O globo, n. 31145, 14/11/2018. Economia, p. 19

 

Crise fiscal

Martha Beck

Manoel Ventura

14/11/2018

 

 

Catorze estados estouram limite de gastos com pessoal previsto em lei

Na véspera do encontro do presidente eleito Jair Bolsonaro com os novos governadores para discutir saídas para a crise nos estados, um relatório do Tesouro Nacional mostrou a gravidade do cenário das finanças regionais e a necessidade de uma reforma da Previdência. De acordo com o documento, 14 estados apresentam comprometimento de suas receitas com despesas de pessoal acima de 60%, que é o limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal. Entre eles estão Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O campeão é Minas Gerais. Do total de receitas, 79,18% estão comprometidos para pagar salários e aposentadorias dos seus servidores. Ele é seguido por Mato Grosso do Sul (76,77%), Rio Grande do Norte (72,07%), Rio de Janeiro (70,8%) e Rio Grande do Sul (69,14%).

Boa parte desse quadro é resultado do forte crescimento das despesas com servidores inativos. De acordo com o boletim, a maior parte dos governos regionais aumentou de forma expressiva seus gastos com inativos entre 2012 e 2017. Essas despesas avançaram sobre as receitas, que ficaram praticamente estagnadas no período, gerando rombos fiscais crescentes.

O total de servidores inativos cresceu, em média, 25% no período 2012 a 2017. No entanto, em seis estados, incluindo Bahia, Amazonas e Mato Grosso do Sul, e no Distrito Federal, essa taxa foi ainda maior: 30%. “O exercício de 2017 apresentou crescimento real da despesa bruta com pessoal para a maioria dos entes, impulsionado pela elevação do gasto com inativos. O caráter rígido dessa despesa, somado ao agravamento da situação previdenciária, dificulta a contenção das despesas para aqueles estados que já destinam boa parte de sua arrecadação para o pagamento de salários ou aposentadorias”.

O ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, já sinalizou que não há espaço para a União “salvar” os estados:

— Aprovamos a lei complementar 156, que alongou a dívida dos estados e deu um período de carência para pagamento, e aprovamos o regime de recuperação fiscal, que são condições especiais àqueles estados que estão numa situação mais crítica. Até o momento, só o Rio de Janeiro aderiu ao regime, e a contrapartida do estado que queira aderir a esse regime é controle de despesa, privatização e redução de benefícios tributários. Não temos nenhuma nova discussão sobre apoio financeiro a estados e municípios.

O boletim do Tesouro também faz um recorte da situação das aposentadorias especiais. Professores e policiais militares, que se aposentam mais cedo, têm um peso elevado na conta de pessoal e ainda geram a necessidade de mais contratações por parte dos governos estaduais, o que aumenta o desequilíbrio fiscal.

Em média, os professores são cerca de 50% dos inativos do Executivo, enquanto os militares compõem aproximadamente 15%. No entanto, em locais como Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, mais de 80% dos inativos correspondem às carreiras de pensões especiais de professores e militares.

Inativos impactam folha

O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) Gabriel Leal de Barros destaca que a Previdência é o principal problema dos estados e, sem uma reforma, não há como atingir um equilíbrio das contas. Ele lembra que alguns entes federativos também enfrentam problemas como endividamento elevado, o que agrava a crise fiscal.

— O problema da Previdência é disseminado, e os inativos impactam cada vez mais a folha. Até mesmo a Região Norte, que tem população mais jovem e onde a folha de inativos ainda não pesa tanto, vai sentir o impacto mais à frente sem uma reforma —afirma ele.

Leal destaca que não será fácil para o novo governo encontrar uma forma rápida de ajudar os governadores. Segundo ele, qualquer solução passará pela adoção de instrumentos eficientes de controle de despesas e de alterações em algumas vinculações, como a exigência de aplicar um percentual da arrecadação em saúde e educação.

— O Rio Grande do Sul e o Rio de Janeiro são os estados com a população mais velha e têm que gastar 25% da receita com educação. Só que esses lugares podem ter uma demanda na direção oposta. Essa regra acaba sendo prócíclica e contraproducente —diz o diretor do IFI.

