O Estado de São Paulo, n. 45624, 16/09/2018. Política, p. A6

 

Ventos pró-PT

Eliane Cantanhêde
16/09/2018

 

 

A cada dia sua agonia e a cada uma das campanhas seu desafio, faltando apenas três semanas para as eleições mais tensas, agressivas e incertas desde a redemocratização de 1985. A consolidação de Jair Bolsonaro e o avanço de Fernando Haddad projetam a chegada da extrema direita ou a volta do PT ao poder e isso mexe com a alma e os escrúpulos dos demais candidatos, principalmente dos que estão embolados na disputa por uma vaga no segundo turno.

Bolsonaro (PSL) está confortável nas pesquisas, mas tem o desafio de fazer campanha depois de esfaqueado e de duas grandes cirurgias. Não pode se atirar nos “braços do povo” como faz há tempos em aeroportos e centros de cidades, não pode nem ao menos gravar vídeos para a propaganda eleitoral e não tem prazo para voltar à atividade política. Pior: sem o comandante, a tropa bate cabeça e seu vice, general Hamilton Mourão, já quer assumir o controle.

No lado oposto, Haddad (PT) vira o novo fenômeno de 2018 e enfrenta dois problemas. Um é ter de falar no ex-presidente Lula de manhã, de tarde, de noite e de madrugada, aumentando a percepção de que seria uma marionete de Lula, uma escada para a volta do próprio Lula à Presidência. O outro problema é que todos os candidatos batiam em Geraldo Alckmin (PSDB), mas agora desviam suas baterias para Haddad. E a artilharia mais pesada é justamente a forte rejeição ao PT em boa parte da sociedade.

Atropelado por Haddad, Ciro Gomes (PDT) deve recuar para o terceiro lugar já na próxima rodada. Seu desafio é bater em Haddad – para manter sua posição, sobretudo no Nordeste –, sem atingir Lula, de quem pretende herdar votos de esquerda em todas as regiões. Ou seja, tem de bater em Haddad, mas endeusando Lula. O segundo problema de Ciro é... ele mesmo. Como pretende negociar reformas, programas e o bem do País com Congresso, opinião pública, empresários, trabalhadores e mídia, com seu temperamento explosivo? Numa hora, simpatia; na outra, destempero.

Alckmin precisa reverter a postura autodestrutiva dos tucanos, que persegue sua candidatura dia a dia, mês a mês, há mais de um ano, e acaba de gerar a entrevista do ex-presidente do PSDB Tasso Jereissati, criticando o passado, o presente e o futuro do PSDB. Numa hora dessas? Com aliados assim, e com um MP que manda prender e devassar governadores tucanos no auge da eleição, Alckmin não precisa de adversários. Mas ele conta com um efeito que ocorre em todas as eleições: a definição de voto de na reta final, nos últimos dias, até nas últimas horas. Esse movimento tende a ser pragmático, movido pela rejeição aos extremos e a favor do centro.

Marina Silva (Rede) reclama que, quando estava em segundo lugar, ninguém considerava um feito, mas bastou cair para o terceiro para já darem a sua candidatura como perdida, o que só intensifica a queda. O fato, porém, é que Marina tem um discurso poderoso, mas tem uma articulação política e partidária frágil e passa a sensação de que seria uma presidente fraca. Candidata forte, presidente fraca. Isso, que pesou decisivamente contra ela em 2010 (pelo PV) e 2014 (PSB), se repete em 2018. Com uma curiosidade (ou injustiça): ela tem a segunda maior rejeição. Por quê?

Há aflição e angústia também nas campanhas de Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e João Amoedo (Novo), que têm juntos 9% e, sem condições de virar o jogo e de vencer, cumprem o papel de derrotar um nome de centro e ajudar a polarização entre a extrema direita e a volta do PT. O mais prejudicado foi Alckmin, mas uma desistência dos três agora tenderia a favorecer Jair Bolsonaro, que, por ironia, é a melhor garantia de vitória de Haddad no segundo turno. Os ventos, portanto, sopram a favor do PT. Quem diria?

