

No último dia 14, a União Europeia anunciou que não mais aceitaria importar produtos de 20 plantas frigoríficas brasileiras. A razão alegada para a punição foi o aumento no número de notificações de resultados positivos nos testes para salmonela. As autoridades europeias, entretanto, omitiram os dados que embasaram essa decisão.

O bloco europeu tenta usar, contra os produtores brasileiros, os esforços do Ministério da Agricultura para garantir a sanidade dos alimentos e, desde a primeira fase das operações da Polícia Federal, em março de 2017, aumentou a frequência de amostragem na fiscalização das exportações de produtos de origem animal do Brasil. Como foi feito um número maior de testes, é normal que houvesse mais resultados positivos, assim como houve mais resultados negativos, que não foram informados. Os europeus sabem muito bem disso, mas tentam subverter os princípios científicos para servir a seus próprios interesses.

É importante destacar que, caso os mesmos produtores brasileiros houvessem aceitado pagar uma tarifa de €1.024 por tonelada de frango, a União Europeia teria permitido a entrada do frango brasileiro.

Como os europeus omitem os dados, especialistas do Mapa fizeram estimativas com base em informações de carregamentos rejeitados em 2017, e os resultados reforçam a seletividade da medida. Pagando a tarifa mais alta, apenas oito carregamentos de frango in natura (0,4%) teriam sido rejeitados. Já para o mesmo produto com pequena adição de sal na superfície, permitindo enquadramento em condições tarifárias mais baixas, 293 carregamentos teriam sido rejeitados (5,9%).

Caso se tratasse de frango de produtores europeus, com a mesma baixa incidência de salmonela do produto brasileiro rejeitado, ele seria vendido e consumido sem nenhuma objeção das autoridades locais. (...)

A União Europeia, reforçamos, está distorcendo princípios sanitários para obter benefícios comerciais. O compromisso do Brasil com a segurança dos alimentos está à altura de seus mais de 200 milhões de habitantes e de cerca de 1 bilhão de consumidores em todo o mundo que confiam diariamente nos alimentos brasileiros.

Em tempos de notícias falsas, é fundamental que não se abandone a referência dos critérios cientificamente comprovados — a fim de assegurar a justiça no comércio internacional de alimentos e a saúde dos consumidores em todo o mundo. É em busca do cumprimento dos parâmetros científicos na avaliação da carne de frango brasileira que o Ministério da Agricultura reafirma a sua defesa com vistas à abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio contra a União Europeia.