O Estado de São Paulo, n. 45629, 21/09/2018. Política, p. A4

 

Alckmin liga polarização Bolsonaro-PT à Venezuela

21/09/2018

 

 

Eleições 2018 Candidaturas / Campanha. Candidato tucano usa horário eleitoral na TV para fazer mais duro ataque ao presidenciável do PSL; em SP, ele trata proposta tributária de Guedes como “tiro no pobre"

REPRODUÇÕES/CAMPANHA GERALDO ALCKMIN

Na TV. Programa relembra elogio de Bolsonaro a Chávez

 

O candidato do PSDB à Presidência da República, Geraldo Alckmin, usou ontem o horário eleitoral na TV para fazer o mais direto e duro ataque ao presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro, líder nas pesquisas de intenção de voto. A proposta de Paulo Guedes – conselheiro econômico de Bolsonaro – de unificar tributos que incidiriam sobre todas as transações financeiras, de forma semelhante à antiga CPMF, foi levada para o palanque eletrônico do tucano. Alckmin, durante agenda em São Paulo, disse que a ideia representa um “tiro no pobre” e um “tiro na classe média”.

O horário eleitoral do candidato do PSDB também classificou Guedes como um “banqueiro milionário” e vinculou uma eventual polarização entre Bolsonaro e o PT – que tem como candidato o ex-prefeito Fernando Haddad – ao “risco de o Brasil se tornar uma Venezuela”.

Nas mais recentes pesquisas de intenção de voto, Alckmin se mantém com um dígito, enquanto o candidato do PSL e o presidenciável petista estão, respectivamente, na primeira e na segunda colocação. Para tentar chegar ao segundo turno, a campanha tucana aposta nos ataques a Bolsonaro e no voto útil, apontando que a polarização “extrema” vai representar a volta do PT ao poder.

Na avaliação de Alckmin, Haddad já tem vaga assegurada no segundo turno. Por isso, os programas de ontem foram usados em sua maior parte para desconstruir o adversário do PSL.

Na propaganda tucana exibida na noite de ontem, o clima político que antecedeu o surgimento do regime chavista é comparado ao do Brasil dos dias atuais. Alckmin surge na tela dizendo que Bolsonaro é “intolerante e pouco afeito ao diálogo, um despreparado, um salto no escuro”. Logo depois, o tucano afirma que o “PT é a própria escuridão”.

“Talvez esse seja um dos momentos mais delicados da nossa democracia. O risco de o Brasil se tornar uma nova Venezuela é real, a partir dos extremismos que estão colocados nessa eleição”, diz o tucano. “Por um lado, o extremismo de um deputado que já mostrou simpatia por ditadores, como (Augusto) Pinochet e Hugo Chávez, que já defendeu o uso da tortura, que acha normal que mulheres ganhem menos que os homens. Uma pessoa intolerante e pouco afeita ao diálogo, que em quase 30 anos de Congresso nunca presidiu uma comissão sequer. Nunca foi líder de nenhum dos nove partido a que foi filiado. Um despreparado, que representa um salto no escuro.”

Antes, a peça diz que “o banqueiro” (Paulo Guedes) já avisou o que pretende fazer: “Menos imposto para os ricos, mais imposto para os pobres”. “Se Bolsonaro for eleito, prepare seu bolso.”

Durante agenda de campanha em Guarulhos, na Grande São Paulo, Alckmin associou a proposta tributária à defesa de Bolsonaro da revisão do Estatuto do Desarmamento. “É fácil fazer ajuste passando a conta para o povo. O candidato da bala deu o primeiro tiro. Deu tiro no contribuinte, deu tiro na classe média, deu tiro no pobre, deu tiro na economia. O que ele quer é aumentar imposto”, disse o candidato do PSDB.

Para o presidenciável tucano, recriar um imposto nos moldes da CPMF – instituída em 1997 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, para custear a saúde pública –, é decisão equivocada.

Na madrugada de ontem, Bolsonaro voltou a usar sua conta no Twitter para negar o que chamou de “notícias mal-intencionadas”. “Ignorem essas notícias mal-intencionadas dizendo que pretendemos recriar a CPMF. Não procede. Querem criar pânico pois estão em pânico com nossa chance de vitória”, escreveu. “Ninguém aguenta mais impostos, temos consciência disso.”

