O globo, n. 31157, 26/11/2018. País, p. 7

 

Aumento do STF é um erro, mas juízes são temidos

Míriam Leitão

26/11/2018

 

 

O presidente Michel Temer deve tomar no começo desta semana a decisão sobre o aumento dos ministros do Supremo Tribunal Federal e do Ministério Público. Se ceder à pressão da maioria do Judiciário, o que está parecendo o mais provável a esta altura, cometerá um erro que vai repercutir nas contas do próximo governo, e nas dos estados. O argumento dos que defendem que ele sancione é o de que o aumento será compensado pelo fim do auxílio-moradia. Não é verdade. O auxílio moradia está na conta de custeio, o aumento é despesa de pessoal. Se for concedido, elevará o salário dos ministros, juízes e procuradores e vai reajustar também as pensões e aposentadorias do Judiciário. A equipe econômica recomendou o veto dizendo que é inconstitucional.

Na sexta-feira, a Associação dos Magistrados chegou a soltar uma nota comemorando a sanção. É que recebera a informação de uma pessoa próxima ao presidente Temer de que ele já havia assinado. Com a nota a favor, o Palácio recuou e o presidente se deu mais um tempo, este fim de semana, para pensar.

O reajuste elevaria de R$ 33.763 para R$ 39.293,32 o salário dos ministros do STF, uma alta de 16,4%. E isso produziria um efeito cascata que bate em todos os outros salários do Judiciário e, portanto, na conta de estados, mesmo aqueles que já estouraram seu limite de despesas com pessoal. Foi aprovado no STF, mas recebeu os votos contrários dos ministros Celso de Mello, Carmen Lúcia, Rosa Weber e Edson Fachin. O decano o chamou de “inoportuno” e “indevido”.

A Casa Civil recebeu pareceres dos ministérios da Fazenda e do Planejamento sugerindo que o presidente vete. O problema é que todo mundo morre de medo do Judiciário e nem os advogados do governo querem comprar briga. O argumento das áreas técnicas é que o reajuste fere a Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Tanto uma quanto a outra estabelecem que se deve observar o caráter permanente desse aumento e definir de onde sairá o recurso. E a LDO estabelece que a despesa tem que estar dentro das metas fiscais.

Auxílio-moradia em xeque

O que foi negociado informalmente entre o STF e o governo é que, quando o reajuste for sancionado, o ministro Luiz Fux cassaria a própria liminar que ampliou para todos os juízes o auxílio-moradia. Esse benefício originalmente era apenas para magistrados que estivessem em trabalho temporário em algum município distante do seu domicílio. Foi ampliado para todos —e independentemente da situação de cada um. A liminar nunca pôde ser discutida em plenário porque Fux não liberou. Quando o fez, no final do ano passado, a ministra Cármen Lúcia chegou a pautar, mas o ministro a recolheu.

Assim sendo, não se pode discutir o auxílio-moradia, que, por ter sido generalizado, é visto pela população como um abuso, uma mordomia. O que se tentou na negociação informal foi trocar uma coisa pela outra. Concede-se o aumento e elimina-se o auxílio. Há dois problemas: o auxílio como está não é aceitável, e um não compensa o outro. O impacto pode ser muito maior do que o calculado, porque se estenderá também aos inativos, e há casos de pensionistas e aposentados com rendas muito maiores do que o teto do funcionalismo, como se sabe.

O artigo 169 da Constituição diz que o aumento de salário só pode acontecer se estiver na LDO e houver dotação orçamentária. A LDO de 2019 diz em seu artigo 101 que não autoriza a concessão de aumentos. A dúvida de especialistas é se os artigos 15, 16 e 17 da LRF estão sendo observados. Esses artigos estabelecem os limites para aumento de despesas de caráter permanente. Além disso não se conhece o pensamento do TCU sobre o assunto.

Os estados estão em situação de penúria fiscal. Os de grande extensão territorial, como Pará e Minas, têm inúmeras comarcas sem juízes por falta de recursos para estabelecê-los. Alguns estados estão com atrasos de salários, mas quando atrasam o repasse dos duodécimos para o Judiciário, os juízes entram na Justiça e ganham o direito de sequestro de ativos.

Ninguém quer brigar com os juízes, principalmente num governo em que alguns líderes deverão responder a ações na primeira instância. Mas da área técnica veio a orientação para que o aumento seja vetado. Esse é o dilema no qual Temer ficou nesse fim de semana.

