Título: Repúdio à discriminação
Autor: Tolentino, Lucas; Alcântara, Manoela
Fonte: Correio Braziliense, 03/05/2012, Cidades, p. 26

Órgãos da Presidência da República e do GDF, além de entidades de classe e sociais, reagem à denúncia de injúria cometida contra uma bilheteira de cinema O caso de injúria discriminatória contra uma atendente em um shopping na Asa Norte mobiliza órgãos e entidades ligadas aos direitos humanos. As secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Presidência da República, e Especial da Promoção da Igualdade Racial, do Governo do Distrito Federal, revelaram ontem que acompanharão as investigações acerca das ofensas sofridas pela bilheteira do cinema do estabelecimento. As organizações sociais ligadas à causa repudiaram o caso e definem hoje, em reunião, como agirão. A suposta agressão verbal feita pelo médico Heverton Octacílio de Campos Menezes, 62 anos, contra a atendente Marina Serafim dos Reis ocorreu na tarde do último domingo. Por meio de militantes, os relatos do episódio chegaram à Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República. "Os procedimentos adotados pelas autoridades policiais serão verificados e daremos auxílio, caso haja qualquer dificuldade", explicou o ouvidor do órgão, Carlos Alberto Silva Júnior. "O racismo no Brasil é cordial. As pessoas admitem que existe, mas não admitem que são." A Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial, criada em agosto passado pelo GDF, também atuará no caso. A chefe da pasta, Josefina Serra dos Santos, classificou a situação como "uma atitude discriminatória, que a desqualificou (vítima) como ser humano e a considerou um animal." "É uma agressão grave à dignidade de uma pessoa. Ela deve estar bastante fragilizada", acrescentou. Josefina revelou que será disponibilizado auxílio para a bilheteira. A coordenadora do Movimento Negro Unificado, Jacira da Silva, afirmou que os integrantes da entidade se reunirão na manhã de hoje para decidir como proceder. "Ele (médico) já praticou isso outras vezes. Vamos definir uma ação mais ampla tendo em vista o histórico dele", afirmou.

Medidas punitivas A pena para o crime varia de um a três anos de reclusão, mas o acusado pode pagar pelo que fez em liberdade. O chefe da 5ª Delegacia de Polícia (Área Central), Marco Antônio de Almeida, afirmou que o suspeito pode não passar sequer um dia na prisão. "O legislador entende que as penas privativas de liberdade não atingem a finalidade de fazer com que o autor reflita sobre o caso. A ideia é aplicar medidas punitivas, sem esse caráter", afirmou o delegado. O acusado pode ser condenado, por exemplo, a prestação de serviço comunitário e doação de cestas básicas. Designado pela Organização dos Advogados do Brasil (OAB-DF) para acompanhar o caso, o advogado criminalista Antonio Alberto do Vale Cerqueira, conselheiro da entidade, considerou correta a classificação do episódio como injúria. "Racismo é segregar e injúria é ofender. A conduta é totalmente diferente. O acusado estava atacando a honra dela", justificou. Antonio Alberto considera a pena justa, por se equiparar à de homicídio culposo (sem intenção de matar). "Para se ter uma ideia do quanto é grave, ele ainda pode ter um acréscimo de um terço por ter ofendido a vítima na presença de várias pessoas", acrescentou. Mesmo com o desenrolar do caso na polícia, a bilheteira Marina Serafim quer buscar os direitos na Justiça. A atendente afirmou que vai entrar com uma ação indenizatória contra o médico por conta dos insultos. "Hoje (ontem), tirei o dia de folga, para descansar, e estou melhor. Mas me senti humilhada", relembrou. Além de médico, o suposto autor dos xingamentos é psicanalista, com ascendência lacaniana. Em entrevista ao Correio, declarou ser filiado de sociedades nacionais e internacionais de psicanálise. No Brasil, a profissão não é regulamentada por conselhos e, portanto, não é preciso estar filiado a qualquer entidade para exercê-la. Ontem, Campos Menezes realizaria uma palestra na Associação da Refundação Psicanalítica Internacional (Arpi), na QI 9 do Lago Sul. O seminário O Fenômeno e o Númeno (na filosofia, a realidade tal como existe em si mesma) do Outro estava previsto para começar às 20h e teria duas horas de duração, mas ninguém apareceu no local. Colaborou Roberta Abreu

O legislador entende que as penas privativas de liberdade não atingem a finalidade de fazer com que o autor reflita sobre o caso. A ideia é aplicar medidas punitivas, sem esse caráter"

Marco Antônio de Almeida, chefe da 5ª DP

Abaixo-assinado no Congresso

O Núcleo de Parlamentares Negros da Bancada do PT na Câmara Federal abriu um abaixo-assinado de repúdio às agressões feitas a Marina Serafim dos Reis. Em pronunciamento no plenário, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) considerou o caso um "crime covarde". No documento, os parlamentares ainda manifestam solidariedade à vítima das ofensas. Segundo a deputada, o núcleo se encontra à disposição para adotar as medidas legais de combate ao preconceito racial, ainda existente em parcelas da sociedade.