Correio braziliense, n. 20181, 22/08/2018. Política, p. 3

 

A chave da cadeia

Luiz Carlos Azedo

22/08/2018

 

 

A pesquisa eleitoral divulgada ontem provocou nova alta do dólar – ultrapassou a barreira dos R$ 4 e chegou a R$ 4,48 nas casas de câmbio –, porém, a imprevisibilidade do cenário eleitoral aumentou ainda mais com a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu manter em liberdade o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PP José Cláudio Genu, ambos condenados em segunda instância na Operação Lava-Jato. A decisão consolidou o entendimento da Turma de que a execução imediata da pena após condenação em segunda instância precisa ser examinada caso a caso. Com isso, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem uma porta aberta para conseguir um habeas corpus em favor do petista, cuja candidatura a presidente da República ainda não foi impugnada. Embora, pela Lei da Ficha Limpa, o petista seja inelegível.

Conhecida como Jardim do Éden, a Segunda Turma é pródiga na concessão de arquivamentos e habeas corpus para os réus da Operação Lava-Jato. Dirceu está condenado a mais de 30 anos de prisão, mas deverá permanecer em liberdade até ser julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O ex-ministro começou a cumprir pena em maio, por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, mas foi solto um mês depois por ordem do STF. Toffoli votou pela soltura, mas o relator da Lava-Jato, o ministro Luiz Edson Fachin, pediu vista, ou seja, mais tempo para analisar a questão. Mesmo com o pedido de vista, os outros três ministros da Turma (Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski) decidiram conceder liberdade a Dirceu até que Fachin devolvesse o processo para julgamento.

Ontem, o caso voltou à pauta da Segunda Turma. Fachin votou pelo entendimento majoritário do Supremo no sentido de autorizar as prisões após condenação em segunda instância e sustentou que não se pode conceder habeas corpus de ofício nesse caso. Foi atropelado pelo ministro Dias Toffoli, que citou vários precedentes no Supremo. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski acompanharam Toffoli. Decano do STF, o ministro Celso de Mello votou com Fachin, mas ambos foram votos vencidos por 3 a 2. Fachin vem sendo voto vencido constantemente. Além de Lula, outros réus da Lava-Jato que estão presos deverão pleitear habeas corpus para sair da prisão, entre os quais os ex-deputados Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, ambos do MDB.

O Supremo está se tornando um fator de instabilidade no processo eleitoral, por causa das disputas entre seus ministros. A Primeira Turma e a Segunda, por exemplo, têm entendimentos distintos em relação à jurisprudência sobre execução da pena após condenação em segunda instância. Caso se confirme a ida da ministra Cármen Lúcia para a Segunda Turma, no lugar de Toffoli, que assumirá a Presidência do Supremo, pode ser que se forme uma nova maioria sobre o mesmo assunto, com entendimento contrário à decisão de ontem. Em contrapartida, embora negue essa intenção, Toffoli pode pautar nova votação sobre o mérito da questão no plenário do Supremo.

 

Pesquisa

A pesquisa divulgada pelo Ibope na segunda-feira está sendo decantada por analistas e candidatos. Revela que a estratégia de Lula para se manter na mídia deu certo, pois está com 37% de intenções de votos, mas gerou estresse entre os petistas porque outros números mostram as dificuldades para a transferência de votos em favor do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, seu vice e substituto virtual. Quatro de cada 10 eleitores consultados dizem que não votarão em Haddad, mesmo que esse seja uma indicação de Lula. O efeito imediato na campanha de Lula foi acirrar a divergência entre fazer a substituição logo ou protelar ao máximo a manutenção da candidatura do ex-presidente da República, cuja impugnação está prevista na Lei da Ficha Limpa, mas essa é uma batalha jurídica que pode chegar a 17 de setembro.

