Correio braziliense, n. 20129, 02/07/2018. Mundo, p. 12

 

O desafio da droga

Jorge Vasconcellos

02/07/2018

 

 

COLÔMBIA » Iván Duque toma posse como presidente sob pressão de Washington para reverter o aumento dos cultivos de coca e da produção de cocaína, registrado com o acordo de paz que desarmou a principal guerrilha de esquerda

O presidente eleito da Colômbia, Iván Duque, a pouco mais de um mês da posse no cargo, em 7 de agosto, acaba de retornar dos Estados Unidos sob pressão das autoridades americanas para reverter o “inaceitável” recorde no aumento das áreas de cultivo de coca e da produção de cocaína em seu país, o maior fornecedor mundial da droga. Números divulgados recentemente expõem o insucesso da política de incentivos governamentais para a substituição do plantio ilegal, prevista no acordo de paz de 2016 entre o governo do presidente Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), transformadas em partido político após a deposição das armas. Ferrenho opositor dessa e de outras cláusulas do pacto, Duque tem o apoio de Washington para lançar uma abordagem mais repressiva contra o narcotráfico, cujo controle é agora disputado pelo Exército de Libertação Nacional (ELN) e por grupos criminosos, após a desmobilização das Farc.

O político de direita, aliado do ex-presidente Álvaro Uribe,  viajou aos EUA para uma extensa agenda de compromissos, na semana passada, ao mesmo tempo em que eram divulgados resultados alarmantes de dois levantamentos sobre o assunto: um do Gabinete Nacional de Controle de Drogas (ONDCP, em inglês) americano e outro do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (UNODC, em inglês).

Segundo estimativas do ONDCP, a área de cultivo de coca na Colômbia expandiu-se 11% em 2017, alcançando 209 mil hectares, em seu mais elevado nível histórico. A capacidade de produção de cocaína no país, segundo o organismo americano, teria aumentado 19%, de 772 toneladas (2016) para 921 toneladas (2017). Para o UNODC, a produção global de cocaína em 2016 “alcançou o maior nível já registrado”, com uma estimativa de 1.410 toneladas e um aumento de 25% em relação a 2015. Na Colômbia, segundo o órgão, ela cresceu em mais de um terço entre 2015 e 2016, chegando a 866 toneladas. Dos 213 mil hectares dedicados ao plantio de coca em todo o mundo, 69% estão na Colômbia.

Duque assegurou ter recebido o apoio das autoridades americanas à estratégia traçada para reverter o aumento do cultivo de coca nos próximos dois anos. Sem falar da necessidade de implementar a cláusula do acordo de paz que trata da substituição de cultivos, o presidente colombiano anunciou que busca “combinação de segurança e desenvolvimento social” para retomar os resultados obtidos entre 2010 e 2012, quando as plantações ilícitas não excediam 50 mil hectares. Também anunciou a disposição de usar drones para pulverizar herbicidas, desde que não usem produtos químicos proibidos pelo Tribunal Constitucional, que os danos a terceiros sejam mitigados e que ferramentas de precisão sejam aprimoradas.

Negociações

Na viagem a Washington, Duque explicou a política que pretende adotar durante audiências com o secretário de Estado Mike Pompeo; o senador republicano Marco Rubio; a diretora da Agência Central de Inteligência (CIA), Gina Haspel; o conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton; e o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro. “Minha maior satisfação é que o Congresso, o secretário de Estado e as agências governamentais com os quais falamos confiam na agenda que estamos propondo para a Colômbia, para que possamos ser muito efetivos contra as drogas nos próximos dois anos”, disse.

Duque partiu para os EUA dias depois de receber um telefonema em que o vice-presidente americano, Mike Pence, o parabenizou pela vitória eleitoral e cobrou empenho nas ações antidrogas. De acordo com a Casa Branca, Pence reforçou “a necessidade de se mover de forma decisiva para cortar a produção e o tráfico de drogas”.

