Correio braziliense, n. 20203, 13/09/2018. Brasil, p. 6

 

Supremo proíbe o ensino domiciliar

Ingrid Soares

13/09/2018

 

 

EDUCAÇÃO » Corte nega autorização para que crianças sejam educadas em casa, sem a necessidade de irem à escola. Maioria dos ministros entende que faltam leis que regulamentem o chamado homeschooling. Defensores da prática criticam a decisão

O Supremo Tribunal Federal (STF) negou ontem a autorização para que crianças sejam educadas em casa, sem a necessidade de irem à escola. No entender da maioria dos ministros, a prática, chamada de homeschooling, não é proibida pela Constituição, porém, pela falta de leis que regulamentem o ensino domiciliar, não haveria como instituir a alternativa no país. Como o caso tem repercussão geral, a decisão do Supremo deve ser adotada como modelo em julgamentos sobre o assunto em todo o país.

O voto do relator, Luís Roberto Barroso, único a favor do ensino domiciliar, foi vencido pela maioria dos ministros: Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.

Moraes foi o primeiro a se posicionar após o relator e o voto dele foi seguido pela maioria. Ele abriu divergência no sentido de que a Constituição não proíbe a modalidade, mas que seria imprescindível uma legislação para estabelecimento de regras, como frequência e avaliação pedagógica, a fim de evitar a evasão escolar, o que o Judiciário não tem condições de fazer. Fachin, por sua vez, chegou a pedir o prazo de um ano para que o Congresso editasse uma norma para a modalidade, mas o pedido não foi aceito.

O voto de Fux foi um dos mais radicais entre os dos ministros. Ele entende que o modelo de educação no país é estabelecido pela Constituição e qualquer eventual legislação em contrário seria inconstitucional. Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também declararam que, mesmo que fosse aprovada uma lei no Congresso, a prática seria ilegal.

Segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), há pelo menos 15 mil alunos sendo educados em lares no Brasil. O método vem ganhando adeptos e, em comparação com 2011, teve um crescimento de 2 mil estudantes.

A principal causa defendida pela Aned é a da autonomia educacional da família. “Não nos posicionamos contra a escola, mas entendemos que, assim como os pais têm o dever de educar, têm também o direito de fazer a opção pela modalidade de educação dos filhos”, declara a instituição. “Defendemos, portanto, a prioridade da família no direito de escolher o gênero de instrução a ser ministrado aos filhos.”

Na semana passada, em nota, o Ministério da Educação (MEC) também criticou a prática e ressaltou que cabe ao “Poder Público a obrigação de recensear, fazer a chamada escolar e zelar para que os pais se responsabilizem pela frequência à escola”.

Riscos para os pais

Para a advogada especialista em direito da família Hannetie Sato, a partir da decisão do Supremo, fica determinado que cabe ao Estado definir o melhor conteúdo e a forma de instrução para o ensino das crianças. Com isso, fica clara a obrigatoriedade de matrícula no ensino regular. “A lei determina que crianças a partir de 4 anos devem ser matriculadas na escola. Caso contrário, os pais podem ser responsabilizados pela falta de instrução do filho, por abandono intelectual, e podem, até mesmo, perder a guarda da criança”, afirmou.

Uma dona de casa do Ceará, que não quis se identificar, educa em casa os filhos de 3 e 5 anos. Apesar da decisão do STF, ela pretende continuar com o método. “Acredito que o que aconteceu hoje (ontem) abriu espaço para um debate no Legislativo. Nosso próximo foco e esperança é esse. Enquanto isso, temos a intenção de continuar. Estamos estarrecidos com os votos que apenas ratificam a nossa preocupação com o que é passado nas escolas”, disse a mulher, de 30 anos. “O tipo de socialização da escola não visa o bem-estar e é incompleta para as crianças. Por convicção, não queremos que valores diferentes dos nossos influenciem nossos filhos. Não queremos que sejam expostos a sexualização precoce, bullying, violência. Em casa, eles estarão mais bem preparados com os estudos personalizados que levam em conta os interesses deles, somando o que precisam.”

Entenda o caso

O recurso julgado no STF partiu de um mandado de segurança impetrado pelos pais de uma menina de 11 anos contra ato da Secretaria de Educação do Município de Canela (RS), que negou pedido para que a criança fosse educada em casa e orientou-os a fazer matrícula na rede regular de ensino. Segundo os pais, a metodologia da escola municipal não era adequada, entre outros motivos, por misturar na mesma sala alunos de diferentes séries e idades. Os pais da criança alegam ainda que “restringir o significado da palavra educar simplesmente à instrução formal numa instituição convencional de ensino é não apenas ignorar as variadas formas de ensino, agora acrescidas de mais recursos com a tecnologia, como afrontar um considerável número de garantias constitucionais”.