O globo, n. 30989, 11/05/2018. Artigos, p. 11

 

Corrupção

Jerson Kelman

11/06/20108

 

 

É generalizado o pessimismo com o futuro do Brasil. Quase sempre, as pessoas acham que perdemos o rumo na construção de uma nação próspera e democrática devido à “corrupção”. Estão parcialmente certas. Mas só parcialmente.

De fato, são imensos os males causados pela corrupção, amplamente divulgados pela operação Lava-Jato e suas congêneres. Mas... se não houvesse corrupção, estaríamos bem? Ou seja, a corrupção é a única causa de nosso descaminho? Se for, estaríamos melhor se vivêssemos numa ditadura?

Quem toma conhecimento dos milhões de reais surripiados por algum político ou dirigente de estatal pode supor que é a falta desse dinheiro que faz com que os serviços públicos sejam ruins e a economia permaneça anêmica, resultando em milhões de brasileiros sem emprego e sem esperança. Porém, a verdade é que o volume de dinheiro roubado constitui fração insignificante do volume de recursos que o governo destina aos serviços públicos. Ou seja, mesmo que nem um centavo tivesse ido parar nos bolsos dos corruptos, continuaríamos com a mesma situação precária nas áreas de segurança, educação, saneamento, saúde e transportes.

O grande mal da corrupção não é o dinheiro roubado e sim a má alocação dos escassos recursos públicos. Poucos se interessam pela discussão do planejamento e orçamento dos governos nos três níveis, federal, estadual e municipal. Mas é nesse campo que nosso povo sofre grandes derrotas. Como dizia brincando Mário Henrique Simonsen, “sairia mais barato pagar a comissão ao intermediário, desde que ele assumisse o compromisso de não falar mais na obra”.

Entretanto, mesmo que fosse possível alocar com sabedoria os investimentos, sem influências espúrias, ainda assim continuaríamos em dificuldades. Isso porque a maior parte do dinheiro arrecadado pelos impostos não é direcionada para investimentos e sim gasta na manutenção de uma máquina pública inchada. Esse é o nosso principal problema.

A Constituição de 1988 foi gestada pouco depois do fim da ditadura militar, numa época em que a sociedade ansiava por um Estado que lhe assegurasse uma série de direitos negados por mais de duas décadas. O debate se concentrou nos direitos dos cidadãos, com pouca atenção às suas obrigações. Imaginou-se um Estado provedor, como um grande pai.

Com o passar dos anos, algumas corporações entrincheiradas na administração pública, particularmente no Legislativo e no Judiciário, foram conquistando benesses diferenciadas. Por exemplo, salários mais elevados do que os praticados no mercado de trabalho, turbinados por um monte de penduricalhos, e um sistema de previdência próprio.

Mas a arrecadação de impostos é limitada, principalmente porque praticamos um capitalismo entravado por aparato governamental não apenas caro, mas também avesso ao empreendedorismo. Consequentemente, as benesses não alcançam a todos.

Em meio às dificuldades decorrentes de uma sociedade profundamente desigual, parte da população demonstra desilusão com a nossa democracia e clama por mais controle governamental sobre as atividades produtivas, com o objetivo de liquidar a corrupção. Aí reside o perigo.

Temos que destravar o país com mais e não menos empreendedorismo, desatando os nós criados por uma burocracia enraizada em ideologia contrária ao lucro. Com mais e não menos democracia, resgatando a dignidade da atividade política e dosando os controles anticorrupção para que se punam os administradores públicos desonestos, mas que não se manietem os honestos.