Correio braziliense, n. 20220, 30/09/2018. Política, p. 4

 

Pais da urna, "ninjas" garantem segurança

Lucas Valença

30/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Criadores do equipamento refutam risco de fraude. Segundo os técnicos, a máquina passa por seguidos processos de inspeção e de testes públicos

Para criadores da urna eletrônica, as declarações do candidato à presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, sobre a falta de lisura do mecanismo eletrônico não tem base técnica razoável. Eles lembram que, após 22 anos de utilização do modelo, nenhuma fraude foi provada. Testes variados e contínuos, promovidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), também fortalecem a convicção de que as eleições são seguras. Dos cinco desenvolvedores da urna, quatro foram entrevistados pelo Correio — o quinto, Mauro Hashioka, morreu em 1999.

Conhecidos nos corredores do TSE como os “cinco ninjas” — porque três são descendentes de japoneses —, os pais da urna eletrônica afirmam que a eleição brasileira possui o sistema “mais avançado” de segurança. Antes, o voto era em papel e se mostrava problemático, além de sensível às fraudes. A máquina começou a ser concebida em 1995, por determinação do ministro Carlos Velloso, que presidia o TSE à época. O objetivo dele era aperfeiçoar o sistema eleitoral para dar mais segurança à decisão popular.

O primeiro modelo da urna eletrônica foi usado em 30% das sessões eleitorais nos pleitos municipais de 1996. De lá para cá, passou por diversas correções e aperfeiçoamentos, segundo um dos criadores e atual coordenador de Tecnologia da Informação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Antonio Esio Marcondes. “Por fora, continua com a mesma carinha, mas, por dentro, já mudou muito. Por exemplo: a tecla na primeira eleição era uma membrana, mas falhava muito e, na eleição seguinte, foi mudada. Mudamos também o processador. É uma constante evolução”, conta.

Além da urna, Marcondes ressalta a complexidade do sistema todo. De acordo com ele, a máquina de registro do voto é só a “pontinha do iceberg”. Por essa razão, o especialista lamenta as declarações de Bolsonaro sobre a lisura do modelo. “Quando ele faz críticas à urna, não está só criticando a máquina, também está condenando todo mundo, desde o juiz ao mesário, ao desenvolvedor, todo mundo que faz parte do sistema”, reprova. “Não há como comprovar tecnicamente isso que Bolsonaro está falando. O sistema todo é aberto, é auditado e pode ser acompanhado pelos partidos políticos antes, durante e após as eleições. Ele não tem base técnica que comprove isso.”

Já o vice-diretor técnico do Instituto de Estudos Avançados (IEAv) da Aeronáutica, Osvaldo Catsumi Imamura, acredita que “todo mundo” tem o direito de verificar se o processo é confiável ou não. “É natural que ele questione. Para ser eleito, ele precisa saber se o processo é claro, se é nítido. É o direito dele. Agora, vamos esperar para saber se ele vai mandar alguém verificar isso junto ao TSE”, ressalta o também desenvolvedor do equipamento.

No último dia 8, o Correio publicou uma entrevista com o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino, em que ele explicou que todos os partidos políticos são frequentemente convidados a acompanhar o processo de inspeção e de testes públicos da segurança das urnas eletrônicas. “Infelizmente, eles só aparecem no momento de reclamar. Na hora de acompanhar o processo, de ajudar a auditoria, eles não comparecem”, lamenta o secretário, um dos inventores da urna.

Outro criador do aparelho, Paulo Seiji Nakaya, que também compunha a equipe do Inpe, defende a inviolabilidade do mecanismo. Ele afirma que, até o momento em que deixou de atuar no TSE, em 2006, o sistema era impossível de ser violado. “Isso não existe. Toda eleição, o Ministério Público, a Polícia Federal e outras entidades conferem a lisura do sistema de votação, e, até hoje, não houve problemas.”

