Correio braziliense, n. 20160, 01/08/2018. Mundo, p. 12

 

Perfis falsos para influenciar eleição

Rodrigo Craveiro

01/08/2018

 

 

ESTADOS UNIDOS » Facebook descobre páginas criadas para manipular informações e alimentar temas sociais controversos antes da votação legislativa de novembro, capaz de custar a maioria republicana no Congresso. Empresa evita confirmar ligações com a Rússia

O Facebook garantiu ter desmantelado uma intrincada operação na plataforma on-line para influenciar eleitores e interferir no resultado das eleições de meio de mandato, consideradas cruciais para as pretensões políticas do presidente Donald Trump. Por meio de um comunicado oficial, a empresa de Mark Zuckerberg anunciou a remoção, ontem, de 32 páginas do Facebook e do Instagram, além de contas falsas, por estarem envolvidas em “comportamento inautêntico coordenado” (veja arte). “Esse tipo de comportamento não é permitido no Facebook, pois não desejamos que pessoas ou organizações criem redes de contas que enganem outras sobre quem são ou o que fazem”, afirmou a nota.

A ideia era publicar informações inverídicas sobre temas sociais polêmicos, induzindo o cidadão ao voto. Apesar de o Facebook não culpar diretamente a Rússia pela nova tentativa de interferência nas eleições, a companhia explicou que os responsáveis pelas contas falsas foram longe demais para ocultar sua identidades, nos moldes do que a russa Agência de Pesquisa de Internet (IRA) fez às vésperas das eleições de 2016.

As 32 páginas e perfis utilizaram anúncios, agendamento de eventos e publicações regulares sobre raça, mindfulness (“atenção plena”) e feminismo para atrair 290 mil usuários entre março de 2017 e maio deste ano. “Algumas das atividades são consistentes com o que vimos da IRA antes e depois das eleições de 2016”, declarou o Facebook. “Encontramos evidências de conexões entre essas contas e perfis da IRA anteriormente identificados, mas não cremos que as evidências sejam fortes o suficiente neste momento para fazer uma atribuição pública à IRA”, disse Alex Stamos, chefe de segurança do Facebook. “Não podemos dizer com certeza se isto é a IRA com capacidades melhoradas ou uma organização diferente.”

Uma das páginas, chamada de “Resisters” (“Resistentes”), criou um evento no Facebook e convocou um protesto que ocorreria em Washington, entre 10 e 12 de agosto. A plataforma social desativou o evento, ontem pela manhã, e informou suas descobertas aos administradores de cinco outras páginas legítimas, que tinham se disposto a hospedar o chamado à manifestação — intitulada de “No Unite the Right 2-DC” (“Não Una a Direita 2-DC”).

“A revelação é uma evidência a mais de que o Kremlin continua a explorar plataformas como o Facebook para semear divisão e espalhar desinformação, e estou grato que o Facebook esteja tomando passos para identificar e abordar essa atividade”, reagiu Mark Warner, senador democrata pelo estado da Virgínia.

Especialistas

Dois renomados especialistas em internet comentaram o tema, a pedido do Correio. Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard e codiretor do Centro Berkman Klein para Internet e Sociedade, Yochai Benkler disse considerar que as descobertas do Facebook não são particularmente surpreendentes. “Nós sabemos, há pelo menos um ano e meio, que os russos tentam interferir na política americana, em particular para fomentar conflito”, explicou. “Minha pesquisa sobre as eleições de 2016 incluiu informações ligadas aos russos. O que vimos, à época, era bem similar ao que estamos percebendo agora.”

Segundo Benkler, há “um monte de evidências” de esforços russos sustentados para interferir nas eleições, os quais são direcionados tanto para a esquerda quanto para a direita da política dos EUA. “Existe muito pouca evidência de que eles fizeram mais do que ruído de fundo para uma campanha política altamente controversa, cujo teor e extremismo foram alimentados pela interação entre  Trump e a mídia da direita — a Fox News e o site Breitbart. Foi de onde partiu a maior parte da desinformação; e o que impulsionou a radicalização da emoção política e da retórica”, observou.

Randal Milch, professor de direito da Universidade de Nova York e analista do Centro para Cibersegurança, admitiu que sua reação inicial ao anúncio do Facebook foi de alarme. “Em parte, isso se deve simplesmente à arrogância americana: não acreditamos que outros ousem interferir em nosso processo eleitoral”, disse. O estudioso lembra que houve interferência alemã na política dos EUA antes da Segunda Guerra Mundial e durante a Guerra Fria.”

