Correio braziliense, n. 20126, 29/06/2018. Mundo, p. 12

 

Itália sabota cúpula

Rodrigo Craveiro

29/06/2018

 

 

IMIGRAÇÃO » Governo populista do premiê Giuseppe Conte bloqueia conclusões sobre o comércio, no primeiro dia de reunião entre líderes da União Europeia, e ameaça vetar todos os acordos, caso exigências não sejam atendidas. Indefinição complica situação de Merkel

Se depender dos primeiros sinais emitidos pela Itália, a cúpula dos 28 países-membros da União Europeia (UE) deverá terminar hoje, em Bruxelas, sem resolver as fissuras abertas no bloco pela crise migratória, além de colocar em xeque a liderança da chanceler alemã, Angela Merkel (leia nesta página). Apesar da decisão do premiê italiano, Giuseppe Conte, de bloquear a adoção de conclusões comuns sobre comércio e defesa, os países do sul do continente aproveitaram para combinar um princípio de acordo sobre o compartilhamento da gestão dos fluxos migratórios. O líder populista ameaçou vetar todos os pactos do Conselho Europeu, caso as demais nações não atendam às exigências de Roma sobre o controle migratório.

Durante um jantar de trabalho, Itália, França, Espanha, Grécia e Malta defenderam a criação, na Europa, de “centros controlados” para transferir imigrantes ilegais às regiões de maior pressão. A Hungria se opõe ao plano. “Nada está acordado até que tudo esteja acordado. Conte se reservou à possibilidade de poder se pronunciar sobre tudo”, explicou uma fonte do governo italiano. Mais cedo, o próprio premiê italiano tinha alertado que seu país “não precisa de mais palavras, mas de atos concretos” e prometeu agir nesse sentido.

O princípio de acordo proposto pelos cinco países do sul do bloco destravaria uma das principais polêmicas envolvendo a crise migratória — a divisão de responsabilidades — e representaria a provável sobrevida de Merkel no poder. A chanceler pressionou os países da UE a buscarem uma solução comum. “A Europa tem muitos desafios, mas o relacionado com a questão migratória pode decidir o destino da União Europeia”, advertiu, em discurso ante o Parlamento alemão. Por sua vez, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, instou os demais países a exibirem “solidariedade, especialmente com a Alemanha, que sofre uma crise política”.

Não havia garantia de que o avanço anunciado à noite levaria ao sucesso da cúpula. “Mais e mais pessoas estão começando a crer que apenas uma autoridade forte, antieuropeia e antiliberal em espírito, com tendência ao autoritarismo aberto, é capaz de deter a onda de migração ilegal”, lamentou Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu. Ele e Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia, órgão executivo da UE, cancelaram a tradicional entrevista coletiva, adiando-a para hoje, ao fim da cúpula. O principal impasse é a Convenção de Dublin, o regulamento segundo o qual o país europeu  onde o migrante primeiro desembarca é o responsável por administrar o seu pedido de proteção internacional.

Apelo

Eugenio Ambrosi — diretor regional do Escritório da Organização Internacional para as Migrações (IOM, pela sigla em inglês) para a União Europeia, a Noruega e a Suécia — admitiu ao Correio não ter ilusões em relação às graves fendas dentro da UE. “Nós apelamos à vontade política e ao senso político para mudar o rumo, na direção da solidariedade e de uma visão mais balanceada de governança da migração. Os líderes da UE poderiam considerar que a maior parte das preocupações sobre segurança, fronteiras, Estado de direito, prosperidade e valores comuns deve ser resolvida com políticas migratórias inteligentes em favor da facilitação e da regulamentação (da migração), ao invés da restrição e da exclusão; com o fortalecimento da solidariedade e da partilha de responsabilidade, no lugar da fraqueza, da desunião e do pânico”, afirmou.

Ambrosi (leia Duas perguntas para) considera o pânico em relação à migração o sintoma de uma doença política e estrutual que aflige o bloco. “É uma crise política, de solidariedade e de valores. A migração é uma desculpa usada, politicamente, para ocultar outros pronlemas. Os migrantes podem se tornar parte da solução, se seu trânsito for facilitado com segurança, se sua dignidade e seus direitos forem preservados, se sua integração na comunidade e no mercado de trabalho receberem suporte”, disse.

Frase

“A Europa tem muitos desafios, mas o relacionado com a questão migratória pode decidir o destino da União Europeia”

Angela Merkel, chanceler da Alemanha