O globo, n. 31078, 08/09/2018. País, p. 8

 

A corrida contra o tempo, e as 16 horas de tensão

Marco Grillo

08/09/2018

 

 

Atendimento rápido, em menos de 15 minutos após a facada, foi decisivo para permitir a cirurgia e a estabilização de Bolsonaro; equipe com cerca de dez pessoas participou de intervenção em presidenciável, que durou cerca de duas horas e meia

Em lesões que provocam hemorragia interna de grande volume, o tempo costuma ser um fator ainda mais decisivo para a salvação do paciente. Ter sofrido o ataque perto de um hospital bem estruturado como a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (MG) foi fundamental para que Jair Bolsonaro fosse recuperado. Ele deu entrada às 15h50 de quinta-feira, menos de 15 minutos depois do golpe desferido por seu agressor. O local do ataque, a esquina das ruas Halfed e Batista de Oliveira, centro comercial da cidade, fica a 1,3 quilômetro da Santa Casa. Lá, o presidenciável passou 16 horas de apreensão e intervenções médicas que determinaram sua sobrevivência, até ser transferido para São Paulo na manhã de ontem. A primeira medida foi fazer a estabilização do paciente, com punção de soro na corrente sanguínea. Bolsonaro chegou ao hospital em estado de choque, a pressão baixou a oito por quatro. Levado à sala de urgência, os exames de ultrassom e tomografia apontaram sangramento abundante no abdômen e a necessidade de cirurgia imediata. As imagens deixaram a suspeita de lesões no intestino e no fígado, mas ainda não era possível um diagnóstico conclusivo. Enquanto ele passava pela avaliação, as salas do centro cirúrgico e do CTI já estavam sendo preparadas. A lesão no intestino foi confirmada na mesa de operação, mas não houve dano ao fígado. Quatro cirurgiões participaram da intervenção, e havia ainda outros três na retaguarda. Ao todo, a equipe que atendia o presidenciável tinha em torno de dez pessoas. Após a incisão que abriu o abdômen, a primeira providência foi estancar o sangramento —o que de fato colocava sua vida em risco. A facada perfurou um ramo da veia mesentérica, o que fez com que ele perdesse de dois a dois litros e meio de sangue (em torno de 40% do sangue do corpo). Suturado o rompimento na veia, o procedimento adotado foi o que no jargão médico é chamado de “inventário da cavidade”, que consistiu na avaliação de toda a região abdominal em busca de outras lesões. Foram identificadas três lesões no intestino delgado e uma quarta, mais grave, no intestino grosso, no cólon transverso.

Este ferimento é chamado de corto-contuso, porque é uma lesão em que há um corte e a área também fica um pouco macerada. Foi feita uma secção nesse pedaço do cólon, em torno de dez centímetros, e os médicos decidiram não fechar o cólon, mas fazer a colostomia (ligação do intestino a uma bolsa externa ao corpo para eliminação de gases e fezes). Com o corte, houve contaminação com fezes da cavidade abdominal, aumentando as chances de uma infecção. Bolsonaro deve ficar de dois a três meses com essa bolsa de colostomia.

Sem intercorrências

A cirurgia levou entre duas horas e duas horas e meia. Não houve intercorrências e o roteiro previsto pelos médicos se concretizou sem maiores sustos. O presidente da Santa Casa e uma médica informaram que não houve parada cardíaca, com o paciente estável ao longo do processo. Paulo Gonçalves de Oliveira Júnior, cirurgião vascular chamado às pressas para atender o presidenciável, resumiria a apreensão em mensagem enviada à noite para colegas, e noticiada ontem pela revista “Piauí”: “Estou muito aliviado. Foi muito tenso. Quando cheguei, estava chocado, a lesão venosa estava destamponada, com muito sangue na cavidade tributária calibrosa da mesentérica superior. Talvez a cólica média junto a mesentérica superior. Lesão grande de cólon transverso com fezes livres na cavidade, quatro lesões de delgado, várias lesões linfáticas. Está estável e entubado no CTI.”

