Correio braziliense, n. 20213, 23/09/2018. Política, p. 4

 

Candidatos fazem campanha nas ruas

23/09/2018

 

 

ELEIÇÕES 2018 » Haddad vai a dois estados do Nordeste. Ciro, a cinco, além de Minas. Alckmin fica no interior paulista. Marina, Alvaro Dias e Amoêdo visitam Região Sul

Os postulantes ao Planalto aproveitaram o sábado para uma verdadeira maratona nas ruas do país. Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) decidiram centrar forças no Nordeste. O pedetista planeja percorrer cinco estados da região, além de Minas Gerais, em apenas dois dias. Já o petista vai se limitar a dois estados.

Em Recife, Haddad esteve ontem, no começo da tarde em uma caminhada região pela central da cidade, que terminou em um ato público na Praça da Independência. O evento contou com a presença de Manuela d’Ávila (PC do B), vice na chapa, e a participação de líderes do PT e do PSB, além de militantes. Por volta das 16h, o petista seguiu para Caruaru (PE), onde participou de uma pedalada. Depois do evento, retornou ao Recife. Hoje, estará em Petrolina (PE) e Juazeiro (BA).

Ciro, em seu périplo por cinco estados nordestinos, quer tentar conter o crescimento de Haddad. Na manhã de ontem, esteve em Belo Horizonte (MG), onde participou de uma caminhada com o prefeito Alexandre Kalil (PHS), no Aglomerado da Serra, favela da capital mineira.

O pedetista chamou Haddad de “amigo de longa data”. No entanto, Ciro destacou o fato de o petista não ter conseguido se reeleger, em 2016, prefeito de São Paulo. “É esse tipo de risco que nós queremos para o Brasil?”, indagou.

Em seguida, partiu para Salvador, onde apoiou a panfletagem promovida por militantes do partido. À noite, era prevista a participação em comício do candidato do PDT ao governo do Rio Grande do Norte, Carlos Eduardo Alves. Hoje estará no Piauí, no Maranhão e em Pernambuco.

Geraldo Alckmin, candidato à Presidência pelo PSDB, esteve em carreata em cidades do interior paulista: Sorocaba, Piracicaba e Jundiaí. Ao lado de sua vice na chapa, senadora Ana Amélia (PP-RS), o tucano afirmou que pretende fortalecer o direito das mulheres eventual vitória. “Estudamos importar uma lei alemã de transparência para garantir igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função”, afirmou ele.

Salário mínimo

A política de salário mínimo também foi ressaltada por Alckmin. “Será de correção da inflação mais ganho real. Também vamos manter a vinculação para aposentadorias”. A maior preocupação do tucano é garantir votos em São Paulo, sua base eleitoral, onde perde para Jair Bolsonaro (PSL) nas pesquisas. Henrique Meirelles participou de um encontro com mulheres na capital paulista.

Marina Silva (Rede) esteve, com o candidato a vice em sua chapa, Eduardo Jorge, em Porto Alegre para uma caminhada no bairro Leopoldina. Ela defendeu a mudança na saúde pública. “Nós vamos reestruturar o Sistema Único de Saúde (SUS), criando 400 regionais com uma autoridade nacional em conjunto com os estados e os municípios. Assim, vamos oferecer saúde de qualidade de forma rápida”, explicou.

Em Maringá (PR), o candidato do partido Novo, João Amoêdo, se reuniu com militantes e empresário na Associação Comercial. Depois seguiu em caminhada com eleitores até o centro da cidade. À tarde, Amoêdo participou de outra caminhada, ao redor do Lago Igapó, em Londrina (PR).

Alvaro Dias (Podemos) afirmou que o primeiro passo para se unir o centro no primeiro turno seria a desistência do PSDB do pleito presidencial. “O PSDB já perdeu quatro vezes para o PT e perderá a quinta. Portanto, é hora de oferecer espaço para uma alternativa”. A declaração foi dada em ato de campanha em Curitiba.

