Valor econômico, v. 18, n. 4476, 05/04/2018. Brasil, p. A2.

 

Estados temem falta de verba para treinar professor em novas regras do ensino médio

Ligia Guimarães

05/04/2018

 

 

Principais responsáveis por executar as mudanças previstas na reforma do ensino médio, os Estados ainda não sabem se terão recursos para treinar os professores que viabilizarão as novas práticas nas salas de aula. "Sem dinheiro do MEC, não tem reforma", afirmou ao Valor Júlio Gregório Filho, secretário de Educação do Distrito Federal e coordenador do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) que discute a implementação da reforma.

Um dos pontos mais sensíveis e incertos, na visão do Consed, é que as novas regras preveem aulas mais aprofundadas em determinados temas, o que exige mais conhecimento do professor. "O Ministério da Educação está acenando com a liberação de recursos para que os Estados possam criar equipes de formação de professores, reestruturar a carreira de magistério", afirmou Gregório Filho que, questionado sobre qual o investimento que os Estados demandarão ao MEC, disse que não há sequer uma estimativa. "Não tenho ideia, talvez o ministério tenha números dessa natureza", afirma.

O MEC, por sua vez, diz que só lhe cabe o papel "de apoio". "O Ministério lançou a política para auxiliar os Estados e municípios. Mas professores são dos Estados e dos Municípios". Detalhes sobre tal política, por outro lado, são responsabilidade da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que gere os programas de formação, afirmou a assessoria de imprensa do MEC, que, no ano passado, lançou a Política Nacional de Formação de Professores, que demanda investimento de R$ 2 bilhões.

Gregório Filho, do Consed, diz que todas as medidas da reforma, como a ampliação da carga horária, exigem investimentos que os Estados não são capazes de bancar. "Os Estados têm a expectativa de que o MEC cumpra o que tem nos prometido. Mas o ministro está para sair, é um cenário político incerto", afirmou o secretário, que vê pela frente a fase mais difícil: a implementação. "Nós já tivemos algumas tentativas de reformas que não resultaram em mudança alguma, tanto é que estamos patinando do mesmo jeito", afirma.

Na terça-feira, em um de seus últimos atos no governo antes de sair para disputar as eleições, o ministro da Educação, Mendonça Filho, entregou a Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio ao Conselho Nacional de Educação (CNE), que vai passar por audiências e debates antes ser finalizada. Depois disso, ela será votada no Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologado pelo MEC.

A entrega do documento, cuja elaboração era prevista no Plano Nacional de Educação de 2014, foi celebrada pelo ministro. "Com esse documento, o MEC assegura que todas as escolas do país, públicas ou privadas, desenvolvam com seus alunos as mesmas habilidades", afirmou Mendonça Filho nas redes sociais.

Mas a verdade é que, até agora, nada está assegurado sobre o futuro da reforma. Embora a base seja um dos quesitos necessários, já que 60% da carga horária em sala de aula precisa ser ocupada obrigatoriamente por conteúdos da BNCC, não há até agora garantia nenhuma de melhora na vida dos alunos em sala de aula.

"Quem serão os professores que viabilizarão esse momento novo do ensino médio? Isso é fundamental", afirma Ricardo Henriques, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, que destaca que a base curricular comum exige um professor mais qualificado e atualizado do que o perfil que predomina atualmente.

Dados do Censo da Educação de 2016 apontam que, dos 2,1 milhões de professores da educação básica, só 1,6 milhão tinham formação em licenciatura, e muitos não atuam em sua respectiva área de formação. A mudança exigirá, inclusive, um novo modelo de formação nos cursos de pedagogia e licenciatura, com adesão das universidades federais e estaduais à nova política pública.

"A minha crítica não é à base, a base está boa. O que não dá é achar que você vai reestruturar o ensino médio só com a base", diz Henriques, que defende uma atuação mais próxima do CNE com a sociedade, com mais audiências públicas que ouçam não só especialistas, mas também os jovens, para impedir que a reforma saia da agenda do próximo governo. "Criar laços para além da conjuntura política", afirma.

O educador Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e crítico da reforma, também tem perguntas sem resposta. "O que o diretor de escola, o coordenador pedagógico devem fazer com o currículo na reforma do ensino médio? Elas não sabem", diz Cara, que vê, inclusive, certo recuo por parte dos Estados em apoiar as mudanças.

"A reforma não tem concretude nenhuma. A reforma do ensino médio é muito ruim como pauta eleitoral", diz Cara. "A base e a reforma estão naquele patamar em que é feito muito alarde, coloca a ideia de que o governo fez, mas para a vida concreta dos professores das escolas, melhorar não vai."

Pela reforma do ensino médio, tudo o que for ensinado em sala de aula estará dentro de uma das seguintes áreas: linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais aplicadas e formação técnica e profissional. As escolas, no entanto, não são obrigadas a oferecer aos alunos todas as cinco áreas, mas ao menos uma delas. "Se a escola decidir não ofertar nenhum itinerário de ciências exatas, por exemplo, ela pode", afirma o especialista.

"Para quem quer reduzir custo, precarizar, a reforma do ensino médio dá um caminho. Antes a tradição brasileira não permitia que uma escola decidisse não dar química, física e biologia. Agora tem", alerta Cara. No anúncio do governo, a reforma é o caminho para resolver a "tragédia" do ensino médio: dos 16 milhões de jovens de 15 a 18 anos no Brasil, 42% estão fora.

Gregório Filho vê espaço para que, se quiserem, os Estados pouco mudem na educação. "A base está muito light. Se os Estados quiserem manter o currículo como está hoje, têm essa possibilidade disso, o que até hoje não tinham".