Correio braziliense, n. 20189, 30/08/2018. Política, p. 2

 

TSE pode discutir caso Lula amanhã

Renato Souza

30/08/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Possibilidade de o ex-presidente aparecer no programa eleitoral deve ser levada a sessão extraordinária, mas o registro da candidatura pode ser analisado. PT é suspeito de pagar influenciadores digitais para impulsionar conteúdo

A ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal Superior (TSE), convocou uma sessão extraordinária na Corte para amanhã, mas sem divulgar a pauta. O órgão não confirmou a pauta, mas informações obtidas pelo Correio indicam que a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República será o principal assunto da reunião. Weber tomou a decisão após ser pressionada por colegas a resolver a situação do petista antes do início do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, no sábado.

Inicialmente, os magistrados devem avaliar se Lula pode aparecer na propaganda do PT e se estará autorizado a pedir votos para o vice da chapa, Fernando Haddad, caso seja impedido de fazer campanha em nome próprio. Um dos ministros que integra o plenário da Corte Eleitoral, e prefere não se identificar, acredita que será impossível avaliar as condições da campanha do petista sem entrar no mérito do pedido de registro de candidatura, ou seja, decidir se ele pode ou não concorrer.

O PT protocolou a candidatura do ex-presidente no dia 15 deste mês, faltando menos de duas horas para o fim do prazo, e aguarda julgamento. Lula está preso em Curitiba e pode ser enquadrado no artigo 2º da Lei da Ficha Limpa, que impede sentenciados por um tribunal colegiado de pleitear cargo eletivo. O ex-presidente foi condenado a 12 anos e um mês de prisão no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) pelos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. O horário eleitoral para os candidatos a presidente começa no sábado, por isso, a pressa em decidir logo a situação do ex-presidente. Para os demais cargos, a propaganda começa no mesmo dia da sessão.

A situação do PT na corrida eleitoral é inédita. É a primeira vez que um candidato ao cargo de chefe do Executivo tenta fazer campanha enquanto está preso. De acordo com a legislação eleitoral, o partido tem até 20 dias antes da eleição para substituir o cabeça de chapa, o que faz com que neste ano o prazo termine em 17 de setembro.

Esquema na web

Enquanto isso, o Ministério Público Eleitoral (MPE) vai avaliar qual a dimensão do esquema de impulsionamento de propaganda política na internet que envolve o PT. Se confirmada, a prática representa uma nova maneira de burlar as regras eleitorais e pode resultar em punições aos envolvidos, inclusive aos candidatos, que podem ter a campanha suspensa.

Em uma ação enviada ontem à Justiça, o procurador regional eleitoral auxiliar Bruno Nominato, que atua em Minas Gerais, solicitou ao Twitter as informações sobre os dados cadastrais de perfis que teriam atuado em prol do partido, após promessas de pagamento. A suspeita é de que o PT tenha repassado dinheiro para que influenciadores digitais reproduzissem mensagens de apoio aos políticos da legenda. Entre os beneficiados estaria a presidente da sigla, senadora Gleisi Hoffmann. Também existem indícios da participação de integrantes do Partido da República (PR) no esquema.

Segundo a denúncia feita pela jornalista Paula Holanda, ela teria recebido proposta para difundir, mediante pagamento, conteúdo do PT em favor do candidato ao governo de São Paulo, Luiz Marinho, e o candidato à reeleição no Piauí, Wellington Dias. Outro candidato beneficiado seria Miguel Corrêa, que concorre ao Senado. Nominato quer que as informações sejam compartilhadas com todos os tribunais regionais eleitorais, a fim de avaliar se outros políticos estão envolvidos na prática. A Apple também recebeu intimação para informar quais clientes baixaram o aplicativo “O Povo Feliz de Novo”, usado para concentrar o conteúdo a ser liberado na rede. O aplicativo tem o mesmo nome da coligação que envolve PT, PCdoB e Pros e lançou Lula à Presidência da República.

Propaganda paga

A resolução 23.551, do TSE, autoriza a propaganda paga nas redes sociais, desde que sejam informados os dados do partido e do candidato. Entretanto, proíbe a contratação de terceiros para promover o conteúdo. Renato Ribeiro de Almeida, doutor em direito do Estado e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, afirma que a penalidade para esse tipo de ação vai de multa até a proibição da candidatura. “Se for comprovada a potencialidade dessa prática, a ponto de alterar o resultado das eleições, é possível que a candidatura dos envolvidos seja suspensa. Não resta dúvida de que esse tipo de procedimento viola as resoluções do TSE aplicadas ao pleito deste ano”, afirmou.

A senadora Gleisi Hoffmann negou as acusações e disse que a legenda está apurando as denúncias. “O PT nunca adotou este tipo de prática, nossas relações com as redes sempre foram de respeito e militância. Nunca pagamos ninguém para falar em rede, muito pelo contrário”, afirmou. A sigla pretende realizar uma reunião na diretoria nacional ainda esta semana para estudar o assunto, inclusive com a troca de candidatos, em caso de impedimento pela Justiça Eleitoral.

