Correio braziliense, n. 20234, 14/10/2019. Brasil, p. 8

 

Tarefa urgente de reduzir a desigualdade

Gabriela Vinhal e Bruno Santa Rita

14/10/2019

 

 

ELEIÇÕES 2018 »Próximo presidente terá o desafio de conter o ciclo crescente da pobreza. Estudo do Ipea aponta que, entre 29 países pesquisados, o Brasil é o quinto com a pior distribuição: o 1% mais rico fica com até 23% da renda total

Acampada às margens do Eixão Norte, na altura da 102, Edjaine Loiala, de 37 anos, vive com doações que recebe das pessoas que passam para ajudar. “É com isso que a gente consegue viver. Tem roupa, comida”, explicou. Para cumprir com as necessidades básicas, ela lava e vigia carros nos estacionamentos no centro de Brasília, no Plano Piloto. “Com o dinheiro, dá para comprar só o essencial para sobreviver”, disse. Edjaine está em situação de rua há três anos, mas tem expectativa de, em breve, melhorar de vida. “Eu não vou sair da minha cidade. Quero ter uma oportunidade aqui”, declarou.

Assim como Edjaine, há mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas do país, segundo o último levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Dividem espaço, inclusive, com pessoas de alta renda. Em 2019, o próximo presidente escolhido nas urnas terá de conter o maior ciclo de crescimento das desigualdades sociais do país. Entre o fim de 2014 e o terceiro trimestre deste ano, o índice Gini passou de 0,5636 para 0,5915, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Quanto mais próximo de 1, pior a desigualdade. Visivelmente, a pobreza atinge tanto os grandes centros urbanos quanto as periferias.

Segundo dados mais recentes, divulgado por um estudo do Ipea, o Brasil é o quinto país com mais desigualdade do mundo. O levantamento analisou 29 países — entre desenvolvidos e em desenvolvimento — e mostrou que a parcela mais rica da população brasileira recebe mais de 15% da renda nacional. O 1% mais rico do Brasil concentra entre 22% e 23% do total da renda do país, nível bem acima da média internacional. A proporção do total da renda recebida pelo 1% mais rico da população ficou entre 5% e 15% em 24 dos 29 países analisados, um grupo heterogêneo que inclui Holanda e Uruguai. Junto com o Brasil, onde a concentração da renda nas mãos do 1% mais rico é o dobro da média geral, estão África do Sul, Argentina, Colômbia e Estados Unidos.

O pernambucano Valdecir Henrique de Santos, de 48 anos, vive nas ruas há 18. “Desde que perdi meu emprego como vigia de condomínio no Lago Sul, tive que ir para as ruas”, explicou. Hoje, ele mora acampado em um campo próximo à 907 Norte, a poucos metros de uma universidade particular de elite. “Eu trabalhava no lixão da Estrutural. Quando fechou, vim para a Asa Norte. Tem muita gente rica aqui. Conseguimos doações e pego muito lixo para reciclar e trocar em dinheiro”, explicou. Ele lamenta a dificuldade de achar emprego. “Nunca tem vaga, nunca tem espaço para a gente”, reclamou.

“Vizinho” de Valdecir, Jeferson Matos da Silva, de 22 anos, também se encontra em situação de rua. Com machucados nas mãos e nas pernas, ele cata papelão, latinhas e tudo que pode reciclar. “É com isso que eu vivo. Sobra muito pouco para mim, porque também pago pensão para as minhas três filhas que moram com a minha ex-mulher”, contou. A vontade dele é ter uma casa fixa para morar, onde ele possa construir uma nova família. “Aquela família, eu já perdi. Agora é tentar de novo. Já entreguei mais de 100 currículos, mas, até agora, nada”, disse.

O pesquisador Marcelo Neri, da FGV Social, afirma que, para conter a desigualdade, é preciso que o país invista em igualdade de possibilidades — não apenas em transferir renda, mas em políticas ligadas ao trabalho, à saúde e à educação. “O Bolsa Família custa apenas 0,5% do PIB do país, enquanto a Previdência custa 13%. Nos últimos 30 anos, o Brasil fez muito em termos de pobreza e extrema pobreza, mas voltou a aumentar a partir de 2014”, apontou.

Segundo Neri, além de projetos sociais, é preciso levar educação de qualidade a essa parcela da população. “Eu defendo muito a educação, dado o quadro fiscal. A reforma da Previdência é fundamental, mas deve ser muito aprimorada, para preservar melhor os mais pobres. Com a crise financeira, o Estado tem que pensar não só em dar mais governo e mais mercado às pessoas. Mas também políticas de empreendedorismo, microcrédito e políticas na esfera público-privada”.

* Estagiário sob supervisão de Roberto Fonseca

 

Frase

"O Bolsa Família custa apenas 0,5% do PIB do país, enquanto a Previdência custa 13%. Nos últimos 30 anos, o Brasil fez muito em termos de pobreza e extrema pobreza, mas voltou a aumentar a partir de 2014”

Marcelo Neri, pesquisador do FGV Social