Correio braziliense, n. 20124, 27/06/2018. Política, p. 3

 

Futuro da Lava-Jato em xeque

Renato Souza e Deborah Fortuna

27/06/2018

 

 

JUSTIÇA » Parlamentares e integrantes do MPF avaliam que decisão de libertar José Dirceu corre o risco de esvaziar operações de combate à corrupção

A decisão da segunda turma em libertar o ex-ministro José Dirceu e João Cláudio Genu, o ex-assessor do PP, alvos da Operação Lava-Jato, provocou um “terremoto” no Legislativo e em integrantes do Ministério Público Federal (MPF). A possibilidade de refletir em outros casos é vista como uma ameaça aos resultados das operações da Polícia Federal e ao trabalho de juízes de todo o país. Procuradores e senadores criticaram a decisão. Por outro lado, aliados do ex-ministro José Dirceu comemoraram a liminar que garante a liberdade do petista.

O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima, um dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato, criticou as solturas e também a decisão que anulou provas contra a senadora Gleisi Hoffmann e o ex-ministro Paulo Bernardo, na Operação Custo Brasil (leia ao lado). Ele destacou ainda que a segunda turma trancou na mesma sessão a ação contra o deputado estadual paulista Fernando Capez (PSDB), acusado de corrupção. “A maioria da segunda turma está trabalhando com afinco hoje. Não vão deixar pedra sobre pedra”, escreveu Lima, em uma rede social. Mais antigo membro do MPF que integra a força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba, ele atuou também no caso Banestado.

Em outro post feito durante a tarde, enquanto a Argentina enfrentava a Nigéria, na Copa, o procurador ironizou: “Enquanto todos secam a Argentina, a maioria da segunda turma faz 7 a 1 contra a Lava-Jato”. “Ops, não marcamos nem mesmo um.”

A senadora Ana Amélia (PP-RS) afirmou que a decisão, que ocorreu com concessão de uma liminar pelo ministro Dias Toffoli, ameaça a maior operação de combate à corrupção já realizada. “A segunda turma quer sepultar a Lava-Jato? Que país é esse?”, argumentou. O senador Alvaro Dias (Podemos) destacou que o plenário do Supremo já entendeu que é possível que condenados em segundo instância iniciem imediatamente o cumprimento da pena.

Pressão

Na tribuna do Senado, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, defendeu a medida. “Quero registrar a liberdade do companheiro José Dirceu, que também tem enfrentado um calvário na sua vida. Também tem lutado contra o arbítrio do Judiciário, de processos eivados de vícios. E que, hoje, a segunda turma lhe fez justiça novamente, libertando-o da prisão, sem nenhuma restrição”, afirmou.

Tramita no Supremo, sob relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC) que pede que o cumprimento da pena após condenação em segunda instância seja declarado inconstitucional. A ação foi enviada ao plenário, mas a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, ainda não colocou em pauta.

Cármen Lúcia avalia que o assunto já foi decidido e não há motivos para colocá-lo em votação novamente. O advogado Samuel Santos, integrante da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, afirma que a liminar concedida a Dirceu pode motivar outras semelhantes. “Com toda certeza, essa decisão da segunda turma vai servir para embasar outros pedidos de pessoas condenadas em segunda instância e que estão presas. O ministro Gilmar Mendes tem falando que a prisão após condenação nesta fase do processo não é automática”, afirmou.

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Busca anulada

27/06/2018

 

 

A segunda turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, aceitou pedido do Senado e anulou busca e apreensão no apartamento funcional da senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann, de junho de 2016. O alvo da Operação Custo Brasil, desdobramento da Lava-Jato em São Paulo, era o marido dela, o ex-ministro Paulo Bernardo. Seguindo o voto do relator do caso, ministro Dias Toffoli, a turma reconheceu a ilicitude de eventuais provas obtidas.

Como Gleisi tem foro, o Senado apresentou reclamação à Suprema Corte, ainda em 2016, afirmando que somente o STF podia autorizar a busca no apartamento. Na ocasião, o juiz responsável pela operação, Paulo Bueno de Azevedo, defendeu sua decisão, afirmando que “não é o apartamento funcional que tem foro por prerrogativa de função. É a senadora da República”.

O argumento foi usado pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, na sessão de ontem, que acabou vencido, em oposição aos votos de Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski. “É um absurdo juiz de primeira instância determinar que se faça busca e apreensão de apartamento funcional de senador. É inadmissível num estado democrático de direito. Nós não vamos tolerar esse tipo de expediente. O mandado era para fazer uma limpa geral (no apartamento)”, afirmou Lewandowski.