Correio braziliense, n. 20155, 28/07/2018. Economia, p. 7

 

Governo quer cortar R$ 20 bi em benefícios

Hamilton Ferrari e Marília Sena

28/07/2018

 

 

Aposentadorias por invalidez e auxílios-doença, que já tiveram cancelamentos de R$ 9,6 bilhões nos últimos dois anos, continuam na mira, mas programas sociais como o seguro-defeso, que concede assistência a pescadores, também passarão por auditoria

O governo federal espera cortar R$ 20 bilhões em auxílios-doença e aposentadorias por invalidez irregulares até o final de 2020. Desde 2016, vários benefícios assistenciais que apresentam problemas cadastrais estão sendo revisados, após a criação de um comitê interministerial encarregado de reduzir o desperdício de recursos na área social. Nos últimos dois anos, R$ 9,6 bilhões foram economizados, mas ainda há um potencial bilionário para mais cortes.

O número expressivo demonstra o quadro de abandono a que chegou o gerenciamento das políticas de assistência social. Há casos de pessoas que recebiam benefícios há mais de 10 anos, mesmo estando aptos a trabalhar. O Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) realizou quase 800 mil perícias desde 2016, cancelando 552,9 mil auxílios-doença e 1 milhão de aposentadorias por invalidez. O ministro da pasta, Alberto Beltrame, em entrevista ao Correio, afirmou que houve um “desinchaço” destes programas (confira entrevista abaixo).

As irregularidades também se estendem a outros programas do governo, como o Bolsa Família, o seguro-defeso e os benefícios de prestação continuada (BPC). Neles, o governo identificou desperdícios de quase R$ 5 bilhões de 2016 até este ano.

De acordo com o secretário federal de controle interno da Controladoria-Geral da União (CGU), Antônio Carlos Bezerra Leonel, o quadro de descontrole se torna mais evidente quando se observa o seguro-defeso, que é uma assistência financeira temporária concedida a pescadores profissionais durante a época de reprodução dos peixes, em que a pesca é proibida. Cerca de 65% do programa tem um potencial para problemas cadastrais, o que pode representar quase R$ 2 bilhões de concessões irregulares.

Segundo Bezerra Leonel, as políticas foram elaboradas e concedidas, mas sem organização prévia da fiscalização. Hoje, diz ele, há uma articulação maior entre os ministérios envolvidos para controlar os desperdícios. “Outra coisa que ajudou (nesse processo) foi a crise. Antes, havia um orçamento (público) no qual sobrava dinheiro no fim do ano. Hoje, a realidade do governo federal não é essa. As irregularidades que eram, digamos, suportadas, passaram a sofrer um combate mais ativo com a ação interministerial”, disse.

Roberto Piscitelli, professor de administração pública da Universidade de Brasília (UnB), avalia que, antes de fazer a reforma da Previdência, o governo precisa executar o “arroz com feijão”. “Se há tantas irregularidades e uma infinidade de benefícios indevidos, o Estado está gastando desnecessariamente e deixando de arrecadar. Portanto, é preciso atuar nessas questões para verificar qual o verdadeiro deficit da Previdência”, opinou. “Além disso, é preciso um trabalho permanente, não só em cima das pequenas irregularidades, mas também em renúncias fiscais e subsídios, que são gigantes e consomem boa parte do orçamento”, completou. A equipe econômica espera desembolsos de R$ 370 bilhões com estas despesas em 2018.

Sem efeito

Bezerra Leonel informou que está em discussão no governo a criação de um comitê que ficará responsável pela avaliação das renúncias fiscais. “Será um grupo encarregado de avaliar esses subsídios e créditos tributários. A base do trabalho será um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que mostrou que, desde o primeiro mandato do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Executivo desembolsou R$ 173 bilhões em programas de incentivo que não tiveram os efeitos desejados”, disse .

Margarete Soares, 51 anos, foi até uma agência do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para solicitar o auxílio-doença. Ela passou recentemente por um processo cirúrgico, e acredita que não vai esperar muito para receber o benefício. “Há alguns anos, fiquei afastada e o meu benefício não demorou a sair, mas agora eu não sei como está a situação do órgão”, disse. Na visão dela, os cortes que o MDS prevê para os segurados do INSS são injustos. “Há tantas coisas incorretas no governo brasileiro, que movimenta dinheiro de forma errada, e as autoridades não corrigem. Sempre querem mexer nos benefícios dos mais fracos”, avaliou.

Margarete também criticou a atuação do órgão que, para ela, não investiga direito os casos de pessoas que precisam de auxílio. “Já vi uma amiga morrer esperando benefício. Ela tinha câncer e era contribuinte do INSS havia muito tempo, mas faleceu sem receber ajuda”, lamentou. O Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) afirmou que a avaliação da assistência tanto para os que são beneficiários, quanto para os contribuintes que solicitam, é feita de forma justa.


* Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo

Pente-fino
O governo federal está em cima de erros cadastrais e irregularidades em benefícios de assistência social

» Projeção de economia até 2020

Benefício Valor (em R$ bi)
Auxílio-doença 15
Aposentadoria por invalidez 5

» Economia de 2016 a 2018

Benefício Valor (em R$ bi)
Auxílio-doença 9,6
Bolsa Família 1,0
Benefícios de Prestação Continuada 2,2
Seguro defeso 1,6

Fonte: MDS

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Deficit de R$ 16,4 bi

Rosana Hessel

28/07/2018

 

 

Apesar de a receita líquida ter avançado 2% em termos reais (descontada a inflação), e a despesa encolher 1,1% em junho na comparação com o mesmo período do ano passado, as contas do governo federal continuaram no vermelho e registraram deficit primário de R$ 16,4 bilhões. Foi o segundo pior resultado para o mês da série histórica do Tesouro, iniciada em 1997, atrás apenas do rombo de R$ 19,8 bilhões (em valores correntes) de junho de 2017.

