O globo, n. 31037, 27/09/2018. País, p. 3

 

Aliança de investigados

Bruno Góes e Cristiane Jungblut

27/07/2018

 

 

Cercado por políticos envolvidos em casos de corrupção, Alckmin recebe apoio do centrão

-BRASÍLIA- O pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, anunciou ontem, em Brasília, a aliança com o bloco de partidos do centrão (DEM, PP, PR, PRB e SD). Cercado por políticos investigados em diferentes escândalos de corrupção, o tucano prometeu colocar mulheres em seu Ministério, empolgou-se ao dizer que o seu eventual governo transformaria o Brasil numa Abu Dhabi — em referência à rica capital dos Emirados Árabes Unidos —, mas não se pronunciou sobre o prontuário de seus apoiadores. O evento de Alckmin com seus novos aliados terminou sem a definição de um vice. O empresário Josué Gomes, cotado para o cargo, anunciou oficialmente a recusa ao convite, alegando “motivos pessoais”. O vice na chapa deverá sair de um dos partidos do centrão, e o mais cotado é o PP, maior legenda do bloco.

De olho. Alckmin oficializou a adesão do centrão, mas evitou se pronunciar sobre as denúncias que envolvem alguns de seus novos apoiadores
Dono de uma coligação que já chega a dez partidos, o tucano terá o maior tempo de TV no horário eleitoral (4 minutos e 46 segundos). Bem encaminhado entre os políticos, Alckmin terá de convencer os eleitores de que o seu projeto, repleto de velhos conhecidos da crônica policial, deve ser o escolhido para comandar o país. O próprio Alckmin tem pendência a esclarecer em uma investigação decorrente da LavaJato que foi enviada à Justiça Eleitoral sobre acusação de prática de caixa dois.

Cientes desse desafio, os novos aliados de Alckmin no centrão começaram ontem mesmo a tentar reduzir eventuais impactos negativos da aliança. O presidente do DEM, ACM Neto, fez questão de chamar o bloco de “centro democrático”.

 

“UM ABRAÇO” A VALDEMAR

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal e preso no processo do mensalão, o cacique do PR, Valdemar Costa Neto, sequer apareceu. No seu lugar, enviou o deputado Milton Monte (SP), que responde a dois inquéritos no STF, no âmbito da delação da empreiteira Odebrecht, por corrupção e lavagem de dinheiro. Ao notar a ausência de Valdemar, Alckmin mandou “um abraço” ao cacique do PR. Em seu discurso, Milton Monti citou Aristóteles ao ensinar que “a virtude está no meio”.

O evento teve início com a leitura de uma carta em que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), codinome “botafogo” na lista de propinas da Odebrecht e com dois inquéritos no STF, desistiu de sua pré-candidatura ao Planalto. Alckmin estava tão otimista com o apoio do centrão que chegou a dizer que o Brasil teria um desenvolvimento fora do comum no seu governo:

— O Brasil vai ser Abu Dhabi, com as jazidas (de petróleo).

Investigado pela Polícia Federal por suposta participação em um esquema de fraudes no registro sindical no Ministério do Trabalho, o presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP), foi logo cobrando a fatura ao discursar. Ele disse que Alckmin precisa “reconstruir” as organizações sindicais, prejudicadas com o fim da contribuição sindical obrigatória, tema com o qual o tucano evita se comprometer. Alckmin preferiu ignorar a cobrança e reforçar o significado da coligação:

— Seria fácil (obter o apoio dos partidos) se estivesse em primeiro lugar nas pesquisas. Mas não. (Os partidos) estão vindo por convicção.

Mais contido que Paulinho, o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI), sentou ao lado de Alckmin. Alvo de seis inquéritos no Supremo, Ciro é investigado por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução de Justiça e organização criminosa. Recentemente, foi alvo de uma operação da PF por supostamente estar envolvido em ameaças de morte contra um ex-assessor que tornou-se delator.

Cotado para indicar o vice de Alckmin, o PP notabilizou-se por vender apoio ao governo do ex-presidente Lula, no escândalo do mensalão. Depois tornouse sócio do PT no esquema investigado pela Lava-Jato. O partido teria desviado R$ 358 milhões da Petrobras.

Outro apoiador do tucano, o presidente do PRB, Marcos Pereira, foi gravado pelo empresário Joesley Batista enquanto combinava o pagamento de uma propina de R$ 6 milhões. Na ocasião, Pereira era ministro do Desenvolvimento do governo Temer. Rodeado de homens na mesa de autoridades, Alckmin preferiu tratar de temas menos delicados e prometeu nomear mulheres no seu primeiro escalão.

— (Vamos nomear) O máximo possível (de mulheres).

A mesa tinha ainda outros políticos investigados. O ex-governador de Goiás Marconi Perillo, que vinha coordenando a campanha de Alckmin, responde a inquéritos por envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira. O deputado Julio Lopes (PP-RJ) também está na lista da Odebrecht. O deputado Rodrigo Garcia (DEM-SP) é acusado de ter recebido caixa dois em 2010. Todos os integrantes do centrão negam as acusações.

 

MESA DE ACUSADOS

Alckmin anuncia aliança com centrão em evento com políticos denunciados e investigados

 

1. Julio Lopes, DEPUTADO FEDERAL (PP-RJ)

Investigado com base nas acusações feitas pela Odebrecht e também citado por delatores nos desdobramentos da Operação Lava-Jato no Rio

 

2. Milton Monti, DEPUTADO FEDERAL (PR-SP)

Responde a um inquérito, junto com Valdemar Costa Neto, com base na delação da Odebrecht pela suspeita de receber propina desviada da ferrovia Norte-Sul

 

3. Marcos Pereira, PRESIDENTE DO PRB

É investigado com base nas delações da Odebrecht e da JBS sob a acusação de receber propina. Pereira foi gravado por Joesley Batista acertando repasse de dinheiro

 

4. ACM Neto, PREFEITO DE SALVADOR E PRESIDENTE DO DEM

Foi citado na delação da Odebrecht, acusado de receber caixa dois na campanha à prefeitura

 

5. Ciro Nogueira, SENADOR (PP-PI)

Já foi denunciado ao STF por recebimento de propina. Recentemente foi alvo de operação da PF, acusado de obstrução de Justiça

 

6. Paulinho da Força, DEPUTADO FEDERAL (SD)

Está sob investigação na Operação Registro Espúrio que apura fraudes em registros sindicais no Ministério do Trabalho. Ele também é investigado por acusações feitas na delação da Odebrecht.

 

7. Marconi Perillo, EX-GOVERNADOR (PSDB-GO)

Responde a inquéritos por envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira e com base na delação da Odebrecht

 

8. Nilson Leitão, DEPUTADO FEDERAL (PSDB-MT)

Líder do PSDB na Câmara. Foi denunciado por peculato e fraude em licitação em caso relativo à sua atuação como prefeito de Sinop (MT). O caso começou a ser julgado pela Segunda Turma do Supremo em 2016 e dois ministros votaram pelo arquivamento. A atual presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu vista e o julgamento não foi concluído

 

9. Rodrigo Garcia, DEPUTADO FEDERAL (DEM-SP)

É acusado de ter recebido caixa dois em 2010