O globo, n. 31022, 14/07/2018. Rio, p. 9

 

Contra-ataque com CPIs

Fábio Teixeira

Selma Schmidt

14/07/2018

 

 

Oposição aposta no desgaste político de Crivella e consegue apoio para duas investigações

Vereadores da oposição conseguiram assinaturas suficientes para abrir duas CPIs na Câmara dos Vereadores, para investigar atos do prefeito Marcelo Crivella. Ao longo do dia de ontem, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) e a vereadora Teresa Bergher (PSDB) correram atrás do vereador Cláudio Castro (PSC), que, apesar de ter votado contra o impeachment do prefeito — derrubado por 29 votos a 16 —, se comprometeu a assinar ambos os documentos. O primeiro pedido foi protocolado na Mesa Diretora da Casa durante a tarde pela bancada do PSOL, e investigará possíveis fraudes no Sistema de Regulação (Sisreg), que controla a fila de atendimento na Saúde. No início da noite, a CPI da Márcia, que deverá investigar os atos de Crivella na reunião secreta com 250 pastores, também foi assinada por Castro. Ambas, uma vez submetidas ao presidente da Casa, Jorge Felippe (MDB), deverão ser apreciadas pela Mesa Diretora. Caso sejam aprovadas, devem começar a funcionar após o fim do recesso parlamentar.

O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), que deverá presidir a CPI do Sisreg, acha difícil que a Mesa Diretora negue a instauração da comissão.

— Só não acontecerá se o presidente (da Câmara Jorge Felippe) não quiser. A responsabilidade agora é do presidente da Casa. Conseguimos o número regimental de assinaturas. A CPI tem um fato lógico, determinante, e agora cabe ao presidente constituí-la.

Para protocolar uma CPI na Câmara são necessárias 17 assinaturas. Castro decidiu assinar os dois pedidos pela criação das comissões porque entendeu que os fatos levantados merecem investigação, ainda que, a seu ver, ainda não justifiquem um pedido de impeachment.

— O remédio para esta crise não era passar o pedido de impeachment, que criaria uma comissão processante, e não investigativa. É necessário investigar antes. Na minha opinião, o carro havia sido colocado antes dos bois — afirmou Castro. — Precisamos investigar os fatos, e, se for constatado crime do prefeito, entrar com um pedido de impeachment.

Já a CPI da Márcia, da vereadora Teresa Bergher, vai tratar das vantagens prometidas por Crivella, como agilidade na tramitação de pedidos de isenção de IPTU para igrejas; mudança de locais de pontos de ônibus; e agendamento de procedimentos médicos como cirurgias de catarata e varizes. Como foi a primeira a assinar o pedido, a vereadora deve presidir esta comissão.

— Os fatos são muito graves e precisam ser investigados. Assim que a comissão for formada, precisamos convocar não só o prefeito, mas o doutor Milton, o Marcos Luciano e a Márcia. Os cariocas querem saber quem são estes personagens e quais são os serviços públicos que eles andam prestando em caráter privado — afirmou Teresa Bergher.

Além da CPI do Sisreg e da Márcia, há ainda uma terceira comissão na fila: a CPI do IPTU. Elaborada pela bancada do PSOL, ela trataria das isenções do imposto para templos religiosos. Atualmente com 12 assinaturas, o pedido será escrito pelo partido na volta do recesso parlamentar, em agosto. A oposição também estuda um projeto de lei que obrigue a prefeitura a dar publicidade à lista elaborada pelo Sisreg, com objetivo de evitar fraudes.

PARA OPOSITORES, CRIVELLA SAI FRAGILIZADO

Para o vereador Fernando William (PDT), a vitória de Crivella na quinta-feira foi conseguida às custas de muitos favores:

— O prefeito sabe que pagou um preço político bem alto, ficando com a base ainda mais reduzida e desgastada junto à opinião pública. Sabe que, a partir de agora, conseguir 17 assinaturas para abrir CPI, seja para investigá-lo ou impedir votações com substitutivos de projetos que prejudicam a população, é muito mais provável do que antes. Ademais, foi aberta uma ação de improbidade pelo Ministério Público. Com certeza, pensará duas vezes antes tomar atitudes não republicanas, como a que gerou toda esta polêmica.

