O globo, n. 30965, 18/05/2018. Economia, p. 17

 

Sem esperança de vaga

Daiane Costa

18/05/2018

 

 

País tem 4,6 milhões de pessoas que desistiram de buscar emprego, o maior nível desde 2012

Nunca tantos brasileiros desistiram de procurar emprego. Dados divulgados pelo IBGE mostram que, em quatro anos, o total de desalentados — pessoas que deixaram de buscar uma vaga pois avaliam que não vão conseguir — aumentou 195% e chegou a 4,63 milhões no primeiro trimestre, o maior patamar já registrado desde o início da série histórica, em 2012. Uma análise mais ampla mostra que falta trabalho para 27,7 milhões de pessoas no país, quando se considera a chamada subutilização da mão de obra, o que inclui não só o contingente de desempregados, como também as pessoas que gostariam de trabalhar mais, mas não conseguem, e as que queriam uma vaga, porém não procuraram ou não estavam disponíveis. Em quatro anos, o número de subutilizados cresceu 73% e alcançou o maior nível desde o início da série da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que começou em 2012.

Os resultados divulgados pelo IBGE mostram que a taxa de desemprego só recuou para 13,1% de janeiro a março porque mais pessoas desistiram de procurar emprego e, entre quem conseguiu uma vaga, predominou a subocupação — condição de quem trabalha menos de 40 horas por semana, mas gostaria de ter uma jornada maior para aumentar a renda.

Na avaliação do coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, esses números mostram que, na prática, ainda não houve uma melhora do mercado de trabalho este ano, pois a taxa cedeu em relação ao primeiro trimestre de 2017, quando estava em 13,7%, principalmente porque 500 mil pessoas saíram da fila do desemprego direto para a inatividade.

— O mercado de trabalho continua muito desfavorável. O aumento do desalento e da subocupação não se deu em uma região ou outra, mas em quase todas as regiões e nos estados mais importantes para a economia, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Todos eles também têm recorde no número de subutilizados — pontua Azeredo.

 

LONGA ESPERA POR UMA VAGA

O fenômeno do desalento é comum justamente em períodos de crise econômica extensa, quando a longa e infrutífera busca por trabalho provoca desânimo nas pessoas. No primeiro trimestre do ano, o grupo de pessoas que já procurava emprego por ao menos dois anos cresceu 5%, para 3 milhões de pessoas, em relação ao mesmo período de 2017. Para o IBGE, diversos fatores levam ao desalento: o insucesso em encontrar uma vaga, a avaliação de que falta experiência ou qualificação ao candidato, ser considerado muito jovem ou muito idoso para o posto de trabalho ou não ter oferta de vaga na localidade em que morava.

Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria Integrada, explica que a desistência é mais comum entre as pessoas que já estão buscando trabalho por um longo período, porque a falta de êxito nessa tentativa de inserção abala o bolso e a autoestima:

— Por um lado, há a frustração por não conseguir uma vaga. Isso afeta a confiança. Também é preciso observar que o desemprego é maior entre as pessoas com um nível de escolaridade mais baixo e, logo, menor renda, o que faz com que ela chegue ao ponto de não ter mais dinheiro para sair de casa, entregar currículos e fazer entrevistas.

Os dados complementares do IBGE não surpreenderam os analistas porque, desde que a taxa de desemprego começou a ceder, no terceiro trimestre do ano passado, a mudança foi causada pelo aumento dos postos informais, que pagam menos e não têm proteção social.

Para o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre/FGV, esse movimento explica o aumento dos trabalhadores com jornada inferior a 40 horas semanais no primeiro trimestre do ano:

— O número de trabalhadores por conta própria aumentou em quase 900 mil em relação ao começo de 2017. São pessoas que, geralmente, têm uma jornada inferior a 40 horas de trabalho semanais.

Os dados ruins do mercado de trabalho refletem o desempenho da atividade econômica. O IBC-Br, indicador calculado pelo Banco Central e que é considerado uma prévia do PIB, mostrou um recuo de 0,13% no primeiro trimestre. O mercado esperava alta de 0,2%. O resultado negativo é o primeiro do IBC-Br, na comparação com o trimestre anterior, desde o fim de 2016. Sem recuperação do mercado de trabalho, não há incentivo para o consumo, o que acaba afetando o desempenho de indústria, comércio e serviços.

— Tudo o que ocorre no mercado de trabalho é reflexo do cenário econômico, da falta de confiança dos empresários para investir e gerar emprego — reforça Azeredo.

Xavier, da Tendências, também aponta o peso do ano eleitoral sobre o desempenho dos indicadores:

— Já esperávamos que a recuperação do mercado de trabalho fosse lenta, porque o ano eleitoral traz mais incertezas ao cenário econômico, e isso prejudica novas contratações. Mas esse PIB pode tornar esse processo ainda mais lento.

Barbosa Filho é mais otimista em relação ao desempenho do mercado de trabalho. Ele avalia que, embora os brasileiros estejam recorrendo à informalidade como solução para o desemprego, mais 1,6 milhão começou a trabalhar no último ano, entre o primeiro trimestre de 2017 e o início deste ano.

Os dados do IBGE mostram que 75,4% dos empregados no setor privado tinham carteira de trabalho assinada, o que significa uma queda de 1,2 ponto percentual em relação ao período de janeiro a março do ano passado. Entre os trabalhadores domésticos, apenas 30% eram formais.

 

MUDANÇA DE INTENÇÃO

José Ronaldo de Castro Souza Júnior, diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Ipea, afirma que, quando são eliminados os efeitos de calendário que podem aumentar ou diminuir as contratações e despensas, como festas de fim de ano e o carnaval, a taxa de desemprego está estável, em cerca de 12,5%, há três trimestres.

— É comum que, em período de transições entre a saída de uma crise e a retomada da atividade, o desemprego diminua via informalidade. A geração de empregos formais tende a aumentar tão logo o PIB volte a crescer — pondera Souza Júnior.

Ele reforça seu otimismo explicando que, até o último trimestre do ano passado, o aumento do desalento era puxado não por pessoas que deixavam de procurar trabalho, mas por aquelas que estavam inativas e passaram a informar ao IBGE que, caso surgisse uma oportunidade, estavam disponíveis para o trabalho:

— Elas passaram da condição de inativas à de desalentadas por causa desse comportamento, que também é enquadrado pelo IBGE como desalento. Nesse cenário, o aumento do desalento não se dá devido à piora do mercado, e sim a uma mudança de intenção da população pesquisada