O globo, n. 30972, 25/05/2018. Economia, p. 19

 

Governo insiste na necessidade de reonerar folha.

Bárbara Nascimento e Maria Lima

25/05/2018

 

 

Medida compensaria renúncia de R$ 1 bi com Cide; Planalto também quer evitar perda com PIS/Cofins

 Refém do movimento dos caminhoneiros que provocou uma crise de desabastecimento no país, o governo reforçou ontem a defesa de que o Congresso precisa aprovar o projeto de lei que reonera a folha de pagamento das empresas. Depois de um dia inteiro de negociações com a categoria, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirmou que a proposta é necessária para que possa ser editado um decreto que reduz a zero a alíquota da Cide sobre o óleo diesel, como uma forma de ajudar a queda do preço do combustível.

O benefício tem custo de R$ 1 bilhão e precisa ser compensado com alguma receita. A reoneração dará aos cofres públicos um reforço adicional de R$ 1,5 bilhão só este ano. A proposta foi aprovada na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados, mas, como ainda não havia acordo com os caminhoneiros, parlamentares incluíram no texto um artigo que também zera o PIS/Cofins sobre o combustível.

O governo reagiu imediatamente, alertando para o risco de um desequilíbrio das contas públicas, uma vez que o fim dos dois tributos significaria uma perda de R$ 12 bilhões. Os deputados chegaram a dizer que a conta estava inflada e que seria, na verdade, de R$ 3,5 bilhões. No dia seguinte, no entanto, eles admitiram que o número da equipe econômica era o correto.

— Os cálculos foram refeitos, e a nossa posição é a correta. A decisão foi baseada em cálculos equivocados — disse o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun.

Antes do fechamento do acordo, diante da pressão dos caminhoneiros, o Senado chegou a marcar a votação do projeto da reoneração para hoje. No entanto, depois do acerto com a categoria, o presidente da Casa, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), disse que não havia mais a urgência. O governo também admitiu que vai trabalhar para que a alíquota do PIS/Cofins não seja mais zerada.

— A sessão prevista para amanhã (hoje) perdeu o objeto. Vamos discutir melhor o projeto do PIS/Cofins. Meu único compromisso foi pautar o PLC 121, que trata do preço do frete, desde que o líder do governo, (senador) Romero Jucá (MDB-RR), apresente um requerimento de urgência — disse Eunício, após a reunião no Palácio do Planalto.

Logo após o início da greve dos caminhoneiros, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que é candidato à Presidência da República, antecipou-se ao governo e anunciou na terça-feira que o Planalto tinha a intenção de zerar a Cide sobre o diesel para acalmar o movimento. O governo, que foi pego de surpresa pelo anúncio, acabou confirmando a intenção no fim do dia. Mas negociou com o presidente da Câmara a votação da reoneração da folha de pagamentos em troca.

Na quarta-feira, no entanto, Maia passou a defender a redução também do PIS/Cofins sobre o diesel. O presidente da Câmara incluiu o item no projeto da reoneração, que foi aprovado no mesmo dia. A líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS), disse que os senadores foram pegos de surpresa pelo movimento de Maia e consideram ter sido colocados em um beco sem saída.

Os caminhoneiros deixaram claro que não estavam dispostos a aceitar apenas uma redução da Cide, que seria equivalente a apenas R$ 0,05 no preço do litro do diesel. Hoje, cerca de um terço do preço do combustível é composto por outros tributos. Em âmbito federal, o maior peso vem do PIS/Cofins (de R$ 0,4615 por litro), que representa aproximadamente 12% do preço nos postos. A Cide, por sua vez, responde por pouco mais de 1% do preço do diesel cobrado ao consumidor.

 

PEZÃO PROMETE BAIXAR ALÍQUOTA DO ICMS

Além dos tributos federais, o ICMS, de âmbito estadual, também também pesa na composição do preço do combustível. Embora a alíquota média seja de 16% no país, cada estado tem sua própria taxa. A maior cobrança ocorre no Amapá, onde 25% do preço cobrado corresponde ao ICMS. No Rio, a alíquota é de 16%. São Paulo e Espírito Santo têm a menor taxa do país, de 12%. No Distrito Federal, a alíquota é de 15%.

Em relação ao ICMS, o governo federal convocou uma reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) para hoje. O encontro será aberto pelo presidente Michel Temer, na tentativa de apelar aos estados a darem suas contrapartidas para reduzir o preço dos combustíveis, mexendo no tributo.

Ontem, o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, disse que vai reduzir em quatro pontos percentuais a alíquota de ICMS sobre o diesel no estado, equiparando a alíquota à praticada em São Paulo. O governo estadual também estuda mudar o recolhimento do ICMS do setor de transportes de cargas, que passaria a ser cobrado dos clientes, em vez das transportadoras.

O anúncio foi realizado ontem, durante reunião entre o governador do Rio de Janeiro, o Secretário de Estado de Fazenda e representantes dos sindicatos dos caminhoneiros e das empresas. O encontro foi intermediado pelo presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Os caminhoneiros concordaram em interromper a greve por 48 horas e aguardar as negociações em Brasília.

