Valor econômico, v. 19, n. 4499, 09/05/2018. Política, p. A8.

 

Bolsonaro diz ter 'total compromisso' com democracia

Claudia Safatle

09/05/2018

 

 

O pré-candidato à Presidência da República pelo PSL, Jair Bolsonaro, 63 anos, deputado por sete mandatos, definiu-se como um "liberal" e assegurou que tem "total compromisso" com a democracia, "sem a qual eu não estaria aqui". Líder nas pesquisas de intenção de voto com 15% a 20% conforme o cenário, segundo o Datafolha, o capitão da reserva acredita que disputará o segundo turno com o candidato que tiver o apoio do PT. Em conversa com um pequeno grupo de jornalistas, ontem, Bolsonaro deu importantes pinceladas no que seria o seu governo, caso seja vitorioso no pleito de outubro.

Ele assegurou que manterá a atual política do teto de gasto e fará uma reforma da Previdência mais gradual do que a proposta por Michel Temer, começando pelo regime do funcionalismo público, onde se concentram os privilégios. A idade mínima, por exemplo, não saltaria para 65 anos de uma só vez, mas em degraus.

Disse que indicará para o Supremo Tribunal Federal (STF) pessoas com o perfil do juiz Sergio Moro, abrirá o sigilo dos contratos do BNDES e desconcentrará os recursos da União em favor dos municípios. "A Caixa cobra de 4% a 11% só para repassar os recursos para os municípios". Ele avalia que poderá fazer a transferência de forma direta, sem passar pela pasta das Cidades, que desapareceria no corte dos atuais 30 para 15 ministérios que pretende fazer.

Do leque de 149 empresas estatais existente hoje, ele acredita que 2/3 devem ser extintas "porque nem de graça alguém vai querer". O restante terá dois destinos: parte será privatizada e outras, se consideradas estratégicas, permanecerão nas mãos do Estado. Nessa última lista ele inclui a Eletrobras e os bancos federais que ele crê que têm "função social". Considera factível, também, a privatização do sistema penitenciário daqui para a frente, mantendo o estoque sob o atual regime de controle.

O pré-candidato ressalta sua visão nacionalista em áreas como o subsolo brasileiro e a propriedade da terra. Ele disse que é contra, por exemplo, "a venda das jazidas de nióbio de Catalão (GO) para empresas chinesas". Salientou que "não podemos deixar as nossas terras agricultáveis nas mãos do capital estrangeiro" e nem "botar o que é estratégico nas mãos de países com regime [político] totalmente diferente do nosso".

Bolsonaro se vê como o novo na política. Sobre a saída do ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa da disputa presidencial, comunicada ontem pelo Twitter, ele aparentemente não se surpreendeu: "O pavio do Joaquim Barbosa é mais curto que o meu" e, como um representante do novo, "eu cheguei primeiro", falou em tom de brincadeira.

O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), presente ao almoço com Bolsonaro promovido pelo site Poder 360, informou que há alguns meses apenas dez deputados apoiavam o pré-candidato do PSL. Hoje são 58 e em junho serão 100 parlamentares, em uma base suprapartidária, segundo ele. O vice na chapa de Bolsonaro poderá ser o senador Magno Malta (PR-ES).

Sobre a suposta intenção das forças de centro de negociar o apoio a um só candidato, ele comentou: "Para mim é excelente porque aí dou um tiro só."

Bolsonaro garante que, se eleito, não se reunirá com lideranças políticas nos "porões do Palácio do Jaburu" para lotear os cargos da administração federal. "Se um político me pedir o Banco do Nordeste ou da Amazônia, não vai ter. Governar o país como foi feito até hoje não é governar. É assaltar a nação!".

Ele conta com a base de apoio que está arrebanhando e com o baixo clero para viabilizar uma eventual administração sem ser refém de forças políticas. "O Brasil não é a nata da política que está aqui e que não exala um bom cheiro," declarou.

Com uma base de 100 deputados, o eventual governo do capitão da reserva não aprova uma emenda constitucional que demanda 308 votos. "[Uma base de apoio] fechadinha significa compradinha e a massa dos deputados [conhecida como baixo clero] não quer isso", garante ele.

Outra decisão que o militar antecipou é que se for eleito não dará continuidade à intervenção no Rio de Janeiro a menos que o Congresso aprove para os soldados que estão expostos à troca de tiros nas ruas do Rio o "excludente de ilicitude", cujas causas são enumeradas no artigo 23 do Código Penal. Seria uma espécie de proteção para os militares, que estão nas ruas do Rio, não sejam condenados à prisão por até 12 anos se em um confronto houver mortes. "Eu não boto minha tropa na rua [sem esse tipo de garantia"], afirmou o pré-candidato do PSL.

Bolsonaro fez da questão da segurança um dos principais pontos do seu discurso e, ontem, ele reiterou que pretende permitir que a população se arme para se defender. "Eu não como mais pizza fora de casa, no Rio, por medo", disse. Defendeu, nesse aspecto, um redirecionamento da política de direitos humanos e o fim da audiência de custódia - o direito do preso em flagrante ser levado à presença de uma autoridade judicial, no prazo de 24 horas, para que esta avalie a legalidade e a necessidade da prisão. A mídia, segundo Bolsonaro, "tem que ser livre." Ele declarou: "Não tem que regulamentar nada."