Para o vereador Tarcísio Motta (PSOL), précandidato a governador, houve receio por parte de alguns vereadores de que um impeachment do Crivella neste momento pudesse resultar em novas eleições, que beneficiariam a oposição:

— Essa base fisiológica do Crivella, que se alimenta de cargos, tem medo de eleições. Muitos votaram a favor dele por medo.

Motta disse que, a partir do ano que vem, um novo pedido de impeachment pode surgir. Há dúvidas, porém, se a destituição do prefeito resultaria em eleições diretas ou indiretas a partir de 2019.

— A Lei Orgânica do Município fala em eleição direta até o terceiro ano, mas, pela Constituição, a partir de dois anos do mandato ela será indireta. Ainda não conseguimos fechar quando seria indireta.

O GLOBO procurou o líder do governo na Câmara, Doutor Jairinho (MDB), mas não o localizou. O prefeito também não se manifestou. Em entrevista à TV Globo, o secretário da Casa Civil, Paulo Messina, disse que será aberta uma sindicância na prefeitura para investigar possíveis favorecimentos que burlariam a fila do Sisreg.

Na investigação, serão convocados servidores que poderiam estar envolvidos como Márcia da Rosa Nunes, lotada na Comlurb. Ela é a pessoa citada pelo próprio Crivella, numa reunião com cerca de 250 pastores evangélicos, onde, como O GLOBO revelou, foram oferecidas vantagens para fiéis como agilização de consultas e cirurgias.

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'Sisreza', um empurrãozinho na fila da saúde para quem tem fé

Fábio Teixeira

Selma Schmidt

14/07/2018

 

 

Folheto usado para encaminhar pacientes, que seria distribuído por igreja evangélica, será investigado pelo Ministério Público, que propôs ação contra o prefeito

Um papel distribuído a fiéis pode ajudar a puxar o fio da meada do “fura fila” do Sistema de Regulação (Sisreg) para agendar consultas em unidades públicas da cidade, que passou a ser investigado a partir de relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM). A folha, obtida e exibida ontem pelo RJ-TV, da TV Globo, tem a marca da Catedral das Assembleias de Deus de Santa Cruz (Cadesc) e, segundo a reportagem, foi entregue a uma médica de um posto de saúde da prefeitura. No pé do impresso, consta que “maiores informações” podem ser fornecidas por David Mariano, com um número de celular. Ele não é desconhecido. Em 2016, foi candidato a vereador pelo PRTB. Em sua página no Facebook, o evangélico se apresenta como coordenador da Rádio Grande Rio, emissora voltada para a comunidade religiosa, com sede em Santa Cruz. E, aparentemente, já faz campanha como pré-candidato a deputado federal este ano pelo PTC.

Para a promotora Gláucia Santana — responsável pelo inquérito que resultou em ação civil pública por improbidade administrativa contra o prefeito Marcelo Crivella, ajuizado esta semana pelo Ministério Público estadual (MPRJ) — o documento pode ser peça importante no processo:

— É importante investigar esse documento. Ele pode ser um instrumento de acesso rápido à rede de saúde, sendo usado para furar a fila.

EX-FUNCIONÁRIO DE IGREJA

Especialista em Direito Administrativo e Constitucional e professor da PUC-Rio, Manoel Peixinho assegura que há “indícios claros” de que David Mariano estaria tentando burlar o sistema regulatório:

— A autoridade policial e o MP precisam investigar. Esse cidadão poderia ser processado civil e criminalmente. Estaria tentando se favorecer eleitoral e politicamente, prevalecendo-se da condição de político e religioso e protegendo-se por trás de uma denominação religiosa. Com isso, fere os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa estabelecidos pela Constituição federal.

À frente da Catedral das Assembleias de Deus de Santa Cruz, o pastor José Pedro Teixeira não respondeu aos pedidos de entrevista. O site da instituição informa que Teixeira fundou a catedral, e a preside desde 1996. E uma atendente da igreja confirma que David trabalhou no local:

— Ele foi nosso funcionário. Era da parte de rádio.

O político foi procurado, pelo telefone e pelo Facebook, e não foi localizado. Na foto de capa de seus quatro perfis na rede social, ele aparece pregando num templo religioso. David Mariano, de 38 anos, usa o slogan “Eu sou do bem”.