Correio braziliense, n. 20220, 30/09/2018. Política, p. 6

 

Representatividade importa!

Paloma Oliveto

30/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Pela primeira vez, pessoas trans poderão ir às urnas usando os nomes sociais no título de eleitor. Somente no DF, serão 90. O número de candidatos a cargos eletivos que se identificam como transexuais ou travestis também cresceu

Pela primeira vez, Luísa Veras Martins vai votar. Aos 21 anos, a cabeleireira está animada e ansiosa para participar do processo. Até porque, no título de eleitor, constará o nome com o qual ela se identifica, e não aquele registrado na certidão de nascimento. A jovem transexual é um dos 90 moradores de Brasília que alteraram o documento nos cartórios eleitorais e, em 7 de outubro, votarão com os nomes sociais.

No total, eles são 6.280 — cinco dos quais vivem no exterior. Embora estatisticamente não seja um número representativo dentro do universo de 147.306.275 votantes, é um avanço, na opinião de Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+. “Isso se chama inclusão. Nós éramos queimados na fogueira, fomos tratados como criminosos e doentes. A cultura se muda aos poucos, não é de um dia para o outro. O nome social no título de eleitor é um avanço civilizatório”, acredita. “O Estado deve preservar a dignidade das pessoas.”

O direito de solicitar a emissão do título com o nome social foi conquistado em 22 de março, no Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por unanimidade, os ministros decidiram que pessoas transexuais e travestis poderiam alterar não só o documento, mas a identidade de gênero com a qual se identificam. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, nas estatísticas do eleitorado, vale a informação prestada pelo votante, independentemente do que diz o registro civil. No cadastro interno do TSE, contudo, também constará o sexo biológico, até que o interessado faça a mudança definitiva em cartório — até março deste ano, era necessário pedir autorização da Justiça para isso.

Identidade

“Ter o nome com o qual a pessoa se identifica no título eleitoral é garantia de dignidade. Ela não tem de se explicar para ninguém”, avalia Ademar Costa Filho, advogado especialista em direito eleitoral. Pouco depois do pleito de 2014, ele foi procurado pelo coletivo #VoteLGBT, movimento que busca estimular a representatividade política da comunidade de gays, lésbicas e trans. Costa Filho formulou uma consulta, apresentada pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN), questionando os ministros do TSE se a expressão “cada sexo”, que consta da Lei de Eleições, refere-se a gênero (masculino/feminino) ou biologia (macho/fêmea).

No 1º de maio passado, o tribunal reconheceu que pessoas transexuais e travestis pertencem ao sexo com o qual se definem. Isso abriu caminho para o registro de candidatos com o nome com que eles se identificam e, logo em seguida, à mudança no título de eleitor. Para a cabeleireira Luísa Veras Martins, o documento que levará ao Centro de Ensino Fundamental 104 de Recanto das Emas, onde votará, significa o fim dos constrangimentos e das humilhações que ela diz ter sofrido a vida toda, especialmente depois dos 14 anos, quando passou a se vestir como mulher. “Nas eleições passadas, eu era menor de idade e, para mim, o voto era optativo. Eu queria votar, mas não queria me sentir constrangida, não queria risadas e cochichos”, diz. “Somos cidadãos e temos direito ao voto. As pessoas trans também têm posição política.”

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Mais candidaturas legitimadas

30/09/2018

 

 

Um levantamento da Associação Brasileira LBGT apresentado no mês passado em São Paulo estima em 180 o número de candidatos a cargos eletivos que se identificam como transexuais ou travestis. O número, de acordo com a organização não governamental, é quase 400% maior que o registrado há quatro anos. Para o advogado especialista em direito eleitoral Ademar Costa Filho, a participação mais efetiva da comunidade trans é um processo de resistência. “O tom dessa eleição é beligerante, com o fortalecimento conservador no Parlamento. É normal que, nessa conjuntura, as minorias gritem mais; é um passo de resistência ao Congresso que vem por aí”, diz.

Costa Filho também lembra que, com o direito de registrar o nome social e o gênero com o qual se identificam, as candidatas trans podem concorrer na cota dos 30% destinados às mulheres, o que, para ele, estimula os partidos políticos a terem transexuais e travestis em seus quadros.

Primeira pessoa trans a integrar o Conselho da Mulher do DF em três décadas de existência do órgão, Paula Benett disputa o cargo de distrital (PSB). A candidata elogia as mudanças recentes da Justiça eleitoral. “O cidadão não pode ser violentado na hora de votar. O candidato, também não. Ter um outro nome divulgado nos santinhos e nas urnas é muita violência”, afirma Benett, que já deixou de votar em uma eleição, depois de sofrer uma situação traumática. “Não é só uma questão de nome, é uma questão de respeito à identidade. Já fui chamada de aberração nas redes sociais, mas acho que estamos vivendo um momento de transformação”, diz.

Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+, avisa que o engajamento político de gays, lésbicas e trans é um processo irreversível. “Não voltaremos ao armário; no armário tem traça.” A aliança lançou uma plataforma na qual registra os candidatos a todos os cargos eletivos de 2018 que se comprometeram a combater a discriminação e a apoiar uma série de ações voltadas às pessoas LBGT. Por enquanto, os presidenciáveis Ciro Gomes (PDT) e Guilherme Boulos (PSOL) assinaram. Nove candidatos a governos estaduais (nenhum do DF) aderiram, assim como 19 postulantes ao Senado, 127 à Câmara Federal e 163 ao legislativo estadual/distrital. (PO)