Correio braziliense, n. 20192, 02/09/2018. Economia, p. 7

 

Brasil será testado pelos investidores

Antonio Temóteo

02/09/2018

 

 

CONJUNTURA » Folga nas reservas internacionais, inflação controlada e contas externas equilibradas diferenciam situação do país de outras nações, como Argentina e Turquia. Juros na economia vizinha atingem 60% e na euroasiática, taxa encosta nos 20% ao ano

A inflação controlada e abaixo da meta de 4,5%, os US$ 380 bilhões de reservas internacionais, as contas externas equilibradas, com deficit de apenas 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB), e uma taxa de juros em 6,5% ao ano diferenciam o Brasil de Argentina e Turquia. Os dois países estão expostos a uma crise cambial e têm sofrido com o processo de mudança da economia mundial, sobretudo diante da elevação dos juros nos Estados Unidos, que reduz o apetite de risco dos investidores por aplicações em nações emergentes.

Apesar da menor exposição externa, a economia brasileira sofre com um profundo desequilíbrio fiscal, que levou o país a uma trajetória de endividamento público insustentável mesmo a curto prazo. Os mais pessimistas já estimam que a dívida ultrapasse os 80% do PIB em 2019. Isso só deve mudar caso o futuro governo consiga arrumar as contas públicas, por meio de um ajuste fiscal que abrirá espaço para o país voltar a crescer, gerar empregos e renda.

Além disso, as expectativas de inflação para os próximos anos estão ancoradas, ao contrário dos países mais atingidos pela instabilidade global. Mesmo com a alta do dólar dos últimos dias, que gerou impactos sobre o risco Brasil e sobre o preço dos ativos financeiros, não houve alterações nas estimativas para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2019, atualmente em 4,12%.

Na avaliação do economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, algumas condicionantes importantes diferenciam o Brasil dos dois países. A primeira delas é a inflação, que fechará o ano em 4,17% de acordo com a mediana das estimativas de mercado coletadas pelo Banco Central (BC). Na Turquia, a carestia está em 15% e, na Argentina, acima de 30%. “Esse é um quadro que sugere forte desequilíbrio e a manutenções dos juros nesses países em percentuais elevados”, afirma. O governo Macri precisou elevar a taxa para 60% ao ano e, na Turquia, os juros encostam nos 20%.

O nível de intervenção do governo turco na economia também é um problema, afirma Campos Neto. Segundo ele, a pressão sobre a autoridade monetária do país cresceu. O presidente turco, Tayyip Erdogan, tem sido contrário à alta dos juros, apesar da forte queda da lira. Ele defende que a fraqueza da moeda não reflete a realidade econômica do país.

Desequilíbrios

No caso da Turquia, ressaltam os economistas do Bradesco Estevão Scripilliti e Andréa Bastos Damico, ao tentar acelerar o nível de atividade e a geração de riquezas no país, três desequilíbrios ganharam força: deficit externo, inflação e deficit primário. Eles ressaltam que, com juros baixos, a inflação aumentou e o dólar encareceu em relação à lira turca. “A depreciação cambial, por sua vez, ameaça inúmeros passivos expostos à moeda estrangeira. Combinado com o ajuste da economia que deve se seguir, é possível que haja aumento da inadimplência e forte retração do crédito”, destacam.

Os economistas do Bradesco explicam que, na Argentina, a crise decorre muito mais da velocidade do ajuste do que de excessos no crescimento. Com uma política econômica gradualista, semelhante à adotada no Brasil para ajustar as contas públicas, o governo Macri sofre com a fragilidade externa e viu o acesso ao mercado internacional diminuir significativamente no momento em que as condições globais se deterioraram. “Ambas as nações terão que seguir com ajustes e sofrem elevado estresse em seus ativos financeiros. Nos dois casos, há dúvidas quanto ao compromisso da autoridade monetária em controlar a inflação”, comentam.

Exposição

Outro ponto que diferencia o Brasil das fragilidades da Argentina e da Turquia é a baixa dependência de capital de curto prazo para financiar os deficits externos. Além disso, o Brasil possui um baixo grau de exposição cambial nas dívidas pública e privada. Na Turquia, esse deficit está próximo de 7% do PIB e é financiado com aumento da dívida externa e investimentos em carteira, considerados voláteis. O investimento direto na Turquia varia entre 15% e 20%.

Diante dessa situação, a dívida externa turca representa 60% do PIB e os vencimentos, em até um ano do setor privado, representam quase o total das reservas internacionais do país, que correspondem a apenas 10% da geração de riquezas. “Ou seja, uma crise de confiança que comprometa a rolagem da dívida de curto prazo, combinada com deficit externo elevado, pode levar a Turquia rapidamente a uma situação de estrangulamento externo”, avaliam os economistas do Bradesco.

Conta-Corrente

No Brasil, o deficit em conta-corrente corresponde a 0,7% do PIB e é totalmente financiado pelo investimento estrangeiro direto, que oscila entre US$ 60 bilhões e US$ 75 bilhões. “É bem verdade que, quando o país voltar a crescer dentro da normalidade, o deficit externo se elevará. Simulações apontam que se estabilizará em torno de 2,5% do PIB a médio prazo — patamar ainda financiável com investimentos diretos se considerada a média histórica de ingressos sob essa modalidade, que é de 3,5% do PIB”, afirmam Scripilliti e Andréa.

Além disso, o Brasil passou por uma significativa melhora no perfil da dívida externa desde 2002, com ingresso de investimento direto. “No início dos anos 2000, o passivo externo brasileiro tinha características semelhantes às atuais da Turquia”, afirmam os economistas do Bradesco.

Outra proteção brasileira contra a volatilidade cambial é o robusto estoque de reservas internacionais, de US$ 380 bilhões. Esses recursos correspondem a dois terços da dívida externa bruta brasileira e superam toda a dívida, quando se excluem as operações intercompanhia. Na Turquia, as reservas equivalem a apenas um sexto da dívida externa total.

Campos Neto, da Tendências, alerta que o Brasil tem uma fragilidade fiscal maior do que a da Argentina e da Turquia. Enquanto aqui a dívida pública alcança 77% do PIB, no país vizinho chega a 55% da geração de riquezas no país e, no turco, a 30%. “Temos uma dívida mais elevada e esse problema precisa ser enfrentado no curto prazo”, ressalta.