O globo, n. 31192, 31/12/2018. País, p. 6

 

Temer desiste de decreto de indulto a presos

Letícia Fernandes

31/12/2018

 

 

Presidente voltou atrás, depois de dizer que concederia beneficio. É a primeira vez desde a redemocratização que medida não é assinada. Bolsonaro, que assume amanhã, já anunciou que é contrário ao indulto

O presidente Michel Temer desistiu de editar o decreto de indulto de Natal a presos, medida inédita desde a redemocratização. Ele decidiu deixar a questão, que está sob a avaliação do STF, para o presidente eleito, Jair Bolsonaro, que assume amanhã e já afirmou ser contrário ao benefício. Para especialistas, a decisão reflete a politização do indulto, impedindo a adoção de uma política que permite anualmente a libertação de presos de baixa periculosidade que já cumpriram grande parte da pena e reduz a pressão nas superlotadas carceragens brasileiras. Depois de idas e vindas, o presidente Michel Temer recuou novamente e decidiu, ontem, que não vai editar o decreto de indulto de Natal, que concede perdão judicial a pessoas condenadas por crimes não violentos.

Esta será a primeira vez desde a redemocratização que um presidente não edita o decreto. Mesmo antes da Constituição de 1988 foram concedidos indultos coletivos a detentos em três ocasiões: em 1945, em 1960 e em 1982.

Segundo interlocutores próximos ao presidente, Temer achou por bem deixar a questão para ser resolvida pelo governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que assume na amanhã o cargo. Na prática, a decisão é um aceno ao novo presidente, que já vinha dizendo que, caso fosse concedido o indulto no fim deste ano, seria a última vez.

“Fui escolhido presidente do Brasil para atender aos anseios do povo brasileiro. Pegar pesado na questão da violência e criminalidade foi um dos nossos principais compromissos de campanha. Garanto a vocês, se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último’’, escreveu Bolsonaro no Twitter há cerca de um mês.

Inicialmente, Temer decidira não editar o decreto e usou como justificativa a indefinição do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema. O STF começou a julgar a questão, mas só vai se debruçar novamente sobre o tema depois do recesso do Judiciário, quando o emedebista não será mais presidente da República.

No ano passado, Temer editou um decreto que reduzia de forma expressiva a pena para que presos por crimes não violentos pudessem ser beneficiados pelo indulto. Ele reduziu para um quinto da pena o tempo mínimo para que presos por crimes não violentos pudessem receber o perdão judicial, o que gerou polêmica por ser considerado um salvo-conduto para presos condenados na Operação Lava-Jato.

Houve um pedido de vista do ministro Luiz Fux que paralisou o julgamento, quando boa parte dos ministros já havia se posicionado favorável ao decreto assinado em 2017.

No início da semana, a assessoria de Imprensa do Palácio do Planalto chegou a confirmar oficialmente que Temer não decretaria o indulto este ano. À noite, no entanto, diante de um apelo da Defensoria Pública da União (DPU), Temer voltou atrás e estava inclinado a assinar o texto.

No dia seguinte, o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, defendeu a existência do decreto e disse que ele é “tradição” no Brasil e que o sistema carcerário brasileiro é uma “panela de pressão”. Hoje, há quase 700 mil presos nas penitenciárias do país, e o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo.

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Uma tradição que amenizava a superlotação

Silvia Amorim

31/12/2018

 

 

Os indultos presidenciais têm sido editados desde a década de 40. Previsto na Constituição Federal de 1988, o indulto é uma prerrogativa do presidente cuja tradição no Brasil remonta aos tempos do Império. O instituto esteve presente em todas as constituições desde a Independência. A de 1824 conferia ao imperador o poder de perdoar ou moderar penas impostas aos réus condenados.

A professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e estudiosa do Judiciário brasileiro Maria Tereza Sadek explicou que não existem dados sistematizados sobre a quantidade de presos que são beneficiados a cada fim de ano pelo indulto presidencial. Mas, segundo ela, o recurso sempre provocou impacto no sentido de amenizar a superlotação dos presídios.

—Nosso sistema prisional é tão mal concebido, tem tanta superlotação que o indulto sempre ajuda. Ele resolve o problema? Não. Mas quando tira dos presídios pessoas que já cumpriram uma certa parcela da pena e que não cometeram crimes graves, não dá para negar que isso ajuda a reduzir a pressão —avaliou.

O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, explica que a essência desse recurso é corrigir eventuais distorções do sistema criminal. A ausência dele, na opinião do especialista, é prejudicial.

—Os indultos são instrumento fundamental de política criminal no Brasil e é um mecanismo de gestão que o presidente dispõe para lidar com eventuais distorções geradas no sistema de justiça criminal — afirmou Lima.

Maria Tereza também lamentou a falta do indulto este ano, que, para ela, é resultado de uma politização inadequada.

—A polêmica só existe porque se politizou o indulto presidencial e deuse uma abrangência excessiva a ele. Quando ele não beneficiava criminosos de colarinho branco ninguém discutia como agora a concessão do benefício —disse.