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'Jair Bolsonaro faz o mesmo que Hugo Chávez', Pérsio Arida

Renata Agostini

16/09/2018

 

 

Crítica. O economista Persio Arida afirma que a candidatura de Jair Bolsonaro é uma farsa, ao se apresentar como defensora de propostas liberais

“Paulo Guedes é um mitômano e criou falsa narrativa” - Persio Arida, coordenador do programa econômico do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB)

Coordenador do programa econômico de Geraldo Alckmin (PSDB), Persio Arida diz que o mercado está em autoengano ao acreditar que Paulo Guedes garantirá a linha liberal de um governo Jair Bolsonaro (PSL). “O presidente faz o que quer e não o que combinou com o economista. Quem tem a caneta manda”, disse ao Estado.

Ele critica a inexperiência de Guedes, a quem classifica de mitômano. “Ele nunca produziu um artigo de relevo. Nunca dedicou um minuto à vida pública, não faz ideia das dificuldades.”

Para Arida, a postura liberal de Bolsonaro é uma farsa e ele segue o mesmo roteiro de tradicionais líderes de esquerda latino-americanos ao acenar aos liberais nas eleições. “Hugo Chávez também mostrou-se amigável com o mercado em sua primeira eleição. Durou pouco.”

Sobre a estagnação de Alckmin nas pesquisas, avalia que a campanha precisa buscar a parcela que não quer os extremos de PT e Bolsonaro. Segundo ele, ambos são riscos à democracia.

 

Como fica a campanha diante do atentado a Bolsonaro e a confirmação do nome de Haddad?

Bolsonaro foi vítima de uma selvageria. O atentado tem de ser recriminado por todos. Agora, do ponto de vista político, ele está onde sempre esteve. Ele sempre comungou com a esquerda o viés estatizante e corporativo. Por isso, votou com a esquerda no passado, inclusive contra o Plano Real. Seguiu assim: votou contra o cadastro positivo, se declarou a favor da criação de municípios. Acabou de dizer que não privatizará Petrobrás, Banco do Brasil ou Caixa, pois são estratégicas, linguagem da esquerda. A virada em busca do discurso liberal está de acordo com o perfil dos candidatos tradicionais de esquerda.

 

Por quê?

Lula fez isso com a “Carta ao Povo Brasileiro” (que precedeu sua primeira eleição, em 2002 ). O tenente-coronel Hugo Chávez fez isso. Tal como Bolsonaro, mostrou-se amigável com o mercado financeiro em sua primeira eleição, disse que não tinha nada contra o FMI. Depois, convocou Constituinte e o resto da história é a tragédia que conhecemos. Esse movimento de Bolsonaro é o padrão normal latino-americano. Ele é um engodo liberal.

 

Paulo Guedes não é o fiador dessa proposta liberal?

Paulo Guedes é mitômano, criou falsa narrativa pela qual PSDB e PT são iguais e que tudo no Brasil foi errado porque ele e os liberais nunca estiveram no poder. Ele nunca escreveu um artigo acadêmico de relevo, tornou-se um pregador liberal. Falar é fácil, fazer é muito mais difícil. Nunca faltaram bons economistas liberais no Brasil. O problema sempre foi a falta de políticos com essas convicções. Se economista liberal resolvesse, o governo Dilma tinha sido um sucesso: Joaquim Levy, também da Universidade de Chicago e, ao contrário de Guedes, com enorme experiência prévia, foi nomeado para a Fazenda. O presidente faz o que quer e não o que combinou com o economista. Quem tem a caneta manda.

 

Guedes argumenta que se demorou a entender a necessidade de conter o gasto público.

Ele nunca dedicou um minuto à vida pública, não tem noção das dificuldades. Partiu para uma campanha de difamação que é de um grau de incivilidade que não se vê em outro assessor econômico. Pegar um episódio de 1995 quando saí do Banco Central e usá-lo para fins difamatórios, falando mentiras, mostra o caráter dele (segundo a revista Piauí, Guedes tem dito em reuniões com investidores que Arida deixou o BC por ter vazado informações, o que Arida rechaça). Ele está cego de ressentimento, ódio e inveja: difama todos que discordam de suas ideias.