O pré-candidato fez uma pregação contra o que classifica como "mentira" vendida pelos que disputam as eleições no país. "O meu será o pior plano de governo do país porque será verdadeiro e não o dos marqueteiros, que são uma maravilha mas inexequíveis". Em 2019 a dívida interna estará em mais de R$ 4 trilhões, diz. "Teremos que consertar o avião em pleno voo", completa.

A combinação do fim do foro privilegiado, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal na semana passada, com o fim da prisão após o julgamento na segunda instância, será, segundo Bolsonaro, o "paraíso dos corruptos". Ele acredita que o STF derrubará a prisão após segunda instância a partir de setembro, quando a presidência da corte passará às mãos do ministro Dias Toffoli.

À pergunta sobre se está preparado para o desafio de ser presidente, que ele mesmo se fez, respondeu: "Tanta gente preparada passou pelo governo! Vocês pelo menos terão alguém com humildade, que vai ouvir e, acima de tudo, vai dar o exemplo - na questão da honestidade vocês sabem que não tem como me pegar. Tenho Deus no coração e tenho patriotismo". No início da conversa ele se apresentou como alguém "desarmado de espírito e de armas". No fim do almoço, Bolsonaro confessou que está em treinamento para conter o que chamou de "pavio curto" e para não interromper o interlocutor antes que este se pronuncie.

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Possibilidade de indulto a Lula divide pré-candidatos ao Planalto

Cristian Klein/ Bruno Villas Bôas/ Rodrigo Carro

09/05/2018

 

 

A possibilidade de um indulto que tire da prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e beneficie outros políticos condenados ou investigados, como o presidente Michel Temer, dividiu a opinião de pré-candidatos ao Planalto que participaram ontem de encontro organizado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), em Niterói, no Rio de Janeiro. Enquanto concorrentes do campo da esquerda, como Manuela d'Ávila (PCdoB) e Guilherme Boulos (Psol), defenderam o perdão judicial a Lula, nomes do centro e da centro-direita se disseram contrários ao indulto.

A ex-petista e ex-senadora Marina Silva (Rede) afirmou que "a gente tem que respeitar a lei e a Justiça". "Não acho que se deva fazer um debate que possa sugerir à população qualquer tipo de atitude, de quem quer que seja, em relação a dois pesos e duas medidas. Advogo que, por mais duro que seja, por tudo que está acontecendo na política brasileira, se tem que cumprir as leis. A lei deve ser mantida e cumprida por todos, independentemente da condição política, econômica, social, o que for", disse.

Pré-candidato do PSDB à Presidência, o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin criticou a possibilidade do indulto. Questionado, o tucano afirmou que não tem informação sobre articulações nesse sentido e nem saberia dizer se isso é possível. "Decisão judicial se respeita. A Justiça não é vermelha, azul, verde, amarela, ela é Justiça. E é para todos", afirmou.

Boulos disse que "indulto é uma prerrogativa democrática" que existe em vários países do mundo para corrigir erros do Judiciário. "O Judiciário não é infalível. Quando o Judiciário erra, e esse erro é comprovado - nos Estados Unidos, por exemplo, pessoas que estão à beira da cadeira elétrica, às vezes, quando se mostra uma injustiça, recebem o indulto ou uma graça presidencial", afirmou. O pré-candidato do Psol disse que, se for eleito, "no nosso governo, todos aqueles brasileiros, comprovadamente injustiçados, sim, receberão [indulto]". Ele citou o caso do carioca Rafael Braga, "um jovem negro que foi preso injustamente por portar [uma garrafa de desinfetante] Pinho Sol nas manifestações de 2013".

No mesmo tom, Manuela D'Ávila defendeu o perdão judicial a Lula. "Não só os candidatos de esquerda deveriam defender, mas os que defendem a democracia. Para mim o maior erro que a esquerda pode cometer é achar que o tema da prisão de Lula é um tema da esquerda. Por quê? Porque se fosse seria errado. O tema da prisão do Lula é um tema da democracia. Quero que o povo possa escolher o seu presidente, quero poder disputar eleição com quer que seja, no voto. Por quê? Porque nas democracias é assim que funciona", disse a deputada estadual do Rio Grande do Sul, para quem o "Brasil só conseguirá superar sua crise econômica se superarmos, com a radicalidade da democracia, a nossa crise política, e não o contrário".

Candidato na eleição de 1989 e de novo um dos pré-postulantes ao Planalto, o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos (PSD), afirmou que não acredita na viabilidade de um indulto. "O que se pode discutir é se ele [Lula] pode ser preso em segunda instância. Isso pode ainda revirar para uma condenação final, esgotados todos os recursos. Mas um indulto não acredito, porque ele é pego na Lei da Ficha Limpa", disse.

Lembrado de que o indulto seria um perdão judicial para condenação criminal, Afif Domingos afirmou: "Aí é que está: o que importa agora é o eleitoral. O criminal ninguém está discutindo. O que se quer saber é se ele concorre ou não concorre. Para o PT é vital que ele concorra. Mas a turma [do PT] já está se arrumando, para encontrar um substituto. Isso desbalanceia o próprio Bolsonaro", disse, em referência ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSL), que lidera as pesquisas nos cenários sem Lula.

Apesar de convidado, o parlamentar não foi ao encontro da FNP, assim como o empresário Flávio Rocha (PRB). O PT quis mandar o ex-chanceler Celso Amorim como representante, mas os organizadores não aceitaram. O partido enviou uma carta assinada por Lula, que recebeu publicidade apenas pelo site da entidade. No texto, o petista afirma que é preciso "discutir a revisão da PEC do Teto dos Gastos".