Valor econômico, v. 18, n. 4474, 03/04/2018. Política, p. A7.

 

Mensagem indicaria elo entre Temer e empresário

Fernando Pires

03/04/2018

 

 

O coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo, João Batista Lima Filho, amigo do presidente Michel Temer, enviou o que seria uma mensagem cifrada para o dono do grupo Libra, Gonçalo Borges Torrealba, avisando quando seria assinada a prorrogação do contrato da empresa no porto de Santos (SP). A conversa entre os dois foi publicada na edição com data de 21 de março da revista "Veja". No dia 10 de agosto de 2015 Lima diz para Torrealba se programar. "Programe-se. A data de aniversário foi 02/fev/2015", diz Lima.

A contradição lógica da mensagem - pede-se a programação para um evento que já havia ocorrido - é o mais forte indício de que se trata na realidade de um código. Nessa data comemora-se o aniversário do porto de Santos. Para fontes próximas do assunto, a mensagem foi um aviso cifrado do dia em que seria assinada a renovação do contrato do terminal da Libra no cais santista. Em 2 de setembro o governo celebrou o aditivo que prorrogou o contrato da Libra por mais 20 anos.

Essa prorrogação só foi possível porque o governo havia baixado o decreto 8.465, em 8 de junho de 2015. O instrumento permite que empresas inadimplentes no recolhimento de tarifas devidas às administradoras portuárias tenham o contrato renovado desde que discutam os débitos em uma câmara arbitral.

A norma foi anunciada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 9 de junho, em solenidade no Palácio do Planalto. O evento contou com a presença de diversos empresários portuários, entre eles da família Borges Torrealba.

Conhecido como Decreto da Arbitragem, o instrumento foi imediatamente batizado no setor de "Decreto Libra", pois atendia sob medida as necessidades do grupo. A Libra devia à Codesp, a estatal que administra o porto de Santos, o equivalente a aproximadamente R$ 1 bilhão, conforme balanço da Codesp na ocasião. Havia aproximadamente dez ações na Justiça entre as partes sobre o caso.

A Libra tinha três contatos em Santos e um deles venceria ainda em setembro de 2015, dias depois da conversa entre Lima e Torrealba. O contrato tinha um cláusula de renovação de prazo, mas, pela Lei dos Portos (12.815/2013), somente empresas que estivessem em dia com as tarifas portuárias poderiam ter os contratos prorrogados. Contudo, a mesma Lei dos Portos prevê que litígios relativos a débitos poderão ser resolvidos por arbitragem. Esse dispositivo foi incluído na legislação pelas mãos do então deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), autor da emenda da arbitragem na Medida Provisória 595, de 2012, a MP dos Portos, depois convertida na lei.

Passados quase três anos da edição do decreto, apenas a Libra utilizou a prerrogativa de arbitragem para a renovação do contrato de arrendamento, informou o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil.

A relação entre Cunha e a família fluminense Borges Torrealba é de longa data. O banco Boreal, braço financeiro do grupo Libra, foi o principal doador da candidatura de Cunha para deputado estadual em 1998, pelo PPB do Rio. Cunha elegeu-se.

No dia seguinte à publicação do Decreto da Arbitragem até a assinatura do aditivo que prorrogou o contrato da Libra um batalhão de advogados da empresa fez pressão na sede da extinta Secretaria de Portos (SEP) para que o aditivo fosse assinado a tempo.

A pasta era comandada por Edinho Araújo (MDB), indicado por Temer. O aditivo foi assinado em 2 de setembro unificando os três contratos da Libra em um e prorrogando-o para o ano de 2035. E assinado o termo de compromisso arbitral.

A Libra nunca concordou que fosse devedora da Codesp. Argumentava não ter recebido o terminal nas condições previstas no edital de licitação, por isso não recolhia as tarifas em sua totalidade. Mas a Codesp emitia a fatura cheia, razão pela qual a Libra tornou-se a maior "contas a receber" do porto de Santos.

A Libra sustenta que apresentou um pleito de indenização por lucros cessantes decorrentes de descumprimentos contratuais da Codesp e que a arbitragem definirá, até setembro de 2019, se ela é devedora ou credora da Codesp e da União. A estimativa apresentada pela Codesp supera R$ 2 bilhões. A defesa de Lima não retornou até o fechamento desta edição. A Libra informou que não se pronunciaria sobre a mensagem supostamente cifrada.