O globo, n. 31129, 29/10/2018. País, p. 11

 

‘Se depender de mim, PT nunca mais’, diz Ciro

Thays Lavor

29/10/2018

 

 

Depois de anunciar apoio crítico a Haddad e viajar para a Europa, o candidato derrotado do PDT afirmou ontem que não queria fazer campanha para o partido; ele prepara nova candidatura ao Palácio do Planalto para 2022

Um dia após dizer em vídeo divulgado nas redes sociais que não tomaria lado no segundo turno das eleições , o candidato derrotado do PDT, Ciro Gomes, afirmou ontem que nunca mais pretende fazer campanha com o PT.

— Eu não estou neutro. Desde a primeira hora eu tomei posição. Só não quero fazer campanha com o PT, nunca mais — disse ele, depois de votar em Fortaleza.

Sobre sua decisão de viajar para a Europa durante quase todo o segundo turno, o pedetista, que teve 13 milhões de votos e ficou em terceiro lugar, respondeu:

—A quem eu estou devendo essa presença?

Logo depois do resultado do primeiro turno, Ciro indicou voto contra Jair Bolsonaro (PSL) — “Ele não, sem dúvida”. Mas dias depois declarou apenas “apoio crítico” a Fernando Haddad (PT) e viajou para a Europa.

Na oposição

Ontem, Ciro afirmou ter compromisso com a democracia e as liberdades. Ele disse ainda que seria oposição, independente do resultado das urnas:

—Se depender de mim, PT nunca mais. Meu caminho é o de fazer oposição, temos que desarmar essa bomba odienta que se instalou no país, essa polarização. Fez com que o Brasil parasse.

Indagado se esse posicionamento seria uma estratégia com vistas a 2022, Ciro disse que ainda precisa descansar antes de pensar em uma próxima candidatura. Seu irmão, o senador eleito Cid Gomes, já o lançou para o Palácio do Planalto na próxima eleição.

Mais cedo, Fernando Haddad demonstrou contrariedade com o posicionamento de Ciro.

— Vamos olhar para os brasileiros que tiveram, num momento difícil da vida nacional, uma postura de honradez defendendo o Brasil e a democracia —afirmou o candidato do PT, ao ser perguntado se o apoio de Ciro poderia lhe ajudar a conquistar votos.

A candidatura de Ciro sofreu um forte baque quando o PT decidiu retirar a pré-candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco para evitar que o PSB fechasse uma aliança nacional com o PDT. Com a saída dela, o governador Paulo Câmara (PSB), que conseguiu a reeleição, ficou com o caminho livre. A articulação foi comandada pelo ex-presidente Lula, que está preso em Curitiba, e deixou Ciro isolado.

Na noite da última sexta-feira, quando o pedetista voltou da Europa, o clima entre os apoiadores que o aguardavam no aeroporto era de campanha para uma nova disputa pelo Planalto.

O posicionamento do pedetista dividiu seu entorno. Seu irmão Cid foi a favor da cisão com o PT, enquanto o presidente do PDT, Carlos Lupi, defendia o apoio a Haddad, argumentando que Jair Bolsonaro (PSL) respresentava um risco à democracia.

— Claro que todo mundo preferia que eu, com meu estilo, tomasse um lado e participasse da campanha, mas eu não quero fazer isso por uma razão muito prática que eu não quero dizer agora. Porque, se eu não posso ajudar, atrapalhar é que eu não quero — disse Ciro, no vídeo divulgado anteontem.

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Derrota petista abre nova disputa na esquerda

29/10/2018

 

 

PDT e PSB trabalham juntos para assumir o protagonismo desse campo e enfraquecer PT

Depois de 30 anos de PT no principal da esquerda, partidos como PDT e PSB apostam que a eleição de Jair Bolsonaro (PSL) abrirá espaço para um novo desenho desse campo político no Congresso. Eles querem deixar a órbita petista e se tornar protagonistas na oposição ao capitão da reserva. Para isso, já começaram a articular a formação de um bloco.

Em contraponto, o PT prega que, apesar da derrota na eleição presidencial e da perda de força nos últimos anos, com o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de seu maior líder, Luiz Inácio Lula da Silva, saiu capitalizado com os votos de Fernando Haddad e a eleição da maior bancada da Câmara.

Juntos, PDT e PSB somam 60 deputados federais eleitos e superam a bancada petista, que, por ora, é a maior da Câmara, com 56 parlamentares.

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O baixo clero sobe a rampa

Bernardo Mello Franco

29/10/2018

 

 

Na primeira aparição como presidente eleito, JairBol sonar o fechou os olhos, baixou a cabeça e fez silêncio para ouvir apalavra de Magno Malta. De camiseta amarela e relógio de ouro no pulso, o dublê de senador e cantor gospel festejou a vitória de “um cristão verdadeiro, um patriota”. “Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sema mão de Deus”, celebrou.

O tom de pregação também marcou o discurso de Bolson aro. Ele começou citando uma passagem bíblica :“Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará ”. Depois agradeceu as orações de eleitores e definiu sua chegada à Presidência como “uma missão de Deus”.

Foram sinalizações claras ao eleitorado evangélico, que impulsionou sua vitória. No Ibope de sábado, ele ostentava 27 pontos de vantagem neste segmento religioso. Entre os católicos, Fernando Haddad aparecia dois pontos à frente.

Sete dias depois de ameaçar os opositores coma cadeia ou o exílio, o presidente eleito tentou se reapresentar como conciliador. No discurso lido, prometeu um governo“defensor da Constituição, da democracia e da liberdade ”.“Nãoéa palavra vã de um homem. É um juramento a Deus”, disse.

Em outro momento, ele afagou as Forças Armadas com uma homenagem ao comandante da tropa na Guerra do Paraguai. “Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro. Vamos pacificar o Brasil”, afirmou.

Antes de surgir diante das câmeras, Bolsonaro saudou os seguidores em seu ambiente favorito: as redes sociais. Mais à vontade, definiu seus eleitores como “integrantes de um grande exército que sabia para onde o Brasil estava marchando e clamava por mudanças”.

Na fala de improviso, o presidente eleito voltou a soar como o candidato em campanha. Atacou a “grande mídia”, prometeu combater o “comunismo” e acenou aos velhos companheiros do Congresso. “Todos os nossos compromissos serão cumpridos com as variadas bancadas”, disse.

A frase é uma senha de que Bolson aro encampará as agendas dos ruralistas, da frente evangélica ed abancada da bala. O capitão construiu sua carreira no chamado baixo clero, esnobado por seguidos governos. Agora a turma vai subira rampado Planalto a seu lado.