O PR, por sua vez, se defendeu dizendo que contratou uma empresa para elaborar e executar um projeto nas redes sociais. “Tais serviços (…) não dizem respeito ao fomento ou campanha eleitoral de candidaturas em particular, visto que diz respeito às possibilidades para comunicação digital do partido e a exposição da instituição PR, exclusivamente”, afirma a nota enviada ao Correio.

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O xis do problema

Luiz Carlos Azedo

30/08/2018

 

 

Para a maioria dos analistas, o principal problema do Brasil hoje é a sua crise fiscal, que desorganiza as contas públicas. A solução desse problema deveria ser o centro do debate entre os candidatos a presidente da República, mas não é isso o que acontece, porque não há uma percepção popular acerca do seu significado para a vida das pessoas. Não existe uma associação clara entre o fato de o governo gastar mais do que arrecada, em particular a Previdência, e a resposta aos problemas do dia a dia da população. Por essa razão, os candidatos que focam suas campanhas nessa discussão não sensibilizam a grande massa do eleitorado, apenas os agentes econômicos e setores mais esclarecidos da população.

As prioridades do eleitorado estão em outra agenda, que podemos identificar num tripé. A primeira é o desemprego, que desestrutura as famílias, pois atingiu uma escala crônica, chegando a 13 milhões de desempregados no país. Na região metropolitana de São Paulo, atingiu 17% no mês de julho, mesmo percentual do mês anterior, segundo a Fundação Seade e o Dieese. Em julho de 2017, a taxa foi de 18,3%. O contingente de paulistas desempregados é estimado em 1,8 milhão de pessoas. Estamos falando de São Paulo, a cidade que historicamente representou uma espécie de “sonho americano” no Brasil. Talvez isso explique as dificuldades que o candidato tucano Geraldo Alckmin esteja enfrentando em seu próprio terreno.

A taxa de desemprego pouco variou no município de São Paulo (de 16,3% para 16,2), diminuiu na região leste, que inclui Guarulhos e Mogi das Cruzes, (de 19,7% para 19,0%), e subiu na região sudeste e cidades do Grande ABC (de 17,0% para 18,2%). Além disso, o rendimento médio real dos ocupados caiu em 1,6% e o dos assalariados, em 1,4%, passando a equivaler a R$ 2.089 e R$ 2.157, respectivamente. É óbvio que esses números são consequência da forte recessão ocorrida no governo Dilma Rousseff e das dificuldades de retomada do crescimento num ambiente de desajuste fiscal, mas essa percepção é obscurecida pelo desgaste sofrido pelo governo Michel Temer em razão da Operação Lava-Jato.

Vem daí a segunda prioridade: o combate à corrupção. A Lava-Jato, como já se sabia, se tornou um vetor importante da campanha eleitoral, com forte influência no posicionamento dos eleitores. Mesmo considerando a campanha feita pelo ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva contra a operação, para caracterizá-la como um instrumento de perseguição política, essa variável continua fortíssima. De certa forma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu romper essa barreira em termos eleitorais, mas ela é intransponível juridicamente, pois Lula estará preso e terá sua candidatura impugnada.

A terceira prioridade é violência, que está relacionada ao desemprego, à desestruturação das famílias e à corrupção. É aí que o deputado Jair Bolsonaro (PSL) nada de braçada, com seu discurso a favor do endurecimento da repressão policial, em defesa da família unicelular patriarcal e de soluções mágicas para a crise econômica. Seu principal assessor econômico, Paulo Guedes, se propõe zerar o déficit público em um ano, com um programa de reforma administrativa e privatização radical dos ativos públicos, que seriam transferidos para um fundo de resgate da dívida pública.

Bom senso

A grande dificuldade que todos os demais candidatos estão enfrentando no processo eleitoral para superar a polarização Lula versus Bolsonaro decorre do fato de que ambos exploram, com sinal trocado, o senso comum do eleitor. Como se sabe, o senso comum é uma visão de mundo disseminada de forma desordenada e assistemática, quase sempre alicerçada em ideias religiosas e nos costumes, contra a qual é muito difícil se opor. A não ser que entre em cena o chamado “bom senso” em relação à solução objetiva dos problemas. Por exemplo, é um senso comum culpar o governo Temer pelas altas taxas de desemprego; em contrapartida, é uma questão de bom senso limitar os gastos pessoais à capacidade de endividamento das famílias.

Assim, percepção de que o mesmo critério adotado para equilibrar as finanças domésticas deve ser usado nas contas públicas seria uma questão de bom senso, uma espécie de ovo de Colombo, mas não é. A corrupção, os privilégios e os desperdícios de recursos públicos impedem essa compreensão. Tanto Lula como Bolsonaro apostam em concepções arraigadas da população, alicerçadas no senso comum (não é à toa que uma parcela do eleitorado de ambos se confunde). Mas há o outro lado da moeda: a radicalização política e a disseminação do ódio ideológico na campanha eleitoral contrariam a cultura de conciliação da política brasileira. O medo dessa confrontação pode vir a ter um peso decisivo nas eleições em favor de uma candidatura mais moderada, identificada com o eleitor mais preocupado em defender sua família do desemprego, da violência e da desestruturação.