No acumulado do ano, no entanto, as contas combinadas de Tesouro Nacional, Banco Central e Previdência, o chamado governo central, contabilizaram saldo negativo de R$ 32,9 bilhões, o menor deficit primário no primeiro semestre desde 2015. A Previdência registrou rombo de R$ 90,8 bilhões, enquanto o Tesouro ficou superavitário em R$ 58,3 bilhões. O BC teve deficit de R$ 343 milhões.

Para o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, o resultado do primeiro semestre indica que o cumprimento da meta fiscal deste ano está “confortável”. A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) permite deficit de até R$ 159 bilhões nas contas do governo federal. No entanto, Mansueto reconheceu que haverá um forte crescimento das despesas, principalmente, com abono e 13º salário dos servidores, o que fará o deficit do segundo semestre chegar a R$ 124,3 bilhões, ou seja, R$ 56,5 bilhões a mais do que o resultado negativo do mesmo período de 2017, aproximando o resultado primário da meta.

O economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, avaliou que o resultado não surpreendeu e ficou dentro das expectativas do mercado. Ele acha que será possível cumprir a meta fiscal, com folga, apesar do discurso pessimista do governo. “O quadro está tranquilo em relação à meta fiscal e o governo deve entregar um resultado abaixo da meta em cerca de R$ 10 bilhões ou até um pouco mais”, disse.

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Cinco perguntas para...

Alberto Beltrame

28/07/2018

 

 

Por que o pente-fino só começou em 2016 e não foi implementado antes?
A preocupação de melhorar a governança dos programas sociais é maior neste governo do que no passado. Havia preocupação de conceder benefícios, mas não de verificar a validade das concessões. Porém, recursos públicos precisam ser bem gerenciados e passar por verificação de efetividade. Por exemplo, o Bolsa Família é um benefício extremamente importante, mas tínhamos um programa inchado, com pessoas que não deveriam estar nele, como empresários, comerciantes e políticos, enquanto 1,5 milhão a 2 milhões de famílias esperavam até dois anos pela concessão do benefício. Hoje, o tempo máximo entre o cadastro e a concessão é de 45 dias. O programa está mais enxuto. Eliminamos a ideia de que ele é propriedade de um governo ou de um partido

A economia também foi um dos motivos do pente-fino, já que há deficit nas contas públicas?
A economia obtida no Bolsa Família foi toda reinvestida no programa. De maio de 2016 até agora, saíram 5,2 milhões de famílias e entraram 4,8 milhões. Com isso, zeramos a lista de espera. Outra questão: tivemos os dois maiores reajustes (do benefício) da história, de 12,5% em julho de 2016 e de 5,7% agora, ambos acima da inflação, fazendo com que o poder de compra de alimentos, que é uma das finalidades mais importantes, saísse de uma queda de 18%, no final de 2015, para mais 20% agora. O programa, hoje, tem 13,8 milhões de famílias que, efetivamente, preenchem critérios de elegibilidade. Ele foi depurado de irregularidades. Eu não posso dizer que a fraude é zero, mas a fraude detectável é zero. Temos sete bases de dados. Ninguém que esteja em alguma delas continua na Bolsa.

O corte de benefícios previdenciários e de programas sociais irregulares foi possível só por cruzamento de dados? Também ocorreram fraudes de servidores? Alguém foi punido?
Quando iniciamos a verificação, em maio de 2016, começaram a aparecer denúncias. Nós conseguimos identificar, por exemplo, que o cadastro fraudado de tal beneficiário foi feito em uma prefeitura municipal, mas não tínhamos, por incrível que pareça, o CPF do cadastrador. Essa foi uma das medidas que tomamos. Hoje, eu consigo identificar o IP da máquina que cadastrou e a senha com o CPF de quem cadastrou. Quantos benefícios irregulares havia por fraudes de servidores não dá para afirmar, mas que havia uma quantidade grande de pessoas que omitiram renda ou que o cadastrador facilitou essa informação indevida, sim. As suspeitas foram encaminhadas para a esfera policial.

As pessoas que perdem os benefícios estão entrando na Justiça?
Sim. No auxílio-doença, só tivemos reversão, por decisão judicial, de 2,4% dos cancelamentos, o que é um número muito baixo. A revisão não tem tido problemas com a Justiça, o que mostra que ela está sendo bem-feita.

Qual a garantia de que essas revisões dos benefícios vão continuar no próximo governo?
Nós criamos uma sistemática, no caso do Bolsa Família, que está automatizada. A revisão de base de dados é feita automaticamente pela Caixa Econômica Federal e pelo MDS. Nós também criamos uma cultura de revisão de benefícios, porque é essencial para a sustentabilidade do sistema previdenciário. Há medidas de governança importantes que não permitirão que se acumulem, de novo, benefícios sem revisão. Basta que o novo governo assuma o papel de fazer uma boa gestão. (HF)