Título: Alemanha enquadra o francês Hollande
Autor: Martins, Victor; Franco, Carlos
Fonte: Correio Braziliense, 08/05/2012, Economia, p. 10

Após as eleições na França e na Grécia e diante do pessimismo que tomou conta dos mercados nas primeiras horas de ontem, a chanceler alemã, Angela Merkel, entrou em cena para esfriar os ânimos. Sem meias palavras, reafirmou o compromisso com o pacto fiscal da União Europeia e declarou, categoricamente, que ele não está aberto para negociação — um recado direto para François Hollande, o novo presidente francês que ameaçou romper os acordos feitos pelo seu antecessor, Nicolas Sarkozy. A reação à fala alemã foi imediata nas bolsas, que saíram do vermelho e terminaram o dia com saldo positivo.

Merkel se viu obrigada a enquadrar Hollande após o francês fazer um discurso de posse repleto de frases que sugeriam uma ruptura com a Alemanha e o acordo fiscal firmado pelo governo anterior. “A Europa está de olho em nós; a austeridade não pode mais ser a única alternativa (ao crescimento)”, disse Hollande. Com essas palavras, o mercado abriu na segunda-feira preocupado com o futuro na Zona do Euro, espalhando a queda para as principais praças do mundo amargavam perdas, porém, perto do fechamento e após a intervenção de Merkel, elas inverteram o sinal. O mercado passou a avaliar de maneira um pouco mais otimista a vitória do socialista, entretanto, ainda com alguma desconfiança.

Braços abertos Embora Merkel tenha afirmado que Hollande será recebido de “braços abertos”, ela insistiu que trabalhará intensamente com ele na busca de uma fórmula para resolver o “ponto essencial” da questão: “Vamos conseguir ao mesmo tempo uma consolidação orçamentária e um crescimento sólido, já que um não anda sem o outro.”

A primeira-ministra alemã está convencida de que haverá um acordo que não envolva um “gigantesco programa conjuntural” em detrimento do objetivo do deficit que está fixado pelo Tratado de Maastricht em 3% do Produto Interno Bruto (PIB, que é a soma de todas as riquezas). Disse ainda que a “situação da Grécia (sem governo) não está isenta de complexidade”, mas mostrou confiança na superação dos problemas causados pelo novo cenário.

Os formuladores de política da Europa estão há dois anos e meio buscando uma maneira de sair da maior crise a atacar o projeto europeu desde a sua fundação há 50 anos. A vitória de Hollande e a indefinição na Grécia coloca em xeque medidas de austeridade. “Eu acho que é o pior de todos os resultados possíveis”, disse o economista sênior da ING Carsten Brzeski, sobre os resultados eleitorais.

Merkel também não ficou livre dos ventos das urnas no domingo. Na Alemanha, a eleição regional também foi um retrocesso para suas pretensões. Em três das capitais mais importantes da Europa, as prescrições políticas são divergentes e os partidos que a sustentam começam a perder fôlego.

As medidas de austeridade encontram forte resistência nos sindicatos e nos aposentados, ampliando o protesto contra medidas como a redução das horas trabalhadas e benefícios previdenciários e fiscais.

“Depois de uma rodada de austeridade no Velho Continente a vitória de Hollande, somada a uma possível derrota de Merkel no próximo pleito na Alemanha, sugere que o foco deve se deslocar para o crescimento econômico ao invés da correção das incongruências fiscais”, observou André Perfeito, economista-chefe da corretora Gradual Investimento. “Não sabemos o que Hollande irá fazer de fato, mas se ele não forçar a máquina rumo a uma ruptura, é bem provável que aconteça algum alívio de curto prazo”, avaliou.

Eleições O discurso de Merkel, apesar de ter acalmado os mercados, não chegou a tempo do fechamento das bolsas asiáticas, que terminaram o dia em baixa: Tóquio caiu 2,78% e Hong Kong, 2,61%. O restante das praças se recuperou no decorrer do dia, com exceção de Nova York, que registrou perdas de 0,23%. Na Europa, o maior ganho ficou em Madrid, uma elevação de 2,72%. Em Paris, a segunda-feira fechou com alta de 1,65%. Frankfurt também obteve ganho, uma leve elevação de 0,12%. Londres, devido um feriado local, não abriu a bolsa. O desempenho da Europa foi puxado, sobretudo, pelos papéis dos bancos, que registraram valorização expressiva depois da fala da chanceler alemã.

O Brasil também seguiu esse movimento e terminou o dia com alta de 0,66%, aos 61.220 pontos. Petrobras, ItaúUnibanco, OGX Petróleo, Hypermarcas e Gol foram as companhias com maior destaque no pregão de ontem. Para o restante da semana, a incerteza ainda toma conta do mercado. Apenas após um encontro entre Hollande e Merkel, segundo analistas, o cenário ficará mais claro para a Europa e para o mercado financeiro.

Hollande foi eleito com o compromisso de rever medidas de austeridade por meio da formulação de um projeto diferente doa adotado pelos partidos de direita, que até aqui sustentaram Sarkozy e a própria Merkel, que nunca escondeu sua preferência pelo francês que deixa o Palácio do Eliseu. O teste maior de mercado irá se dar quando da formação do governo do presidente socialista Hollande, apostam analistas, que aguardam as nomeações para a área econômica, que definirá o projeto a ser seguido por Hollande. Enquanto o socialista não anuncia seu projeto, Merkel dá as cartas no intricado tabuleiro europeu, com reflexo em todo o mundo.

“Vamos conseguir ao mesmo tempo uma consolidação orçamentária e um crescimento sólido”

Angela Merkel, primeira-ministra alemã

» Ritmo lento

As encomendas à indústria da Alemanha subiram mais do que o esperado em março, segundo informou ontem o Ministério de Economia do país. Os pedidos cresceram 2,2% em março em relação a fevereiro, cujo indicador foi revisado de alta de 0,3% para 0,6%. Entretanto, na comparação com março de 2011, as encomendas industriais caíram 2,9%. O Ministério da Economia afirmou que a indústria alemã está ganhando ritmo, mas que os pedidos externos são quase que exclusivamente de fora da Zona do Euro. Para analistas, no entanto, esse ritmo é lento e pode ter impacto nas urnas.