 

Como ele em Bolsonaro, o sr. não está confiando em Alckmin?

Alckmin já fez ajuste fiscal em São Paulo. É diferente de acreditar em alguém que se “converteu”. O Brasil precisa de reformas que demandam emendas constitucionais e aprovação de leis. Sem articulação política, não se conseguirá. Há duas opções: fazer acordo com “centrão” antes ou depois das eleições. A ideia da antipolítica, de que não vai fazer acordo com ninguém, é enganação.

 

O fato é que Bolsonaro segue subindo nas pesquisas. Alckmin, não.

A indignação criada com a Lava Jato e os 13 milhões de desempregados geraram no País a busca por alguém que resolva os problemas do dia para a noite. Todo sonho messiânico é poderoso e irrealista. Ele aparece no Bolsonaro e no Lula.

 

Alckmin ficou sem espaço?

Há parcela significativa da população que não quer extremos e não se ilude com essas retóricas. São eles que a campanha tem de chamar para si.

 

Bolsonaro e PT são a mesma coisa?

No PT, há um líder carismático latino-americano tradicional que é o Lula, o Perón brasileiro. As pessoas se enganam com o primeiro governo dele. Era o Lula com medo da instabilidade econômica. Quando não caiu com o mensalão e se reelegeu, ele deixou de ter medo. O verdadeiro Lula é o do segundo governo e o que nomeou Dilma. O que é Fernando Haddad ninguém sabe. As ideias que vinha pronunciando como assessor são ruins: controle social da mídia, tributação de spread bancário. Continuar a herança do Lula é o caminho para o Brasil se perder.

 

O diagnóstico econômico de Paulo Guedes não é correto?

Falar de sistema de capitalização na Previdência é irresponsabilidade fiscal. Ele não demonstrou como fazer. Tal como outros, não achei o um trilhão a ser obtido com a venda de estatais. Não se entende tampouco como acabar com o déficit público em um ano.

 

Tasso Jereissati disse ao que o PSDB paga agora por “erros memoráveis”. Concorda?

Concordo com observações de Tasso. Mas não sou filiado do PSDB, nunca tive vida partidária. Importante lembrar que Alckmin foi contra o PSDB ter cargos no governo Temer. A postura dele foi de apoiar as reformas que o País precisa.

 

Qual candidatura rival representa o maior risco ao País?

Bolsonaro é um risco à democracia. No passado, várias vezes falou em fechar o Congresso. A vocação totalitária está clara. Alguém que diz que seu livro de cabeceira é do Coronel Ustra empreende uma tentativa de revisão da ditadura como algo positivo, o que é um risco. Conheci Ustra. Fui preso, passei noites ouvindo os gritos das torturas que aconteciam. O revisionismo que se tenta fazer hoje é arrepiante. É exatamente o revisionismo na Alemanha de quem tenta dizer que nunca houve holocausto.

 

Bolsonaro é o maior risco?

Se Haddad de fato for o Lula, é um risco também. Alguém que incita o povo contra a Justiça, procura fazer o descrédito da Justiça e ataca as instituições é um risco à democracia, sim.

 

Revisionismo

“A vocação totalitária está muito clara em sua trajetória (de Bolsonaro). Alguém que diz que seu livro de cabeceira é o do Coronel Ustra está empreendendo uma tentativa de revisão da ditadura como algo positivo, o que é um risco.”

“Paulo Guedes é mitômano, criou falsa narrativa pela qual PSDB e PT são iguais e que tudo no Brasil foi errado porque ele e os liberais nunca estiveram no poder. Ele nunca escreveu um artigo acadêmico de relevo, tornou-se um pregador liberal. Falar é fácil, fazer é muito mais difícil. Nunca faltaram bons economistas liberais no Brasil.”