O Estado de São Paulo, n. 45482, 27/04/2018. Política, p. A4

 

Raquel pede ‘cuidado’ com delação de Palocci

Andrei Netto, Rafael Moraes Moura, Amanda Pupo e Fabio Serapião

27/04/2018

 

 

Lava Jato. Procuradora-geral da República afirma que desconhece e pode contestar os termos da colaboração premiada do ex-ministro de Lula e Dilma; tema está no Supremo

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse ontem que o acordo de delação premiada firmado entre o exministro Antonio Palocci e a Polícia Federal precisa ser avaliado com “cuidado” e poderá ser contestado pelo órgão máximo do Ministério Público Federal. A possibilidade de a PF e a Polícia Civil firmarem acordos de colaboração está sob análise do Supremo Tribunal Federal. O tema é alvo de uma disputa entre policiais federais e procuradores que tem como pano de fundo o modelo de acordo defendido pelas instituições.

Em Paris, Raquel afirmou “desconhecer” os termos e a “extensão das cláusulas” do entendimento entre Palocci e a PF. Segundo ela, as negociações não foram realizadas na “jurisdição de Brasília”, o que obrigará a Procuradoria-Geral a estudar em detalhes o acordo para decidir o que fará a respeito.

“O meu gabinete, ou a instância cabível, certamente examinará esse documento”, disse a procuradora-geral. “Não examinei que documento é esse, como foi feito, qual a extensão das cláusulas. Tudo precisa ser avaliado com muito cuidado.”

O Supremo não concluiu um julgamento iniciado em dezembro do ano passado sobre o tema. A análise na Corte foi provocada em ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

A maioria dos ministros do Supremo votou por autorizar delegados de polícia a firmar acordos de colaboração, mas com limites à concessão de benefícios a delatores. Há divergência sobre a extensão do acordo e a necessidade de aval do Ministério Público para a eventual homologação da delação.

Dos sete integrantes da Corte que já votaram, seis defenderam a possibilidade de a PF fechar acordos. Além de Palocci, o marqueteiro Duda Mendonça e o ex-empresário Marcos Valério Fernandes de Souza (preso no mensalão) assinaram delação com a polícia.

‘Vigência’. Ontem, ministros do Supremo afirmaram que a lei que permite à PF fechar delações está “em plena vigência”. “Estamos julgando uma ação que ataca a lei, não houve implemento de liminar, então a conclusão é de que a lei está em plena vigência, que contém expressamente a delação na polícia”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, que é relator do processo na Corte e já votou favorável à autonomia das polícias no caso.

“O que está valendo é a lei”, afirmou o também o ministro Alexandre de Moraes.

Ex-ministro dos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, Palocci está preso em Curitiba desde setembro de 2016. Sua defesa iniciou uma negociação com o Ministério Público Federal no Paraná, base da Lava Jato, sem que se chegasse a um acordo.

Palocci foi condenado no ano passado a 12 anos e 2 meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção ativa na negociação de contratos com a Odebrecht para aquisição de sondas do Estaleiro Enseada do Paraguaçu e da Sete Brasil. Durante o processo, Palocci afirmou ao juiz Sérgio Moro que o ex-presidente Lula, quando estava no cargo, deu seu aval a um “pacto de sangue” com a construtora Odebrecht, que envolveria o pagamento de R$ 300 milhões ao PT em propinas pelos contratos assinados.

A falta de finalização do caso no Supremo levantou uma discussão sobre a estabilidade dos acordos que vêm sendo firmados pela PF. Além de destacar que a lei continua em pleno vigor, Marco Aurélio lembrou que “qualquer acordo”, antes de ser homologado pela Justiça, “jamais é definitivo”.

“O acordo é a parte que beneficia o delator, jamais é definitivo. A lei remete o acordo ao órgão julgador, que põe em eficácia a delação”, disse o ministro à reportagem.

 

Manifestação

Raquel em evento no Rio nesta semana; para ela, ‘tudo precisa ser avaliado’

 

ACORDOS EM DEBATE

DISPUTA

POLÍCIA FEDERAL

Procedimento

Colhe depoimentos ao longo de toda a investigação. Benefício é discutido ao término da fase de apuração. Vê a delação como ferramenta de investigação.

 

Negociação

Para a PF, modelo em que o delator negocia penas e benefícios já quando assina o acordo não está previsto na lei e, portanto, não deve ser utilizado.

 

Atribuições

Defende a definição de penas e multas pelo juiz, cabendo ao investigador apenas sugerir que a colaboração foi efetiva e eficaz e que o delator merece benefícios.

 

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Procedimento

Colhe depoimentos após assinar o acordo com o colaborador (cláusulas já definidas). Benefício é negociado no momento da assinatura do acordo de delação.

 

Negociação

Defende o modelo de transação penal no qual o delator pactua com o MP qual será a multa, a pena e todos os benefícios por sua colaboração.

 

Atribuições

Hoje, o Ministério Público Federal fiscaliza o acordo em todas as etapas e pode recorrer caso avalie que o juiz não aplicou a pena conforme o acerto prévio.

 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

6 x 1

PLACAR DO JULGAMENTO A FAVOR DA PF

A maioria dos ministros (Marco Aurélio, Moraes, Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Dias Toffoli) votou por autorizar a PF a firmar delações. Mas ainda há divergências sobre a extensão do acordo e a necessidade de aval do MP para homologação.

 

COLABORADORES

Antonio Palocci

Ex-ministro

Procurou a PF após sua negociação com o MPF não avançar

 

Duda Mendonça

Marqueteiro

Caso provocou STF a decidir se delegados podem firmar acordo

 

Marcos Valério

Ex-empresário

Operador do mensalão fechou delação com a Polícia Civil de Minas

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

PGR aguarda acórdão da 2° turma para recorrer

27/04/2018

 

 

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, confirmou ontem, em Paris, que pretende recorrer da decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que tirou do juiz Sérgio Moro trechos de delações da Odebrecht que citam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso na Lava Jato.

Segundo ela, a PGR aguarda a publicação do acórdão da decisão para definir qual é o limite da impugnação e o recurso cabível. Ela reiterou que o tema é “uma de suas prioridades no retorno ao Brasil”. “Minha expectativa é de que caiba um recurso e que nós consigamos apresentar um argumento cabível de ser examinado nessa fase processual e nessa situação”, disse.

Em reação à decisão da Segunda Turma, a defesa de Lula enviou ofício a Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, para que ele envie o caso para a Justiça de São Paulo, obedecendo ao entendimento do Supremo. No documento, os advogados ressaltam que não é possível “apontar nenhum liame objetivo a vincular os fatos descritos na denúncia com contratos celebrados por empreiteiras com a Petrobrás”. “E não é possível pela razão pura, simples, até pueril, de que tal elo não existe. Nem a parte autora foi capaz de distingui-lo e apontá-lo.” Eles alegam que as regras de territorialidade forçam o caso a ser analisado pela Justiça Federal de São Paulo, pois a regra de exceção da conexão não é aplicável. / A.N.

 

Sítio de Atibaia

O juiz federal Sérgio Moro suspendeu o depoimento do filho mais velho de Lula, Fábio Luis Lula da Silva, o Lulinha, que estava marcado para o dia 7 de maio.