Segundo fontes do governo federal, a ideia é iniciar uma discussão com os governadores para modificar a forma de tributação do ICMS, que hoje é um percentual no preço, para um valor fixo por volume, como já é feito na cobrança dos tributos federais. Se o preço do petróleo subir ou descer, o imposto continua a ter um valor determinado, absorvendo, assim, as oscilações da cotação internacional. A medida é complexa, diante da variação das alíquotas, e os estados não admitem perda de receitas, devido à gravidade das contas dos governos regionais.

— Qualquer medida que comprometa receitas tem dificuldade de ser aprovada no Confaz por causa da situação fiscal dos estados — disse o secretário-executivo do conselho, André Horta.

 

HARTUNG DEFENDE REDUÇÃO DE IMPOSTOS

Ontem, o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (MDB), defendeu o movimento dos caminhoneiros. Para ele, já passou da hora de estados e União reduzirem a carga tributária sobre o diesel.

— Vejo fundamento nesse movimento dos caminhoneiros, porque desde 2015 a carga tributária sobre o diesel foi pesando a mão, com movimentos fortes do governo federal e de alguns estados — disse Hartung, que apelou aos caminhoneiros para preservarem, pelo menos, o abastecimento dos setores essenciais da sociedade.

Para Álvaro Bandeira, economista-chefe da ModalMais, é preciso que o governo reavalie uma cobrança tão elevada de tributos tanto no âmbito federal quanto estadual.

— Apesar de a Petrobras ter congelado o preço do diesel por 15 dias, é o governo que precisa resolver essa questão com uma reavaliação da carga tributária — disse ele.

O consultor Adriano Pires, sócio do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), destacou que os estados também precisam fazer sua parte e reduzir a cobrança do ICMS

— Em períodos como o atual, de alta nos preços do petróleo, todos têm que fazer sua parte — afirmou o especialista.

 

TRIBUTOS EM QUESTÃO

PIS/ COFINS: São dois tributos federais que incidem sobre o faturamento das empresas. Os recursos do PIS vão para seguro-desemprego e os da Cofins vão para seguridade social

CIDE: Contribuição para investir em transporte e incide sobre comércio de combustíveis

ICMS: É o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, principal tributo estadual. Alíquotas chegam a 25%, conforme o estado

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Medida ameaça retomada da economia, avalia CNC

25/05/2018

 

 

Segundo a Firjan, 400 mil postos de trabalho ficam em risco com aumento da tributação de setores

A reoneração da folha de pagamento de 28 setores produtivos no país — aprovada na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados para compensar a redução de PIS/Cofins sobre combustíveis — pode colaborar para elevar a inflação, impulsionando também demissões, avalia Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Estimativas da Federação das Indústrias do Rio (Firjan) mostram que a medida pode colocar 400 mil empregos em risco.

— A reforma trabalhista veio para reduzir o peso da folha de pagamentos. Está se espalhando agora o efeito do combustível para toda a economia. Ao atingir setores como o varejo de combustíveis e alimentos, terá efeito na inflação já nos próximos meses — diz Bentes. — É um movimento que sacrifica o ciclo de crescimento atual. Pode antecipar o fim de um tímido ciclo de crescimento do país.

Segundo o economista, alimentos e transporte, setores intensivos em pessoal, representam 25% e 7%, respectivamente, do orçamento das famílias.

A reoneração da folha foi aprovada pela Câmara depois de um movimento do presidente da Casa, Rodrigo Maia, pré-candidato à Presidência. Ele negociou com o governo redução de impostos sobre combustíveis em troca da votação do projeto.

 

56 SETORES PERDEM BENEFÍCIO

A proposta reonera 28 setores, entre eles varejo (menos calçados), hotéis, medicamentos, pães e massas, pedras e rochas comerciais, brinquedos, bicicletas, pneus, vidros e tintas.

Em compensação, permitiu que outros 28 setores continuassem a ter o benefício até o fim de 2020. A partir daí, todos os segmentos da economia serão reonerados, um pedido da equipe econômica após a lista de exceções ser aumentada pelo relator, deputado Orlando Silva (PC do B-SP). Inicialmente, o governo queria que essa lista de exceções tivesse só seis segmentos, mas o relator incluiu outros 22. O governo afirmou ontem que o setor de transporte rodoviário não será reonerado.

A expectativa é que a medida gere entre R$ 5 bilhões e R$ 6 bilhões por ano em arrecadação. Como a volta da cobrança do imposto tem de obedecer a um prazo de 90 dias, a previsão é que, neste ano, a entrada seja bem menor, de R$ 1,5 bilhão. O texto aprovado na Câmara precisa ser votado pelo Senado, o que pode acontecer hoje.

Pelos cálculos da Firjan, a indústria brasileira voltaria a pagar R$ 8,9 bilhões em impostos anualmente, valor equivalente aos salários de cerca de 400 mil trabalhadores das atividades hoje desoneradas. “A reoneração será uma pá de cal no atual processo de recuperação da economia”, diz a federação. Segundo a Firjan, as indústrias mais atingidas seriam as de carne, produtos farmacêuticos, materiais plásticos e autopeças. Juntas, elas somam quase 40% da força de trabalho da indústria do país. (Glauce Cavalcanti e Barbara Nascimento)