O candidato do PSol, Guilherme Boulos, esteve em Fortaleza, onde participou da Bicicletada do sol, que partiu do Parque Rio Branco em direção ao centro da cidade. Boulos também se reuniu com eleitores na Praça dos Leões. Com a candidata e vice em sua chapa, Sônia Guajajara, o candidato promoveu um ato de apoio aos povos indígenas, em Caucaia (CE).

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Tributária é reforma preferida

23/09/2018

 

 

Os candidatos à Presidência da República veem a questão tributária como o principal ponto a ser alterado na Constituição. Fernando Haddad (PT) disse que, além de mudar o modo de tributação no País, é necessário fazer uma reforma no sistema de Justiça — sem dar mais detalhes. Para o petista, a Constituição deve cumprir os direitos “civis, políticos, econômicos, culturais e ambientais” nela previstos.

Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) responderam o mesmo sobre as reformas às quais submeteriam o país por meio de emenda constitucional: tributária, previdenciária e política. O tucano destacou, entre as conquistas da Carta, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), além do estabelecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres e a proteção ao meio ambiente.

Marina, por sua vez, classificou a Constituição como uma bússola que deve guiar o país “para garantir que esses problemas sejam superados e para que os objetivos da República, como o de construir uma sociedade livre, justa e solidária, sejam alcançados”.

A assessoria de Ciro Gomes (PDT) não respondeu. Assim como Haddad e Marina, ele defende a tributação progressiva, com mais impostos sobre renda e menos sobre consumo

A assessoria de Jair Bolsonaro (PSL) tampouco respondeu. O candidato a vice, general Hamilton Mourão, causou polêmica após sugerir uma nova Constituição, feita por “notáveis” não eleitos.

Alvaro Dias (Pode) afirmou que quer apresentar emendas “em vários quesitos”. Sem especificar propostas, citou como foco as áreas de economia, segurança e educação.

João Amoêdo (Novo) defendeu o enxugamento da Constituição, para que tenha apenas “artigos essenciais”. A proposta é que o restante seja transformado em leis ordinárias.

Henrique Meirelles (MDB) também propõe tornar parte do texto em legislação ordinária. Ele, no entanto, não vê problema em emendar a Carta. A principal necessidade, para o emedebista, é a reforma da Previdência.

Guilherme Boulos (PSol) critica a adição à Carta da Emenda Constitucional 95, que estabeleceu teto de gastos públicos por 20 anos. Sua proposta é dificultar a aprovação de emendas, fazendo com que elas passem por referendo popular. O presidenciável defende um debate com a sociedade para fazer reformas no sistema político e democratizar o Poder Judiciário e as Forças Armadas.

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A “fulanização” sem projeto

Luiz Carlos Azedo

23/09/2018

 

 

Ao contrário do que muitos imaginam, a criação do sistema de representação proporcional uninominal vigente no Brasil, uma jabuticaba de autoria do gaúcho Assis Brasil, teve como objetivo fortalecer os partidos e não os enfraquecer, como afirmam muitos dos seus críticos. Foi a saída encontrada para mitigar uma característica da política brasileira desde a criação da primeira Câmara Municipal, em São Vicente, já em 1532, no início do período colonial: o fato de que os eleitores votam  nas pessoas e não nos partidos, seja nos legislativos seja nos executivos. Não é à toa que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso insiste na tese de que um conjunto de ideias, mesmo majoritárias na sociedade, para conseguir se tornar um projeto político viável, precisa encontrar alguém capaz de “fulanizá-las”.

Foi o que aconteceu com a sua eleição para a Presidência em 1994, no embalo do Plano Real, com um programa cujo eixo era a estabilidade econômica, a reforma administrativa do Estado e as privatizações de empresas estatais nos setores siderúrgico e de telecomunicações, principalmente. Àquela época, o candidato favorito nas pesquisas era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje está preso em Curitiba, em razão do recebimento de vantagens indevidas no exercício da Presidência (corrupção passiva e lavagem de dinheiro). FHC conseguiu “fulanizar” o Plano Real. Por ironia do destino, mais tarde, em 2010, Lula terminou o governo melhor avaliado do que o tucano e hoje isso faz a diferença na hora de “fulanizar” o seu candidato, Fernando Haddad (PT). O mesmo não ocorre com Geraldo Alckmin (PSDB), apoiado por FHC, que goza de enorme prestígio e frequenta as salas de espera dos aeroportos de cabeça erguida, acompanhado apenas da esposa.