O déficit previdenciário dos estados, de acordo com o documento, é de R$ 93,397 bilhões. Deste total, R$ 70 bilhões se referem ao regime dos servidores civis e R$ 24,35 bilhões, ao dos militares. No Rio, o rombo é de R$ 18,26 bilhões. Ele só fica atrás de São Paulo, onde o déficit é de R$ 19,4 bilhões.

Em 2017, os estados viram suas despesas crescerem mais que o total da arrecadação, o que fez ampliar ainda mais o rombo fiscal, que atingiu R$ 13,9 bilhões no agregado entre os entes. Em 2016, esse número ficou em R$ 2,8 bilhões.

O principal responsável pelo aumento do buraco fiscal dos estados é o gasto é com pessoal, entre ativos e inativos. “O caráter rígido dessa despesa, somado ao agravamento da situação previdenciária, dificulta a contenção das despesas para aqueles Estados que já destinam boa parte de sua arrecadação para o pagamento de salários ou aposentadorias”, diz o texto.

As despesas com o pagamento dos servidores públicos e aposentados cresceram R$ 25,4 bilhões e chegaram a R$ 402 bilhões em 2017, uma alta de 6,7%. Apenas o custo total dos estados com a Previdência dos seus servidores atingiu R$ 94 bilhões no ano passado. Um salto de 14% no rombo previdenciário.

“Tal crescimento é indício do problema da insustentabilidade dos regimes de previdência estaduais, tendo em vista o consumo cada vez maior de recursos financeiros, que poderiam estar sendo direcionados para atender e ampliar os serviços básicos exigidos pela sociedade”, alerta o Tesouro.

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Governadores devem sair da reunião sem soluções

Amanda Almeida

Mateus Coutinho

14/11/2018

 

 

Bolsonaro diz que estados querem dinheiro, mas pedidos de renegociação de dívida devem ser tratados com a equipe econômica

Os governadores eleitos em 2018 devem sair da reunião com o presidente eleito, Jair Bolsonaro, hoje, em Brasília, sem sinalizações de como o governo pretende lidar com as dificuldades financeiras enfrentadas pelos estados.

— O que eles querem eu também quero: dinheiro — disse Bolsonaro, ao confirmar presença no encontro.

Ele destacou que sua equipe não participou da organização do evento e que decidiu comparecer para não decepcionar os presentes. Bolsonaro diz que demandas dos estados, como renegociação de dívidas, devem ser tratadas com a equipe econômica, liderada por Paulo Guedes.

O futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que participará do encontro com Bolsonaro e Guedes, disse que o encontro servirá para um primeiro contato, sem anúncio de medidas que atendam ao pleito dos estados:

—É muito cedo (para conversar sobre ajuda aos estados). O governo federal precisa primeiro se reequilibrar. Vamos ser cuidadosos, atenciosos com os estados, mas existe um primeiro passo a ser dado. A dificuldade não é só dos governos estaduais, o governo federal passa por um dos piores momentos da história do Brasil.

O encontro foi planejado pelos governadores eleitos do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB); do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC); e de São Paulo, João Doria (PSDB). No início do mês, eles começaram a conversar sobre a possibilidade de elaborar ações conjuntas, especialmente na área da segurança pública.

As conversas avançaram, e os três decidiram convidar os outros governadores para a reunião, em Brasília. Além da segurança pública, ganhou desta quen apauta a difícil situação financeira dos estados.

Equipes de transição de diferentes governos têm procurado assessores de Bolsonaro para começara articulara renegociação da dívida com a União. É oca sode Romeu Z ema (Novo), de Minas Gerais, que está em estado de calamidade financeira.

No convite aos colegas, Ibaneis é apresentado como anfitrião do encontro, e Doria e Witzel como “coanfitriões”.

Desconfortáveis, governadores da oposição no Nordeste devem ter só um representante na reunião: o governador do Piauí, Wellington Dias (PT). Entre os eleitos pelo PT, PSB e PCdoB no Nordeste, a reunião é tratada como tentativa de Doria de se firmar como “líder” dos governadores em 2019. Eles argumentam que, como a reunião não foi convocada por Bolsonaro, não há necessidade institucional de ir.