'Fascismo'. Além de Alckmin, outros presidenciáveis mantiveram a artilharia contra a proposta de Guedes. Ciro Gomes (PDT), sem citar especificamente a ideia de um novo tributo, acusou o economista de “instrumentalizar economicamente o fascismo”. Haddad, Marina Silva (Rede) e Henrique Meirelles (MDB) também criticaram a proposta. “É um imposto regressivo, que diminui a competitividade do País. Ele incide de maneira errática, pessoas pagam sem saber que estão pagando, o que prejudica mais aqueles de menor renda. Isso diminui a produtividade da economia”, disse Meirelles.

Haddad classificou como “pequeno desastre” a proposta. “Porque vai fazer o pobre, que já paga mais imposto que o rico, pagar ainda mais”, disse. O petista também prometeu não recriar a CPMF, como tentou a presidente cassada Dilma Rousseff (PT). “Não vamos recriar a CPMF e vamos isentar de Imposto de Renda quem ganha até cinco salários mínimos.”

Bolsonaro está internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, após ser esfaqueado em Juiz de Fora (MG), no dia 6. Procurada, a campanha do candidato do PSL não se manifestou até a conclusão desta edição.

 

‘Extremismos’

“Talvez esse seja um dos momentos mais delicados da nossa democracia. O risco de o Brasil se tornar uma nova Venezuela é real, a partir dos extremismos que estão colocados nessa eleição.”

Geraldo Alckmin​, CANDIDATO DO PSDB À PRESIDÊNCIA

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

De 'maldita' para palno de governo

Matheus Lara

21/09/2018

 

 

“Imposto do cheque” /  Discursos de deputado destoam de guru econômico

 

Em 27 anos como deputado federal, Jair Bolsonaro fez 25 menções à Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em discursos no plenário da Câmara. O teor das falas do presidenciável do PSL, contrário ao tributo, destoa da ideia de seu principal conselheiro na área econômica, Paulo Guedes, de unificar os impostos federais em um tributo único que seria cobrado aos moldes da antiga CPMF – extinta em 2007. Após a polêmica, Guedes foi enquadrado pela campanha de Bolsonaro e teve de reduzir suas atividades eleitorais.

“Desgraça” e “maldita” foram alguns dos termos usados por ele ao se referir à cobrança, que entrou em vigor no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1997. O Estado levantou as menções ao tributo a partir de buscas nas transcrições de discursos do deputado disponíveis no site da Câmara. A busca não abrange eventuais menções ao tributo em comissões e teve como parâmetros os termos “CPMF” e “Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira”.

A primeira menção data de 23 de julho de 1996. “A unanimidade dos empresários, não interessa se médios, grandes ou micro, assumiu posição contrária à CPMF”, disse Bolsonaro. “A votação desse imposto é um desgaste para qualquer um de nós.” Três anos depois, atacou investidores internacionais que teriam “recebido bem” a aprovação da CPMF no Brasil. “Com toda a certeza, a agiotagem passou a noite toda ‘bebemorando’ essa desgraça aprovada por esta Casa”, disse Bolsonaro.

Nos governos Lula, Bolsonaro mencionou a CPMF para demonstrar o que, em sua avaliação, era uma incoerência dos petistas. “A prorrogação da CPMF, medida anteriormente combatida pelo PT, acabou sendo aprovada para atender aos interesses do FMI”, disse, em 18 de dezembro de 2003. Mirando petistas, Bolsonaro passou a usar a CPMF como estratégia discursiva contra o que apontava ser “mentiras” do governo Lula. “Mentiram a vida toda para chegar ao poder: vamos descongelar a tabela do Imposto de Renda, foi congelada; vamos acabar a CPMF, foi prorrogada; não vamos aumentar a carga tributária, foi aumentada”, afirmou ele, em discurso em 2 de abril de 2004.

Em 9 de fevereiro de 2011 (governo Dilma), quando se discutia a possibilidade de volta da CPMF para o ajuste das contas públicas, Bolsonaro anunciou que votaria contra “porque este governo arrecada muito hoje em dia”.