A nova onda de pressão americana sobre Bogotá ocorre após quase duas décadas de execução do Plano Colômbia, por meio do qual os EUA investiram bilhões de dólares para equipar e treinar as forças oficiais colombianas na guerra contra o narcotráfico. Longe desses objetivos, porém, foi acrescentada ao projeto a intervenção militar estrangeira no crônico conflito envolvendo a polícia e o Exército contra  as guerrilhas de esquerda (Farc e ELN) e grupos paramilitares de direita. Depois de diminuírem por vários anos seguidos, tanto o cultivo de coca quanto a produção de cocaína têm aumentado drasticamente nos últimos cinco anos, um aspecto crucial e doloroso da relação do país com os EUA.

Frase

“O Congresso, o secretário de Estado e as agências governamentais (dos EUA) confiam na agenda que estamos propondo, para que possamos ser muito efetivos contra as drogas”

Iván Duque, presidente, eleito da Colômbia

 

209 mil hectares

Área ocupada pelos cultivos de coca na Colômbia em 2017

921 toneladas

Estimativa para a produção de cocaína no país em 2017

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Mercado dá as cartas

02/07/2018

 

 

O professor Alexander Gillespie, da universidade neozelandeza de Waikato, afirmou que, embora Washington pressione a Colômbia a frear a produção e o tráfico de drogas, uma das raízes do problema está justamente nos Estados Unidos, onde o número de novos usuários de cocaína cresceu 81% desde 2013. O total de mortes por overdose da droga duplicou no mesmo período, segundo o Gabinete Nacional de Controle de Drogas (ONDCP, em inglês).

“Não há novidades nessa divulgação sobre o aumento do cultivo e da produção de cocaína na Colômbia. É apenas uma tendência continuada de mais usuários de drogas e mais demanda a cada ano”, afirmou Gillespie ao Correio. “A droga corresponde à demanda, e é preciso perceber que a pureza da cocaína está aumentando e o preço, caindo. Ambos são indicativos de mais, não de menos oferta”, continuou, observando que o aumento do consumo de cocaína é um fenômeno mundial. A Colômbia responde por 70% do fornecimento.

Para Benjamin Smith, professor da Universidade de Warwick, no Reino Unido, “desde que o presidente Nixon anunciou a guerra às drogas, em 1971, ela continha uma certeza: uma completa incapacidade de alcançar os objetivos declarados”. Na opinião do estudioso, “enquanto os gastos com a proibição das drogas aumentaram, o uso aumentou, a variedade de narcóticos orgânicos e artificiais aumentou e o preço dos remédios diminuiu”, observou.

Para Smith, raramente o objetivo real dessa guerra foi sufocar as drogas. “No caso do Plano Colômbia, ela desempenhou três papéis, sendo o primeiro o fortalecimento de certas instituições, incluindo o Exército, e o poder e influência da DEA (agência antidrogas americana), tanto em Washington quanto na América Latina”, disse.

“Em segundo lugar, manteve-se à tona o complexo industrial militar americano. Em terceiro lugar, ajudou os EUA e certos aliados a construir apoio e poder político dentro da própria Colômbia. Nesses termos, o Plano Colômbia tem sido um sucesso desenfreado”, ironizou Smith.

Na visão de Alexander Soderholm, da London School of Economics and Political Science, “o que a Colômbia precisa é de um compromisso com uma abordagem abrangente de desenvolvimento, para livrar da pobreza e da insegurança as comunidades afetadas pelas drogas ilícitas”. Essa abordagem  “teria de reconhecer que a coca, em alguns casos, é a única opção viável para meios de subsistência e geração de renda em comunidades rurais e marginalizadas e, como tal, uma redução instantânea na coca não deveria ser o objetivo, mas sim uma transição sustentável da coca para culturas lícitas, através do desenvolvimento rural integral”, disse.

“Isso requer que políticos e líderes assumam um compromisso sustentado com uma abordagem que coloque o envolvimento militar no fim de uma lista muito mais longa de intervenções voltadas ao desenvolvimento.” (JV)