O Estado de São Paulo, n. 45714, 15/12/2018. Notas e informações, p. A3

 

Não é tarefa do CNJ

15/12/2018

 

 

Logo após o presidente Michel Temer sancionar o projeto de lei que aumentou o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux revogou as liminares que estendiam o pagamento de auxíliomoradia aos magistrados e procuradores. No entanto, o que o relator das ações fez não foi apenas suspender os efeitos de suas decisões de 2014. Além de ter condicionado a interrupção do pagamento do auxíliomoradia ao efetivo “implemento financeiro no contracheque do subsídio majorado” – o que é um desrespeito à ordem jurídica e à própria autoridade da magistratura, dando a entender que o poder judicial pode ser usado em benefício da própria categoria –, o ministro remeteu a regulamentação da benesse da moradia ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

Determinou-se “remeter cópia da presente decisão ao CNJ e ao CNMP para regulamentarem a matéria sub judice, obedecida a presente decisão, vedada qualquer distinção entre os membros da Magistratura e do Ministério Público”. Ou seja, um ministro do Supremo, por decisão monocrática, alterou as competências do CNJ e do CNMP. Por óbvio, não cabe a tais órgãos regulamentar lei complementar.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman, Lei Complementar 35/79) prevê a possibilidade de conceder auxílio-moradia a magistrados. “Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens: ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do Magistrado”, lê-se no art. 65, caput e II.

O texto evidencia dois pontos. Trata-se de possibilidade, e não de obrigação, o pagamento do auxílio-moradia a juízes. E que essa possibilidade deverá ser regulada “nos termos da lei”, ou seja, o pagamento do auxílio-moradia depende de regulamentação por meio de uma lei ordinária, de competência do Congresso Nacional.

No entanto, o ministro Luiz Fux, monocraticamente, tirou o tema da alçada do Congresso e o encaminhou ao CNJ e ao CNMP. Além de desrespeitar o que a própria Loman determina, é uma afronta ao Estado Democrático de Direito dar, em decisão liminar, a dois órgãos de controle poderes de regulamentar lei complementar.

Criados pela Emenda Constitucional 45/2004, da reforma do Judiciário, o CNJ e o CNMP têm atribuições definidas pela Constituição. Por exemplo, a principal competência do CNJ é “o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes” (art. 103-B, § 4.º). Ou seja, seu papel é precisamente assegurar que a Justiça tenha uma atuação eficiente e dentro da lei, com o máximo de transparência.

Encaminhar a regulamentação do auxílio-moradia ao CNJ e ao CNMP subverte a própria natureza de controle desses órgãos. Eles não têm competência legislativa. Sua criação não representou uma ampliação dos poderes do Judiciário e do Ministério Público. Ao contrário, eles foram instituídos para que tanto a Justiça como o Ministério Público cumpram à risca o que lhes compete, sem extrapolar funções nem perpetuar privilégios.

Cada Poder é autônomo, dentro dos limites de suas respectivas competências constitucionais. No entanto, a autonomia não pode ser usada para burlar esses limites, pois, neste caso, já não haveria separação dos Poderes, e sim arbítrio. A autonomia de cada Poder também não pode ser argumento para a irresponsabilidade fiscal. São Três Poderes, mas é um único Tesouro, que é gerido pelo Executivo a partir de leis criadas pelo Legislativo. Não compete ao Judiciário, por exemplo, atribuir aumentos salariais. Por isso, foge do escopo da Justiça toda essa investida para determinar por conta própria seus vencimentos e benesses. Para alguns casos, a lei prevê a possibilidade de pagamento de auxílio-moradia a magistrados. Mas que ele seja feito rigorosamente dentro da lei. Não cabe ao CNJ nem ao CNMP arbitrar quando e quanto pagar de (...)