Do lado de fora da sala, policiais federais que faziam a escolta do candidato aguardavam ansiosos. De familiar, só estava o filho Carlos, vereador no Rio e uma das pessoas mais próximas do presidenciável na campanha. Ele e os assessores não se envolveram tanto nas decisões de momento, mas a sensação na equipe médica era de que o entorno de Bolsonaro não imaginava um quadro tão grave. Momentos depois da facada, o filho Flávio chegou a afirmar em redes sociais que havia sido uma facada “superficial”, o que não se confirmou.

O corte não fez um buraco grande na pele, por isso não houve sangramento visível, explicaram os médicos. Depois da cirurgia, ele foi levado ao CTI, no 13º andar. A partir daí, começou a segunda parte da recuperação. Havia a decisão de transferir o candidato para um hospital de ponta de São Paulo. Uma equipe do Sírio e Libanês chegou à Santa Casa para avaliar Bolsonaro. Ao mesmo tempo, o filho Eduardo, deputado federal por São Paulo, acionou a vinda a Juiz de Fora de médicos do Albert Einstein, que acabou sendo o destino escolhido. Uma reavaliação às 7h de ontem confirmou o bom funcionamento cardíaco, pulmonar e dos rins. Às 8h20m, o capitão deixou a Santa Casa rumo a São Paulo.

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Candidato perdeu 40% do sangue antes de ser operado

Bruno Abbud

Marco Grillo

08/09/2018

 

 

O próprio Bolsonaro participou da escolha do hospital para onde foi em SP

“Ele passou a noite muito tranquilo, dentro do esperado em uma cirurgia desse porte e manteve-se hemodinamicamente estável. Houve a condição segura para essa transferência, ele está muito bem”

Eunice Dantas, médica da Santa Casa de Juiz de Fora

Quando deu entrada no hospital, menos de 15 minutos depois de ter sido esfaqueado, Jair Bolsonaro estava em choque, com a pressão a oito por quatro. Perdeu 2,5 litros de sangue. A operação que salvou sua vida foi conduzida por quatro cirurgiões. Adiretora médica e técnica da Santa Casa de Juiz de Fora, Eunice Dantas, informou ontem que Jair Bolsonaro perdeu em torno de 40% do sangue do corpo em função da facada que levou durante ato de campanha na cidade mineira. A perfuração atingiu uma veia abdominal, causando hemorragia interna de grande volume até que o rompimento fosse suturado. O candidato do PSL à Presidência, que foi transferido para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, na manhã de ontem, precisou receber quatro bolsas de sangue em transfusão.

—Ele perdeu 40% do sangue do corpo, cerca de 2 a 2,5 litros. A pressão dele estava a oito por quatro quando eu vi e começou a receber a transfusão — explicou a médica.

Depois da cirurgia, segundo a diretora da Santa Casa, o político passou a noite sem sobressaltos. Além dos filhos Carlos e Flávio, Bolsonaro recebeu a visita de vários aliados, como o senador Magno Malta (PR-ES). Cinco médicos vindos de hospitais de ponta de São Paulo —dois do Albert Einstein e três do Sírio-Libanês —, além da equipe da Santa Casa, acompanharam o candidato durante a madrugada. As primeiras horas após a cirurgia eram consideradas muito importantes pelo risco de apresentar infecções após a cirurgia delicada na região abdominal. — Ele passou a noite muito tranquilo, dentro do esperado em uma cirurgia desse porte e manteve-se hemodinamicamente estável. Houve a condição segura para essa transferência, ele está hemodinamicamente muito bem — disse Eunice.

Segundo Eunice Dantas, Bolsonaro participou pessoalmente da escolha do hospital para o qual seria transferido, em conversas com os filhos. O parlamentar foi transferido para o hospital Albert Einstein, em São Paulo, por volta das 8h20 de ontem.

Ele foi em uma UTI móvel particular até o aeroporto da Serrinha, em Juiz de Fora, de onde seguiu de jatinho para o hospital de São Paulo. Segundo os médicos Bolsonaro ainda não tem previsão de alta, mas a estimativa de médicos é que o período de internação não seja inferior a dez dias.