Correio braziliense, n. 20174, 15/08/2018. Brasil, p. 5

 

Infância abandonada

Deborah Fortuna e Ingrid Soares

15/08/2018

 

 

SOCIEDADE » Estudo do Unicef mostra que 61% das crianças e dos adolescentes no país vivem na pobreza, seja pela condição monetária, seja por privação de direitos, como educação, moradia, saneamento e proteção contra trabalho infantil

A pobreza não está ligada apenas a questões monetárias. É o que indica a pesquisa “Pobreza na Infância e na Adolescência”, lançada ontem, em Brasília, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O levantamento, que leva em consideração a legislação do país e os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2015, mostra que 61% das crianças e dos adolescentes brasileiros de até 17 anos são impactados pela pobreza no país.

De acordo com o estudo, a pobreza não está ligada apenas a questões monetárias, mas também à privação de um ou mais direitos, como educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento. No conjunto desses aspectos, o saneamento é o que mais atinge crianças e adolescentes, seguido por educação, água, informação, moradia e trabalho infantil.

São 32 milhões de meninos e meninas nessa situação. Desses, 6 milhões são afetados somente pela pobreza monetária, mas têm outros direitos garantidos. Já 12 milhões, além da baixa renda, têm um ou mais direitos negados. E há ainda 14 milhões que, embora não sejam monetariamente pobres, também têm garantias negadas e estão expostos a múltiplas privações.

De acordo com a representante do Unicef no Brasil, Florence Bauer, o estudo também mostra qual é o perfil das crianças impactadas. “São as que vivem na área rural, negras, que moram no Norte e Nordeste. Isso mostra qual é o retrato dessas crianças que estão em situação de pobreza e para quem a gente tem de direcionar as políticas públicas”, comentou.

Com a proximidade das eleições, a ideia é que o panorama exposto pelo Unicef possa servir como base para políticas públicas capazes de reverter as dimensões da pobreza na infância e na adolescência. “Em um contexto eleitoral, é importante lembrar isso, porque o Brasil assumiu um compromisso com objetivos de desenvolvimento sustentável”, explicou Bauer. “Estamos falando de privação de direitos. Também têm consequências para o país, porque a gente sabe que, se não temos crianças e adolescente com desenvolvimento, teremos impacto na economia do Brasil”, explicou.

Numa visita ao bairro Santa Luzia, na Estrutural, é possível verificar algumas das carências que afetam a infância. Fossas escoam das casas para as ruas, criando esgoto a céu aberto. As moscas e o mau cheiro compõem o cenário onde brincam crianças e adolescentes.

Moradora da quadra 18, Cícera Galdino, 27 anos — mãe de William, 9 anos, Sofia, 4, e Maria Eloah, de 10 meses —, conta que a família vive apenas com a renda de R$ 950 do marido, funcionário de uma fábrica de roupas de hospital. Todos dormem em um único quarto da casa, feita de madeirite. Ela está desempregada, e a família que não tem acesso a saneamento básico, depende de uma fossa para as necessidades fisiológicas. Semanalmente ou mensalmente, um caminhão faz a limpeza e cobra até R$ 180 pelo serviço. Quando chove, a situação piora: a rua fica alagada com o esgoto. “Pagamos R$ 500 de aluguel. O nosso filho tem epilepsia e toma medicações. Mês passado, foi apertado e faltou alimentação. Faltou o lanche de levar para o colégio, não tinha carne, e mal arroz e feijão tinha”, conta.

A socióloga da UnB Tânia Mara Campos afirma que o estudo é o retrato da crise socioeconômica e política em que o país vive. “As crianças e os adolescentes, que deveriam ser foco de estudos básicos e que, posteriormente, garantirão o sustento da família estão em situação precária. Essas crianças serão adultos em um ciclo de pobreza e miséria, sem acesso a serviços básicos”, ressalta.

Frase

“Essas crianças serão adultos em um ciclo de pobreza e miséria, sem acesso a serviços básicos”

Tânia Mara Campos, socióloga da UnB

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Câmara aprova alteração 

15/08/2018

 

 

A Câmara dos Deputados aprovou, ontem, mais uma mudança na Lei Maria da Penha. O objetivo é autorizar delegados e policiais a decidirem, em caráter emergencial, sobre medidas protetivas para atender mulheres em situação de violência doméstica e familiar. O texto aprovado é o substitutivo do relator, deputado João Campos (PRB-GO), e segue agora para análise do Senado.

Pela proposta aprovada, verificada a existência de risco à vida ou à integridade física da mulher ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida por: juiz de direito; delegado de polícia, quando o município não for sede de comarca; ou policial, quando o município não for sede de comarca e não houver delegacia disponível no momento da denúncia.

Nos casos em que as medidas protetivas forem decididas por delegado ou policial, o juiz deverá ser comunicado em, no máximo, 24 horas e decidirá em igual prazo sobre a manutenção ou a revisão da medida, comunicando sua decisão ao Ministério Público.

Atualmente, a lei estabelece um prazo de 48 horas para que a polícia comunique ao juiz de direito sobre as agressões, para que, só então, ele decida sobre as medidas protetivas. O prazo, no entanto, é considerado excessivo em alguns casos, contribuindo para que a vítima fique exposta a outras agressões que podem até mesmo levá-la à morte.

O projeto foi o único votado na sessão da manhã de ontem e fazia parte do esforço concentrado convocado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

24 horas

Tempo em que o juiz deve ser comunicado sobre as medidas decididas por policial