O globo, n. 31029, 21/07/2018. Colunas, p. 20

 

Sombras do centrão

Míriam Leitão

Alvaro Gribel

Marcelo Loureiro

21/07/2018

 

 

O apoio dos partidos do chamado centrão pode ser tanto a salvação quanto uma fonte de problemas para o pré-candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. O ex-governador de São Paulo ganhará fôlego em sua campanha, principalmente pelo aumento do tempo de televisão, mas também dará um abraço no inimigo: DEM, PP, PR, PRB e Solidariedade têm estado por trás de várias das pautas-bomba que aumentam gastos no Congresso. O mercado financeiro comemorou com alta nas bolsas e queda do dólar. Mas há quem pregue cautela.

Oeconomista Nathan Blanche, da Tendências Consultoria e especialista em câmbio, diz que o fortalecimento da candidatura de Alckmin diminui o risco de eleição de um candidato populista em outubro, seja de esquerda, seja de direita. Por isso, a reação dos mercados foi positiva. Mesmo assim, ele avalia que o momento ainda é de reflexão porque esses partidos estão envoltos em denúncias de corrupção e tem atuado de forma ambígua em relação ao ajuste fiscal.

— Não é hora de oba-oba. O acordo é importante, mas a sombra da Lava-Jato permanece sobre esses partidos, e todo mundo sabe que o nosso presidencialismo de coalizão funciona na base do “toma lá dá cá". Há corporações organizadas que vão querer algo em troca. Isso pode ir contra o ajuste fiscal — explica.

A bancada está intimamente ligada às pautas-bomba. O relatório da Comissão Mista que propõe o repasse de R$ 39 bilhões ao ano aos estados como compensação pela Lei Kandir foi apresentado pelo senador Wellington Fagundes, do PR, e teve apoio unânime dos representantes do centrão. O valor é 10 vezes maior que o sugerido pela equipe econômica. O grupo também concordou com a derrubada de vetos que garantiu descontos de até 100% na renegociação de dívidas trabalhistas do setor rural, ao custo estimado de R$ 13 bilhões. Paulinho da Força, do Solidariedade, já avisou que seu apoio custará, em troca, uma nova forma de financiamento das centrais sindicais.

Não há dúvida de que o ajuste fiscal só passará no Congresso se houver negociação com esses partidos. Juntos, eles controlam uma bancada de mais de 160 deputados e 30 senadores. A questão é o quanto Alckmin estará disposto a ceder em seu programa de governo para conseguir selar o acordo.

Incômodo inflacionário

Até meados de julho, a inflação acumulada em 12 meses acelerou para 4,53%. Chegou ao centro da meta e deve ficar por ali no IPCA fechado do mês. Mas a impressão que as famílias têm é diferente, conta o professor Luiz Roberto Cunha. Os itens que mais pesam no orçamento têm subido fortemente. A energia elétrica residencial acumula alta de 18,9% em um ano. Os combustíveis saltaram 28,49%. Os preços administrados ficaram 11,8% mais caros. E a expectativa é que os alimentos, após a deflação de 2017, fechem o ano com alta de 4,8%. A sensação de alívio pela inflação mais baixa ficou para trás.

Previsão frustrada

O descompasso entre a previsão e o resultado do emprego formal em junho indica o quão rápido mudou o cenário. O país perdeu 661 postos de trabalho com carteira assinada no mês, o primeiro resultado negativo do ano, e frustrou a expectativa de saldo positivo superior a 45 mil vagas. O dado ficou longe da tendência histórica. Junho é um mês tradicionalmente favorável para contratações, conta Tiago Barreira, consultor do Ibre/FGV. Os empresários estão mais retraídos e as projeções devem ser revisadas. Barreira diz que a previsão atual, de fechar o ano com saldo de 451 mil vagas criadas, possivelmente ficou defasada. No ano até junho, o país criou 392 mil empregos formais.

CAIU. O governo ainda esperava alta de 2,5% no PIB deste ano. Ontem, cortou o número para 1,6%.