Para Milch, a ação russa recebe atenção enorme porque a mídia segue “obcecada” com a eleição de Trump. “Em grande parte, a imprensa busca uma explicação para um resultado tão inesperado, que também reduza a legitimidade do republicano”, acrescentou.

Pontos de vista

Por Randal Milch

Evidência tênue

“Compreender o efeito dos esforços russos para interferir nas eleições requer diferenciar entre alterar um resultado eleitoral e semear discórdia na sociedade. O Facebook e outras redes sociais funcionam como câmaras de eco. Aqueles que seguem fake news russas o fazem porque essa propaganda reforça seus pontos de vista preexistentes. A evidência de que esforços russos influenciaram a eleição de 2016 é extremamente tênue. Não tenho razão para pensar que os esforços baseados na mídia social russa em 2018 sejam mais eficientes, particularmente graças às tentativas dessas plataformas de combatê-los.”

Professor de direito da Universidade de Nova York e especialista do Centro para Cibersegurança

 

Por Yochai Benkler

Esforços marginais

“É bom ver que o Facebook está procurando por tais indícios de desinformação. Por enquanto, assim como durante as eleições de 2016, os esforços para  interferir nas eleições têm sido bem marginais. É improvável que eles tenham surtido muito impacto na política dos Estados Unidos. Os americanos não precisam que os russos lhes digam para resistir aos supremacistas brancos do ‘United the Right’, nem necessitam de tanto encorajamento para resistir a uma agência federal que deseja separar crianças migrantes dos pais e detê-las.”

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard e codiretor do Centro Berkman Kelin para Internet e Sociedade

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Polêmica por arma em 3D

01/08/2018

 

 

Em 72 horas, mais de mil pessoas fizeram o download de manuais para imprimir fuzis AR-15 em 3D, o mesmo tipo usado para matar 17 estudantes e professores da Stoneman Douglas High School, em Parkland, na Flórida, em 14 de fevereiro passado. A procura por esse tipo de armamento — que, além de ser letal, não possui número de série — causou alarme nos Estados Unidos. Na noite de ontem, o juiz federal Robert Lasnik, de Seattle, aceitou o pedido de procuradores de oito estados do país e do Distrito de Colúmbia e bloqueou temporariamente a distribuição on-line dos manuais.

A organização não governamental Defense Distributed planejava disponibilizar, a partir de hoje, uma nova leva de instruções. O anúncio levou o presidente Donald Trump a se pronunciar sobre o tema, ainda que com uma boa dose de ceticismo. “Eu estou pensando em armas de plástico tridimensionais sendo vendidas ao público. Já conversei com a NRA (Associação Nacional do Rifle), mas não parece fazer muito sentido!”, escreveu o republicano, em seu perfil no Twitter.

Ante a ameaça, membros do Congresso se engajaram em uma corrida desenfreada para impedir que tais armamentos caiam nas mãos de americanos. “Eu estou sendo processado por pelo menos 21 procuradores-gerais de estados. Se você quer sua Segunda Emenda on-line, esta é a luta”, afirmou,também pelas redes sociais, Cody Wilson, fundador da Defense Distributed, em referência ao artigo da Constituição que considera inalienável o direito de o cidadão americano portar armas de fogo.

Wilson acusou a Justiça de Nova Jersey de realizar uma campanha nacional para derrubar o site do grupo, o qual trazia uma promessa: “A era das armas que podem ser baixadas realmente começou”. Em sua página no Twitter, o ativista mantém 19.400 seguidores. A ideia do libertário de 30 anos surge no momento em que os Estados Unidos debatem meios de conter a matança provocada por armas automáticas em escolas e universidades. O Correio tentou entrar em contato com Wilson, mas não obteve resposta.

Acordo

A decisão do juiz Lasnik põe fim a um acordo que o governo Trump firmou com a Defense Distributed, ao classificá-lo de “arbitrário e caprichoso”. Charles Schumer, líder da minoria democrata no Senado, respondeu ao tuíte de Trump sobre o caso com um comentário seguido de uma pergunta. “Sua administração aprovou visto. Que tipo de governo incompetente e perigoso é este?”, disparou. O congressista e os colegas Bill Nelson, Richard Blumenthal, Robert Menendez e Edward J. Markey formaram uma frente parlamentar para apresentar leis que impeçam o acesso a armas impressas em 3D.