O globo, n.31158 , 27/11/2018. País, p.4

Toma lá, da cá

Carolina Brígido

Letícia Fernandes

Karla Gamba

 

 

O presidente Michel Temer sancionou ontem o projeto aprovado pelo Senado há 20 dias que reajusta em 16,38% os salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão eleva de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil o vencimento dos magistrados. Também ontem, o ministro Luiz Fux revogou a liminar que havia concedido em favor do pagamento do auxílio-moradia a juízes de todo o país.

Referência para outras carreiras do Judiciário, o aumento dos ministros do Supremo provocará um efeito cascata na folha de pagamentos de outras categorias de servidores da União e dos estados. O impacto estimado é de cerca de R$ 4 bilhões ao ano. Para convencer o presidente a sancionar a matéria, Fux e o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, prometeram acabar com o auxílio-moradia da forma como é hoje. A ideia da Corte é conceder o benefício apenas a juízes que não possuem residência própria no local de atuação.

Há duas semanas, durante uma reunião com Temer no Palácio do Jaburu, a decisão judicial de Fux foi dada como contrapartida ao presidente para que ele sancionasse o reajuste. Ao revogar a liminar ontem, o ministro consignou no despacho que a decisão de acabar com o benefício só entrará em vigor em janeiro de 2019, quando o reajuste dos salários passar a valer.

Apesar do acordo, levantamentos da Consultoria de Orçamento do Senado, revelados pelo GLOBO no começo do mês, mostraram que a suspensão do auxílio — no valor de R$ 4.377 —geraria uma economia anual de cerca de R$ 333 milhões aos cofres da União, enquanto o aumento para juízes federais provocará um rombo de R$ 717 milhões.

A limitação do auxíliomoradia se aplica ao Judiciário, ao Ministério Público, às Defensorias Públicas, aos Tribunais de Contas e a “qualquer outra carreira jurídica”. Ou seja, a decisão também respinga nos outros Poderes.

Os Tribunais de Contas são órgãos do Legislativo. E, quando menciona outras carreiras jurídicas, Fux pode atingir, também, a Advocacia-Geral da União (AGU), que é do Executivo. Outros setores do Legislativo e do Executivo poderão continuar pagando o benefício.

A liminar que concedia o auxílio-moradia a todos os juízes do Brasil tinha sido concedida pelo próprio Fux em 2014, com o argumento que o benefício estava previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman). Na decisão de hoje, o ministro ressalta que o benefício é justo —no entanto, para tomar uma decisão, o magistrado precisa levar em conta a situação econômica do país.

“Numa análise pragmática, não há como escapar da impossibilidade, no momento, das carreiras jurídicas afetadas pelo recente reajuste verem tutelado o pagamento do auxílio-moradia nos moldes assegurados pela liminar deferida e em acúmulo com a recomposição salarial. No atual estado das coisas, impõe-se ao Poder Judiciário o estabelecimento de parâmetros que assegurem o ajuste fiscal das contas públicas”, escreveu.

E completou: “De fato, o equilíbrio e a ordem nas contas estatais são imprescindíveis para assegurar a continuidade de serviços públicos dignos a gerações futuras, sem desprezar a imperiosa necessidade de observância do princípio eficiência e da economicidade que impõem a modificação do resultado destas ações originárias como medida indispensável à satisfação dos interesses sociais”.

 

“VALORAÇÕES MUTÁVEIS”

Para justificar ter mudado sua própria decisão depois de quatro anos, Fux afirmou que a interpretação constitucional deve levar em conta o cenário político do país. “O Poder Judiciário deve, sempre que possível, proferir decisões ou modificar as já existentes para que produzam um resultado prático razoável e de viável cumprimento”, escreveu.

“A Constituição é um documento vivo, em constante processo de significação e de ressignificação, cujo conteúdo se concretiza a partir das valorações atribuídas pela cultura política a que ela pretende ser responsiva. Por sua vez, tais valorações são mutáveis, consoante às circunstâncias políticas, sociais e econômicas, o que repercute diretamente no modo como o juiz traduz os conflitos do plano prático para o plano jurídico, e viceversa”, concluiu.

Ao sancionar o reajuste, Temer ignorou seguidas manifestações do seu sucessor, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, que herdará um rombo nas contas públicas, agora agravado pelo reajuste. Há duas semanas, ao ser questionado se apelaria ao atual presidente para que vetasse o reajuste, Bolsonaro disse não precisaria fazer “apelos” porque Temer era “responsável” para decidir.

— Ele é uma pessoa responsável. Não precisa de apelo. Ele sabe o que tem que fazer. Se vai fazer, compete a ele —afirmou o presidente eleito Bolsonaro.

 

“Não há como escapar da impossibilidade, no momento, das carreiras jurídicas afetadas pelo recente reajuste verem tutelado o pagamento do auxílio-moradia nos moldes assegurados pela liminar deferida e em acúmulo com a recomposição salarial”

Luiz Fux, ministro do Supremo