Também houve tensão na campanha de Alckmin, que subiu nas pesquisas de 5% para 7% no cenário sem Lula. Está atrás de Bolsonaro, que sobe para 20%; Marina, para 12%; Ciro, que vai a 9%. Para Alckmin, o grande desafio é chegar ao segundo turno. O tucano conta com a vantagem estratégica de ter mais tempo de televisão, recursos financeiros e capilaridade da campanha. Esse raciocínio valeria também para Haddad, daí a expectativa de que possa ultrapassar Bolsonaro, Marina e Ciro. Entretanto, a pesquisa está mostrando que essa não será uma tarefa fácil, principalmente porque Bolsonaro, Marina e Ciro estão com bases eleitorais muito resilientes. Com um cenário tão imprevisível, as turbulências no mercado financeiro já começaram, com alta do dólar e queda da bolsa de valores.

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Bolsonaro na mira da Primeira Turma

Renato Souza

22/08/2018

 

 

JUSTIÇA » Candidato à Presidência se tornou réu em ação por declarações ofensivas contra quilombolas. Denúncia foi incluída na agenda do plenário e pode ser aceita ou não

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), abriu caminho para que o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) se torne réu em uma ação que corre na Corte. O parlamentar foi acusado de racismo após declarações sobre quilombolas durante uma palestra que realizou no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, em abril do ano passado. Ontem, o magistrado concluiu seu voto e liberou o caso para julgamento na Primeira Turma do tribunal. A partir de agora, a denúncia deve ser incluída na agenda do plenário, para que os demais ministros decidam se aceitam ou não as acusações.

Caso o Supremo aceite a denúncia, Bolsonaro se torna réu e passa a responder a ação penal. O caso ainda não tem data para ser apreciado, mas a expectativa é que seja levado para análise do plenário na próxima terça-feira. De acordo com o artigo 2º da Lei Complementar 35, conhecida como Lei da Ficha Limpa, condenados por crime de racismo ficam inelegíveis por oito anos. Porém, a proximidade das eleições deve favorecer o parlamentar, já que, pelos prazos processuais, o assunto só deve ser julgado em 2019.

Por ser deputado, Bolsonaro tem foro privilegiado. Assim, ações contra ele, a princípio, correm no Supremo. O parlamentar foi denunciado pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Se condenado, ele pode pegar de 1 a 3 anos de prisão e pagar multa — Dodge pede a quantia de R$ 400 mil.

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), durante o evento no Rio, além da comunidade negra, Bolsonaro fez declarações polêmicas em relação aos povos indígenas. “Onde tem uma terra indígena, tem uma riqueza embaixo dela. Temos que mudar isso daí. (...) Eu fui num quilombo (sic). O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”, disse o deputado.

Bolsonaro afirmou ainda que, se dependesse dele, acabaria com a demarcação de terra para povos tradicionais. “Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola”.

Pós-eleição

Como Bolsonaro é candidato à Presidência da República, o desempenho nas eleições deste ano terá implicações no futuro dele na Justiça. Se for escolhido para chefe do Executivo, qualquer ação penal fica arquivada durante o exercício do cargo. Isso ocorre porque a Constituição Federal garante que presidentes da República não podem responder por crimes alheios ao mandato.

Caso o parlamentar perca, ele fica sem o foro privilegiado e o processo é enviado à Justiça Federal do Rio de Janeiro, estado onde ocorreu a palestra. O jurista João Paulo Martinelli, professor de pós-graduação em direito penal do IDP de São Paulo, destaca que, nesta primeira fase, o Supremo avalia apenas se aceita ou não a denúncia. “Para o deputado Bolsonaro ser condenado ou absolvido, ainda temos um longo caminho. Primeiro, os ministros analisam a procedência da denúncia. Se a acusação for aceita, ele vira réu e a defesa terá que se manifestar. A desvantagem é que o Supremo é a última instância. Neste caso, a possibilidade de recursos se reduz bastante, considerando uma ação penal na Justiça comum”, explicou.

A defesa de Bolsonaro alega que ele agiu dentro do “exercício da imunidade parlamentar” e não pode responder penalmente pelas declarações. Os advogados também sustentam que a denúncia é “completamente vazia e sem nenhum fundamento” e dizem que vão “provar que ele, de racista, não tem nada”. Procurado por meio de sua assessoria, o parlamentar não quis se manifestar.