O globo, n. 31031, 23/07/2018. País, p. 3

 

Saia justa para Bolsonaro

Jussara Soares

23/07/2018

 

 

Janaína Paschoal faz críticas ao PSL e partido lança candidatura sem anunciar vice

Dentro de um salão lotado de apoiadores do deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), a advogada Janaína Paschoal quebrou o roteiro previsto para a manhã de ontem, dia do lançamento formal da candidatura do parlamentar à Presidência: não disse o “sim” definitivo — e aguardado — para ocupar o posto de vice, criticou o “pensamento único” do grupo político do presidenciável e afirmou que há risco de o movimento em torno de Bolsonaro se transformar em um “PT ao contrário”, em referência ao que classificou de “totalitarismo” petista.

Aliados do deputado negaram o constrangimento com o teor do discurso de Janaína, mas o fato é que havia a expectativa de que o impasse sobre a escolha do vice terminasse na convenção, realizada ontem no Rio. Antes de Janaína — que ficou conhecida como uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff —, a campanha já havia tentando atrair o senador Magno Malta (PR-ES) e o general da reserva Augusto Heleno Pereira (PRP). Ambos estiveram no encontro do PSL, mas as negociações partidárias travaram os acordos. Agora, a cúpula do partido de Bolsonaro diz que tem até o dia 5 de agosto, limite para a realização das convenções, para completar a chapa presidencial. A adesão de Janaína poderia ajudar Bolsonaro a conquistar votos no eleitorado feminino, segmento em que tem desempenho bem abaixo da própria média, segundo as pesquisas.

— Não se ganha eleição com pensamento único. Não se governa uma nação com pensamento único. Essa parte é muito importante: muitas vezes, os seguidores do deputado Jair Bolsonaro têm uma ânsia de ouvirem um discurso uniformizado. Pessoas só são aceitas quando pensam exatamente igual nas mesmas coisas. Reflitam se nós não estamos correndo o risco de fazer um PT ao contrário. Minha fidelidade não é ao deputado Jair Bolsonaro, a quem externo todo meu respeito, a minha fidelidade é ao meu país — disse Janaína.

A advogada, que também é professora de Direito da USP, se filiou ao PSL em abril e já negou um convite para disputar o governo de São Paulo. Antes da aproximação com Bolsonaro, ela estudava concorrer a uma vaga de deputada estadual. Nas conversas, ela tem alegado questões familiares como razão para ainda não ter decidido sobre a entrada na chapa presidencial. Outro ponto que tem dificultado o entendimento é a maioridade penal: Bolsonaro é a favor da redução, enquanto Janaína é contra.

— Vim aqui (à convenção) não com o intuito de aderir e dizer: “Olha, estou contigo e abro mão de tudo que escrevi e falei”. Houve um presidente (Fernando Henrique Cardoso) que falou: “Esqueça o que escrevi”. Não é isso que quero. Vim aqui disposta a somar, não por um plano de poder, mas por um projeto de país. Se não houver a consciência de que nós temos que somar, não haverá vitória. E, se houver vitória, não haverá governabilidade.

 

‘ELA TEM A OPINIÃO DELA’

O presidente do PSL, Gustavo Bebianno, manifestou confiança de que Janaína vai se integrar à campanha e negou qualquer desconforto.

— Ela (Janaína) é uma mulher de personalidade, não é uma mera peça decorativa. O PSL é um partido democrático.

Bolsonaro também tentou amenizar o mal-estar com a fala da advogada.

— Tem que ter a liberdade de se expressar. Ela tem a opinião dela. Não dá para afinar 100% o discurso — disse.

Na sexta-feira, Bolsonaro havia dito que a chapa com Janaína poderia ser anunciada na convenção — “Vai ser a dupla Já-Já”, afirmou. Caso a advogada não aceite o convite, Luciano Bivar, presidente licenciado do PSL, e o deputado Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG) são os nomes cotados.

Num discurso de quase uma hora, cheio de acenos aos militares e citações bíblicas, Bolsonaro disse encarar a candidatura à Presidência como uma “missão”.

— Não sou salvador da pátria. Quem vai salvar a pátria somos todos nós. Não tenho ambição pelo poder. Entendo tudo como missão. O Brasil não aguenta mais quatro anos de PT ou PSDB — disse o deputado, acrescentando: — Antes que falem que eu não entendo de economia, há uma citação que diz que “Deus não chama os capacitados, capacita os escolhidos”.

 

“SE GRITAR PEGA CENTRÃO”

Antes do discurso de Bolsonaro, o general Augusto Heleno ironizou os políticos que integram o centrão, arco político que decidiu apoiar o pré-candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin. Heleno cantou ao microfone uma adaptação ao clássico de Bezerra da Silva.

— Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão — cantarolou o general.

Bolsonaro chegou a negociar aliança com um dos partidos do centrão, o PR, na tentativa de ter o senador Magno Malta como vice. Na mesa, além de Malta, havia outro parlamentar filiado a um partido do centrão: o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), coordenador de campanha de Bolsonaro.

Ao discursar, Magno Malta disse que o próprio partido, o PR, perdeu o “bonde da história” ao se aliar a Alckmin. (* Enviados especiais)

 

DESAFIOS DO CANDIDATO

1 Sem aliança com outras legendas, Jair Bolsonaro terá apenas oito segundos de tempo na TV. Precisará provar que a campanha nas redes sociais é suficiente para se comunicar com o eleitorado.

2 Após ser rejeitado pelo senador Magno Malta (PR) e pelo PRP, do general Augusto Heleno, ainda não é certo que Janaína Paschoal aceitará ser sua vice. Poderá ter que pensar em outro nome.

3 Por falta de estrutura partidária e verba, Bolsonaro não terá palanques em boa parte dos estados. O PSL já avisou que quem quiser se candidatar terá que arcar com os custos da campanha.

4 Precisa atrair o eleitorado feminino. No último Datafolha, teve apenas 12% das intenções de votos entre as mulheres, contra 26% da preferência masculina.