Um dos procedimentos adotados pelas instituições do Estado, conta Nakaya, é convocar um conjunto de cidadãos para, na presença de membros do MP, da PF, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e de outras entidades, conferir se o voto digitado na urna se assemelha ao do resultado final da votação. “Até hoje, todos os testes mostraram que o voto digitado foi exatamente para o candidato digitado”, assegura.

Frases

“O sistema todo é aberto, é auditado e pode ser acompanhado pelos partidos políticos antes, durante e após as eleições”

Antonio Esio Marcondes, um dos criadores do modelo e coordenador do Inpe

 

“Toda eleição, o Ministério Público, a Polícia Federal e outras entidades conferem a lisura do sistema de votação, e, até hoje, não houve problemas”

Paulo Seiji Nakaya, um dos inventores do equipamento

________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Busca incessante por eventuais falhas

30/09/2018

 

 

O coordenador de Tecnologia da Informação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Antonio Esio Marcondes, acredita que nenhum equipamento eletrônico é inviolável, mas ele assegura que os dispositivos de hardware e software presentes na urna garantem a segurança dos votos. “Quando eu carrego o software na máquina, ele está assinado, auditado e verificado. E mesmo que aconteça algum problema, existe um código de verificação no TSE para conferir se o dispositivo foi adulterado”, explica. “Nenhum equipamento eletrônico é totalmente inviolável. O que fazemos com a urna é criar uma série de equipamentos e procedimentos que fazem com que uma fraude seja quase impossível.”

O vice-diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEAv), Osvaldo Imamura, também concorda que a urna, por ser um instrumento eletrônico, pode ser violado. Porém, ele entende que há um número grande de procedimentos de segurança que garante a lisura da manifestação democrática. “Há vários mecanismos de excelência que não se limitam apenas à criptografia.”

Imamura diz não haver consenso sobre as soluções na área da segurança. Sempre há pessoas que aceitam o mecanismo adotado e outras que contestam, mas, segundo o pesquisador, muitas não têm o preparo necessário para apontar o problema de forma técnica. “A gente sempre pede para as pessoas que contestam a lisura do instrumento que passem a ir ao TSE antes, para verificar os procedimentos de segurança adotados”, justifica.

Periodicamente, o TSE promove os Testes Públicos de Segurança, nos quais autoriza a presença de hackers na Corte para tentarem quebrar o sistema de segurança da urna. O objetivo é detectar eventuais falhas do processo. O secretário de Tecnologia da Informação do tribunal, Giuseppe Janino, ressalta que qualquer evidência de erro é corrigida.

Para ele, a maior dificuldade é convencer o público de que o sistema é seguro. A desinformação e a criação de “histórias fantasiosas” se alastram com maior rapidez do que a notícia correta, segundo afirma. (LV)

____________________________________________________________________________________________________________________________________________

O retrocesso do voto impresso

30/09/2018

 

 

O voto impresso, que passaria a valer nesta eleição, foi derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho deste ano. A Corte entendeu que a medida colocaria em risco o processo eleitoral. Segundo o secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino, a medida faria voltar o “fator humano” que, desde a utilização do modelo eletrônico, deixou de estar presente nas eleições. “Não é preciso muita inteligência para burlar esse tipo de sistema. Basta o escrutinador ter um pouco de habilidade: ele some com um voto e já fraudou a eleição.”

Bolsonaro tem alegado que a medida seria necessária para permitir uma eventual recontagem dos votos. No entanto, Janino garante que esse modelo permite a recontagem dos votos. Após as eleições de 2014, Aécio Neves (PSDB), candidato derrotado à Presidência, solicitou que o Judiciário conferisse o resultado de todas as sessões eleitorais. “Esse processo foi feito. Deu trabalho, mas a decisão saiu e provou que não tinha existido fraude”, explica Antonio Esio Marcondes, coordenador do Inpe.

A implementação de uma impressora no instrumento de votação seria um fator de fragilidade do processo eleitoral, argumenta Antonio Marcondes, do Inpe. A urna, segundo ele, aumentaria em 10 vezes o número de falhas por anexar um mecanismo mecânico ao sistema eletrônico. (LV)