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Temer deve sancionar reajuste até quarta-feira

Carolina Brígido

Catarina Alencastro

26/11/2018

 

 

O presidente Michel Temer disse a interlocutores que vai sancionar até quarta-feira o reajuste salarial para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O percentual é de 16,38%, como foi aprovado no início do mês pelo Senado, e deve incidir nos contracheques de todos os juízes do país a partir de 2019.

Em troca, como ficou acertado entre a cúpula do Judiciário e o Palácio do Planalto, a Corte deve restringir o pagamento do auxílio-moradia dos magistrados, para compensar o impacto nos cofres públicos. Essa decisão deve ser tomada nos próximos dias e deverá entrar em vigor junto com o reajuste.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, conversou sobre o assunto na última terça-feira com o futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes. Toffoli apresentou argumentos para reforçar a necessidade do reajuste. O principal foi o de que diversas categorias do poder público receberam reposição salarial em 2016, mas o Judiciário ficou de fora. Por isso, teria salários defasados.

O presidente do STF garantiu a Guedes que o fim do auxílio-moradia vai compensar os gastos com a folha do Judiciário. A conversa ocorreu em um almoço oferecido pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha.

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Na pauta do STJ, um processo com mais de um século

Carolina Brígido

26/11/2018

 

 

Justiça vai decidir se descendentes da Princesa Isabel são donos do Palácio Guanabara, no mais antigo julgamento do país

Antiga dona do palácio, Princesa Isabel nunca se conformou em perder o imóvel

Em 1895, Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança Bourbon e Orleans, mais conhecida como Princesa Isabel, famosa por ter assinado a Lei Áurea, entrou com uma ação contra a União.

Começou assim a disputa judicial da família imperial brasileira pela posse e propriedade do Palácio Isabel, mais tarde rebatizado de Palácio Guanabara, a atual sede do governo do Estado do Rio, em Laranjeiras, bairro da Zona Sul. Passados 123 anos, o processo continua tramitando. A espera mais antiga por uma sentença judicial no país está prevista para amanhã, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Tanto tempo depois de iniciada a ação, os herdeiros da família imperial não querem mais o Palácio Guanabara de volta, mas sim uma indenização por seus antepassados terem sido expulsos de lá quando o Império foi substituído pela República. O valor dessa indenização, que pode gerar mais uma fatura para o Poder Público, só será calculado pela Justiça se os descendentes dos monarcas vencerem a briga.

Pela Constituição de 1824, o país concederia um dote a toda princesa da família imperial que se casasse. Quando a Princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, se casou com o Conde d’Eu, foi assinado um acordo no qual o governo brasileiro se comprometeu a pagar 300 contos de réis ao casal. Com esse dinheiro, o casal comprou, em 1865, prédios urbanos e uma chácara, situados na então Rua da Guanabara. Conde d’Eu e Princesa Isabel registraram a propriedade em escritura pública e passaram a morar lá. Em 1869, o casal comprou outras áreas próximas e o imóvel aumentou de tamanho. Nascia o Palácio Isabel.

Em 1889, quando foi proclamada a República, “o casal estava na posse do imóvel havia 24 anos”, de acordo com o processo. Os advogados alegam que a queda do Império não implicou na privação dos direitos civis da família imperial brasileira.

Dote de princesa

Mas um decreto incorporou à União “todos os bens que constituíam o dote ou patrimônio concedido por atos do extinto regime à exprincesa imperial”.

Após o decreto, Conde d’Eu e a Princesa Isabel se recusaram a deixar o palácio. Em maio de 1894, o Exército cercou o local e entrou à força no imóvel para despejar os moradores. No ano seguinte, a princesa entrou na Justiça para reaver o patrimônio.

Desde então, os herdeiros mantiveram o processo aberto. A causa chegou a ser considerada prescrita — ou seja, não poderia mais ser julgada, em função do grande intervalo de tempo passado. No entanto, em 1979, o extinto Tribunal Federal de Recursos reconheceu a ausência de prescrição, e os processos foram reabertos.

Antes de se tornar a sede do governo do estado, o Palácio Guanabara foi uma repartição militar. O prédio foi também a residência oficial dos presidentes da República entre 1926 e 1947. O imóvel chegou a ser a sede da prefeitura do Distrito Federal, e apenas em 1960 passou a ser sede do governo do Estado.