Correio braziliense, n. 20172, 13/08/2018. Economia, p. 7

 

Juiz ganha 22 vezes mais que a média

Antonio Temóteo

13/08/2018

 

 

ORÇAMENTO » Segundo o CNJ, o custo mensal de um magistrado para os cofres públicos é de R$ 47,7 mil. O valor fica muito acima da remuneração média do brasileiro, de R$ 2,2 mil, segundo o IBGE. Disparidade vai aumentar com reajuste dos ministros do STF

Os magistrados custam mensalmente aos cofres públicos 21,7 vezes mais do que a remuneração média de um trabalhador da iniciativa privada. O cálculo leva em conta os R$ 47.703 que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima ser o custo mensal do salário de um juiz, e o rendimento real médio dos brasileiros, de R$ 2.198, conforme apontado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E a tendência é que esse abismo aumente caso o Congresso Nacional acate a proposta do Supremo Tribunal Federal (STF) de reajustar em 16,38% o salário dos ministros, que passaria de R$ 33,7 mil para R$ 39,3 mil.

O custo mensal dos magistrados consta do Relatório Justiça em Números 2017, do CNJ, e leva em conta remuneração de ativos e aposentados, proventos, pensões, encargos, benefícios e outras despesas indenizatórias. O rendimento médio real dos trabalhadores brasileiros está registrado na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), que ainda estimou uma taxa de desemprego de 13% no país, com 13 milhões de pessoas em busca de trabalho.

Impacto

Vale lembrar que, além dos magistrados, procuradores da República, deputados e senadores também estão de olho no reajuste de 16,38% para elevar o próprio salário para R$ 39,3 mil. Todos eles fazem parte do grupo de 1% dos brasileiros mais ricos, que têm rendimento médio de R$ 27.213, conforme dados do IBGE.

Caso seja aprovado, o reajuste dos ministros do STF terá forte impacto sobre as finanças do Judiciário. Os efeitos, porém, vão muito além. O aumento provocará um efeito cascata, beneficiando automaticamente magistrados federais e estaduais, além de servidores públicos federais do Legislativo e do Executivo que terão seus vencimentos ajustados na mesma proporção. Somente no Executivo, 5.773 servidores podem ser favorecidos pela medida.

Na avaliação do economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, o pleito dos ministros ocorre no pior momento possível, diante da situação crítica das contas da União. Em 2018, a meta orçamentária prevê um rombo fiscal de R$ 159 bilhões. Este será o quinto ano consecutivo em que o governo federal gastará mais do que arrecada, e a perspectiva é que o buraco só comece a ser tapado a partir de 2021 ou de 2022, caso não ocorram novos aumentos de despesas.

Endividamento

Com o caixa estrangulado, o Tesouro Nacional tem sido obrigado a contrair dívida para captar recursos e não dar calote no mercado. O resultado é que o nível de endividamento do governo federal terminará o ano próximo de 80% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro da média dos países emergentes. “O drama não é dar aos magistrados um reajuste salarial, o pior é o efeito cascata. O salário dos magistrados não pode ser o teto e virar referência para os outros”, destaca Velloso.

Para o economista, magistrados, procuradores e parlamentares estão entre as castas com maior poder no país. “Temos que restringir o número de donos do poder, isso não cabe no orçamento público. Já que eles mandam no país, que tenham bons salários. Manda quem pode, obedece quem tem juízo, mas não dá para estender essas benesses para todos”, afirma Velloso, para quem é essencial extinguir penduricalhos nos salários de magistrados, procuradores e parlamentares. Ele ressalta que esses auxílios são uma distorção. “Precisamos acabar com esses privilégios”, resume.

Corporações

Na opinião do economista Marcos Lisboa, presidente da escola de negócios Insper, o Brasil é vítima de corporações que deveriam dar exemplo em um momento de crise econômica. Segundo ele, os magistrados, além de receber os melhores salários do Brasil, têm estabilidade no emprego. “Estão liderando a marcha da insensatez. O Brasil ficou mais pobre nos últimos anos. O brasileiro perdeu 10% da renda na crise, e muitos ficaram desempregados. Essa elite não pode ser demitida, quer reajuste e diz que não pode ter perda salarial”, observa.

O efeito das benesses, explica Lisboa, é a deterioração das finanças não só da União, mas também dos estados e dos municípios, que estão virtualmente quebrados, com os orçamentos quase totalmente consumidos pelo pagamento da folha de servidores. “Os estados deixam de gastar em saúde, educação e investimentos, porque os recursos arrecadados vão para despesas com salários e aposentadorias. Vamos sacrificar a saúde, a manutenção da infraestrutura para remunerar os juízes. E quem paga a conta é o Brasil que trabalha”, afirma.

Pressões

Para o economista, o maior erro do governo Michel Temer foi ter cedido às pressões de diversas categorias de servidores, concedendo reajustes salariais logo após ter assumido o poder, em 2016.  “Isso criou um precedente para todos solicitarem aumento. O Judiciário tem prestado serviços importantes no combate à corrupção, mas os magistrados sucumbem a um oportunismo rasteiro em detrimento do país”, comenta.

O diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, diz que, ao querer aumentar os ganhos em meio à maior crise econômica e fiscal do país, os magistrados não mostram qualquer empatia com o cidadão brasileiro. Ele alerta que outras despesas terão de ser cortadas do orçamento para custear os reajustes. “Isso é falta de responsabilidade. Com a separação dos poderes, que é importante, criaram-se precedentes para que essas e outras categorias façam o que quiserem, sem sofrer qualquer tipo de consequência”, diz.

Galdino afirma que os brasileiros estão de mãos atadas, porque não têm a quem recorrer. Ele lembra que, em alguns países, como os Estados Unidos, os magistrados são eleitos pela população. “Se esse reajuste fosse defendido lá, sobretudo em ano eleitoral, teria um impacto negativo nas urnas. No Brasil, os integrantes do STF são indicados pelo presidente da República e sabatinados pelos senadores, que nunca os questionam sobre responsabilidade fiscal”, diz.

R$ 39,3 mil

É quanto receberá cada integrante do STF caso os subsídios sejam aumentados em 16,38%

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Renda concentrada

Vera Batista

13/08/2018

 

 

A concentração de renda que o reajuste de 16,38% para magistrados e procuradores da República pode provocar no país, além do aprofundamento da crise político-econômica — pelo reflexo imediato em outro Poderes —, foram os principais motivos alegados na ação popular movida no fim de semana pelo advogado Carlos Alexandre Klomfahs para tentar impedir que o aumento seja incluído no orçamento de 2019. As razões são endossadas por analistas de contas públicas, que apontam para a necessidade de cortar despesas para reduzir o deficit orçamentário da União e dos estados, mas criticadas por integrantes do Poder Judiciário.

Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2017, Klomfahs aponta que 50% dos brasileiros ganham por mês, em média, 15% a menos que o salário mínimo — dos quase 100 milhões de trabalhadores ativos, 44 milhões recebem R$ 747,00 por mês. Ou seja, 10% da população concentra 43,3% da renda do país. Essas carreiras que pleiteiam os 16,38% estão entre os 1% que ficam no topo, com renda média de R$ 27.213 por mês, ou 36,1 vezes mais que a metade mais pobre da população.

No entender do economista Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, a comparação com a parte mais pobre está correta. “É verdade que algumas carreiras estão há anos sem reajuste e que a correção está prevista na Constituição. Mas a recuperação da economia é lenta e a recessão foi forte. É difícil para um Estado em que a arrecadação caiu reajustar qualquer coisa”, pondera. A contaminação do aumento em outros poderes e esferas também faz sentido. “Onde passa boi passa boiada. Além do impacto direto dos 16,38% no Judiciário e no Legislativo, existe uma vinculação não informal entre carreiras: a remuneração de uma é a referência para outra. A pressão por reajustes aumenta e isso é difícil de mensurar”, reforçou.

Crise

Nery lembrou que o ritmo de crescimento da arrecadação federal vem caindo. Em janeiro, de acordo com a Receita Federal, subiu 10,12%, em fevereiro, 10,34%, em março, 8,42%, em abril, 8,27%, e, em maio, 7,81%. “O país passa por uma crise. O governo não tem como dar reajuste”, diz Nery.

Mas, no entender de Guilherme Feliciano, presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), a iniciativa de Klomfhs foi “infeliz e demagógica”. “Não se sabe ainda o custo disso tudo e se o parlamento vai ou não aprovar, com essa ou outra alíquota. Se ele queria acabar com a concentração de renda, havia outros caminhos. Deveria ingressar com uma ação obrigando o governo a taxar dividendos”, critica.

Feliciano diz que “é uma incoerência brigar contra os 16,38%, enquanto há quem receba mais de R$ 1 milhão de dividendos e não contribua com um centavo sequer para a União”. Ele assinalou também que nenhuma ação pode evitar que o parlamento cumpra sua missão, que é a de analisar a peça orçamentária e o Executivo, mesmo que queira, não pode deixar de enviar o Orçamento de 2019 para o Legislativo. Ângelo Costa, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Trabalho (ANPT), disse que a maior falha na ação popular foram os “argumentos falaciosos”. “Os 16,38% dizem respeito à defasagem de vários anos, que supera os 40%. O salário mínimo tem aumento real. Nossos subsídios, não”, alega.

Além disso, segundo Ângelo Costa, outro equívoco do advogado foi achar que “um juiz pode se imiscuir na proposta orçamentária, que cabe apenas ao Congresso analisar”.

O advogado Carlos Alexandre Klomfahs argumentou que a questão orçamentária diz respeito à opinião pública, que paga 40% da renda ao governo na forma de impostos diretos e indiretos. “Além disso, é importante fomentar a discussão, deixar o debate em aberto, independentemente de um juiz — categoria que vai se beneficiar com os 16,38% — aprovar ou não. Na verdade, não estou sozinho. Quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) também votaram contra o aumento, inclusive a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia”, justificou Klomfahs.