O globo, n. 31153, 22/11/2018. Sociedade, p. 27
Aposta na floresta
Elisa Martins
Renato Grandelle
22/11/2018
Fiscalização na Amazônia ajuda a reduzir emissões brasileiras de gases estufa
Um novo relatório divulgado ontem pelo Observatório do Clima mostrou que as emissões brasileiras de gases de efeito estufa caíram 2,3% em 2017 em relação ao ano anterior, passando de 2,119 bilhões para 2,071 bilhões de toneladas.
No campo. Operação do Ibama no Sul do Pará: fiscalização na Amazônia aumentou devido ao reforço orçamentário proporcionado por fundo internacional; especialistas apontam que desmatamento continua avançando no Cerrado
Um dos principais motivos para essa retração foi a fiscalização acirrada do Ibama sobre o desmatamento na Amazônia, que recuou 12% em apenas um ano. No Cerrado, porém, o resultado foi o oposto — a devastação aumentou quase 11%. Isso impediu uma queda ainda maior no índice total de emissões do país.
Ane Alencar, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e uma das autoras do documento, ressalta que a redução das emissões não foi tão baixa quanto se desejava:
—Ainda temos a maior taxa de desmatamento de florestas e de outros tipos de vegetação nativa no mundo.
Os primeiros sinais de recuperação da economia, após dois anos de recessão, provocaram um aumento nas emissões de outras áreas. Foi o que aconteceu, por exemplo, no setor de energia, sobretudo no transporte e na geração de eletricidade.
O setor de resíduos sólidos também viu as emissões crescerem com a retomada econômica. Para reduzi-las, deve-se investir na cobertura do saneamento básico, o que tem avançado em ritmo lento. O aumento do PIB fez o brasileiro consumir mais carne, o que fez o abate bovino crescer e inibiu as emissões ligadas à agropecuária.
—As emissões diminuíram sem que a renda do agronegócio caísse. Isso quer dizer que o crescimento econômico não impede a produtividade no campo — destaca Tasso Azevedo, coordenador técnico do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (Seeg), do Observatório do Clima. — Se aumentarmos o número de cabeças de gado por hectare, podemos pegar áreas de pastagem e usá-las na agricultura. Depois recuperamos as áreas degradadas e elas são novamente transformadas em florestas.
As mudanças de uso da terra correspondem a quase metade da liberação de poluentes do país. Nos últimos anos, a fiscalização da Amazônia, uma das áreas mais críticas, ganhou reforço.
—Entre 2015 e 2016, o Ibama conseguiu recompor parte do orçamento com recursos provenientes do Fundo Amazônia, cuja principal fonte é o governo norueguês. Precisamos continuar com esta fiscalização —reivindica Azevedo.
O coordenador do Seeg destaca que o agronegócio responde por 71% das emissões totais do país, se forem somadas a liberação indireta de poluentes, por desmatamento, e as diretas, principalmente pelo metano do rebanho bovino. Tamanha concentração em apenas um setor da economia pode trazer muitas oportunidades, assegura Azevedo:
—Não há nenhum país do mundo com tantas possibilidades para seguir a economia de baixo carbono. Temos o maior potencial de produção de energia solar, eólica e hídrica. As florestas e bacias hidrográficas contribuem para o cultivo agrícola. Investir nesses recursos é um bom negócio.
Membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo ressalta que a redução das emissões constatada no estudo ainda é insuficiente para impedir que o aumento da temperatura global permaneça em um nível considerado tolerável.
— Se as emissões mundiais não forem reduzidas, a previsão é que a temperatura do planeta aumente de seis a oito graus Celsius — alerta. —Limitar esse movimento requer uma transição sem precedentes em todas as áreas, como energia, urbanização, infraestrutura e indústria, mas principalmente na agricultura. E ainda não temos a resposta sobre como isso será feito.
Já o Brasil, segundo o Acordo de Paris, se comprometeu a reduzir, até 2025, as emissões de gases estufa em 37%, em relação aos níveis de 2005. Para Azevedo, o país deverá se esforçar para cumprir o que foi prometido:
— Estamos na marca do pênalti. Qualquer suspiro no desmatamento nos desviará da meta.
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Desmatamento caiu 28% em outubro, segundo Imazon
22/11/2018
Índice é resultado da comparação ao registrado no mesmo mês em 2017; há, porém, uma tendência de alta na devastação
O desmatamento da Amazônia caiu 28% em outubro de 2018, em relação ao mesmo período de 2017. Segundo o novo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), o bioma perdeu, no mês passado, 187 km² — em outubro de 2017, foram 261 km².
As áreas mais atingidas na Amazônia foram assentamentos (52%), seguidas por áreas privadas ou sob diversos estágios de posse (37%), unidades de conservação (8%) e terras indígenas (3%). O Pará foi o estado que registrou maior devastação (60% do total).
Coordenador do Programa de Monitoramento do Imazon, Carlos Souza alerta que, somando os três primeiros meses do calendário do desmatamento (agosto, setembro e outubro), a área desmatada equivale a 1.176 km², um aumento de 72% em relação ao mesmo período do calendário anterior.
— O desmatamento foi muito elevado em agosto e setembro deste ano, por razões que ainda não sabemos explicar. Então, os índices vistos em outubro são uma boa notícia, mas o sinal de alerta ainda está ligado — assinala o pesquisador. —Vinte por cento do território amazônico já foi convertido em áreas urbanas ou de agropecuária. Então, não devemos mais perder território. Precisamos de uma economia baseada em recursos florestais, regulada por leis rigorosas e políticas de recuperação de áreas improdutivas.