Correio braziliense, n. 20169, 10/08/2018. Política, p. 2

 

O olho grande dos políticos no reajuste

Rodolfo Costa e Renato Souza

10/08/2018

 

 

JUDICIÁRIO » Depois que ministros do Supremo decidiram aumentar os próprios salários, os parlamentares buscam brechas para garantir o benefício na proposta orçamentária. A única dúvida é se a “votação da vergonha”, como passou a ser chamada, ocorrerá antes ou depois das eleições

O Congresso está de olho no efeito cascata que o reajuste de 16,38% sobre o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) pode causar. No Parlamento, há deputados e senadores que veem na possibilidade de aumento a brecha para emplacar a correção sobre os próprios vencimentos, em alta semelhante a dos magistrados. Há quem defenda incluir a extensão dos vencimentos no orçamento de 2019 após as eleições, no que passou a ser chamada a “votação da vergonha”.

Atualmente, cada deputado e senador recebe um salário bruto de R$ 33,76 mil, o mesmo dos ministros do STF. Caso os parlamentares aprovem um aumento salarial no mesmo percentual que o dos magistrados da Suprema Corte, os vencimentos saltariam para R$ 39,3 mil. A narrativa dos parlamentares que defendem o reajuste salarial é de que a correção encaminhada ao Congresso gera um efeito cascata sobre o Judiciário e o Legislativo não poderia ficar de fora na discussão.

Os ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Superior Tribunal Militar (STM) recebem 95% do salário dos ministros do STF. Ou seja, se aumenta a remuneração dos magistrados da Suprema Corte, o das instâncias inferiores também sobe. De bandeja, os vencimentos dos desembargadores dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), que recebem 90,25% do topo da carreira do Judiciário, também subiriam. O mesmo vale para o valor recebido por juízes federais, que ganham o equivalente a 95% dos desembargadores.

O efeito dominó sobre os vencimentos no Judiciário tende a levar deputados e senadores a proporem o mesmo, reconhece o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele garante, no entanto, que a discussão não terá apoio dele. “Não tenho dúvida de que alguns parlamentares vão discutir a autoconcessão e querer se equiparar ao mesmo teto dos ministros do Supremo. Mas não é o meu caso. Qualquer parlamentar com o mínimo de sensibilidade e identidade com o momento que o Brasil enfrenta tem o dever de se opor e combater isso”, avaliou.

Tal possibilidade preocupa o líder da Rede no Senado. Afinal, o reajuste de parlamentares também provoca um efeito dominó sobre os legislativos estaduais e municipais. “Viraria um efeito cascata para as Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. É uma loucura, um anacronismo e um antagonismo com o momento que o país vive, de 13 milhões de desempregados. Essa insensibilidade pode ser até o estopim de uma rebelião popular”, ponderou Randolfe.

A aprovação ou não do reajuste do Judiciário caberá aos senadores. O texto que trata da correção foi encaminhado ao Congresso em 2015 pelo STF, sob a gestão do ministro Ricardo Lewandowski. A matéria foi aprovada na Câmara mas, desde que a ministra Carmen Lúcia assumiu a presidência da Suprema Corte, está parado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

Eleições

É questão de tempo o assunto voltar a ser discutido no Congresso. A dúvida é se a votação fica para antes ou depois das eleições. Na quarta-feira, o presidente da Casa, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), acenou com a possibilidade de votação no próximo mês. “O Congresso pode votar em setembro ou pode ficar para depois das eleições. Precisamos ver como virá o projeto orçamentário”, disse. Ontem, no entanto, adotou outra postura, sustentando que a pauta será analisada sem pressa. “Vamos verificar, fazer um debate sobre isso sem açodamento.”

A expectativa é de que a votação fique para depois das eleições. Às vésperas do pleito, senadores vão evitar discutir um assunto tão polêmico, avalia o cientista político David Fleischer, professor da Universidade de Brasília (UnB). “Dificilmente terá quórum para votar o orçamento antes das eleições. Então, vai ficar para novembro, e os parlamentares não terão receio de aprovar”, avaliou. Para o especialista, o fim da corrida eleitoral também pode encorajar deputados e senadores a colocarem no orçamento o aumento salarial parlamentar.

O vice-líder do DEM no Senado, José Agripino (RN), disse que ainda não tomou conhecimento do texto. Para ele, tanto o reajuste do Judiciário como um aumento nos salários dos parlamentares, será feito somente após debate e reflexão. “Serão decisões a serem bem refletidas e discutidas”, declarou.

O reajuste do Judiciário, pelo menos oficialmente, preocupa o Planalto. O presidente Michel Temer não pediu que o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, articule com senadores a derrubada do projeto. Interlocutores do emedebista dizem que o momento é de observar. Na visão de Marun, no entanto, é um momento apreensivo. “É um conflito entre o justo e o possível. Eu tenho preocupações em relação à possibilidade (do reajuste), já que o Brasil adia a tomada de determinadas atitudes que temos e teremos que tomar.”

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"Não queria estar ao lado dos vencedores" 

Renato Souza

10/08/2018

 

 

A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), criticou a aprovação da proposta de reajuste de 16,38% no salário dos magistrados. Ao discursar durante um evento em comemoração aos 30 anos de Constituição, em um centro universitário de Brasília, ela lamentou ter “perdido” a votação. O envio de previsão orçamentária com o aumento foi aprovada por 7 votos a 4 durante sessão administrativa realizada na noite de quarta-feira (09). De outro lado, o ministro Ricardo Lewandowski tentou justificar a medida, afirmando que “o Judiciário recupera o dinheiro público” desviado pela corrupção.

Sem citar diretamente a possibilidade de aumento na remuneração, Cármen afirmou que está convencida de que a medida não é o melhor para o país. “Ontem perdi. Provavelmente hoje perco de novo. Mas eu não queria estar do lado dos vencedores. Os que venceram, e como venceram, não era o que eu queria mesmo e continuo não convencida de que era o melhor para o Brasil”, disse.

Além dela, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Celso de Mello também foram contra. Os outros sete foram a favor. Com isso, o Senado tem autorização legal para votar o aumento — o que deve ocorrer em setembro. Se o projeto for aprovado, o teto salarial do funcionalismo público pode chegar a R$ 39,3 mil, o que provocaria um efeito cascata de aumentos e elevação dos custos da máquina pública pelo país.

O ministro Ricardo Lewandowski, que votou a favor e defendeu o reajuste, alegando que há anos não tem ganho nos salários dos magistrados, tentou justificar a medida citando a Operação Lava-Jato, que recuperou dinheiro desviado dos cofres públicos. “Vocês repararam que ontem (quarta-feira) os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras? Portanto, só essa devolução representou uma devolução aos cofres públicos, uma quantia muito maior do que aquela que será remanejada, cortada de um dos setores do orçamento do poder Judiciário. Isso sem falar nos milhões e milhões de reais que os juízes federais e estaduais recuperam para os cofres públicos nas execuções fiscais”, completou o ministro.