Mas voltemos à fórmula de Assis Brasil. O Brasil elege representantes para a Câmara dos Deputados desde 1824, logo após a Independência. Até 1880, durante o Império, o sistema de votação era feito em dois níveis: os votantes elegiam os eleitores (primeiro nível), que, por sua vez, escolhiam os representantes para a Câmara dos Deputados (segundo nível). Em 1881, as eleições para a Câmara dos Deputados passaram a ser diretas. Na Primeira República (1889-1930), três sistemas eleitorais foram utilizados; todos majoritários. O mais duradouro (1904-1930) dividia os estados em distritos eleitorais de cinco representantes; o eleitor podia votar em até quatro candidatos e ainda podia votar no mesmo candidato mais de uma vez, o que facilitava as fraudes em larga escala.

Em 1932, após a Revolução de 1930, novo código eleitoral modernizou o processo: as mulheres passaram a ter o direito do voto; foi criada a Justiça Eleitoral — que ficou com a responsabilidade de organizar o alistamento, as eleições, a apuração dos votos e a proclamação dos eleitos; foram tomadas medidas para garantir o sigilo do voto. Assis Brasil e João Cabral participaram da redação do Código Eleitoral de 1932 e defenderam a introdução do voto proporcional: para Câmara dos Deputados, um sistema misto (com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional), cuja operação era bastante complexa. Mas veio o “autogolpe” de 1937 e Getúlio Vargas suspendeu as eleições, fechou os partidos e o Congresso.

As eleições voltariam em 1945, com o processo de democratização do país. Somente naquele ano, o sistema proporcional proposto por Assis Brasil foi integralmente adotado nas eleições para Câmara dos Deputados e demais casas legislativas, com exceção do Senado, com objetivo de fortalecer os partidos recém-criados, carreando para eles a tradição do voto “fulanizado”. Nas eleições para prefeito, governador, senador e presidente da República, o voto continuou majoritário. O sistema funcionou razoavelmente antes do golpe militar de 1964, que teve outras causas.

Fragmentação

Depois da Constituinte de 1988, o surgimento do financiamento público partidário sem limitações para a criação de partidos, com base no critério de distribuição dos recursos proporcional à composição da Câmara, criou um desequilíbrio terrível na distribuição desses fundos e facilitou a proliferação de legendas, que hoje são 35 com representação no Congresso, situação agravada pelo uso em escala crescente de “caixa dois” nas eleições passadas, conforme revelado pela operação Lava-Jato.

Nesse cenário, os partidos políticos sofreram um grande desgaste, ainda mais agravado pela crise da democracia representativa na sociedade pós-industrial e pela forte influência das redes sociais na formação da opinião pública, à margem dos meios de comunicação tradicionais e dos próprios partidos. Nas eleições deste ano, o fenômeno da “fulanização” da política, que tem tudo a ver com as características da cultura eleitoral do brasileiro (e da velha herança “sebastianista” do salvador da pátria), ganhou novas características. Na reta final do segundo turno, embora a maioria dos candidatos seja de velhos conhecidos, em razão das crises econômica, ética e política, a eleição se “fulanizou” a partir de narrativas radicais, que aprofundam a fragmentação das forças políticas mais centristas e democráticas, sem que um só candidato consiga unificá-las eleitoralmente.

Os candidatos Jair Bolsonaro (PSL), à direita, e  Fernando Haddad (PT), à esquerda, que lideram a disputa, representam o avanço avassalador de opiniões radicais formadas a partir das redes sociais. Caso não surja um nome alternativo pela via do “voto útil”, como prega o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o eixo da disputa se deslocará do centro para um dos extremos e nova escalada de confrontação ocorrerá no segundo turno, aprofundando a divisão da sociedade em torno de suas lideranças, sem nenhum programa unificador, apenas velhas palavras de onrdem. Ou seja, teremos a “fulanização” sem ideias novas e projeto de país.