Correio braziliense, n. 20234, 14/10/2019. Mundo, p. 14

 

Pêndulo contra Trump

Rodrigo Craveiro

14/10/2019

 

 

ESTADOS UNIDOS» A pouco mais de três semanas das eleições legislativas, cientistas políticos projetam perda da maioria republicana na Câmara dos Representantes, veem riscos para a governabilidade, mas apostam que Senado salvará o presidente de um eventual impeachment

Casos extraconjugais com uma ex-atriz pornô e uma ex-coelhinha da Playboy. Relações suspeitas com a Rússia e provável interferência nas eleições de 2016. Apoio a um juiz conservador acusado de cometer abusos sexuais. Denúncias de evasão de milhões de dólares em impostos. Ataques diretos à imprensa. Em meio aos escândalos acumulados em quase dois anos de governo, o presidente norte-americano, Donald Trump, está prestes a perder o controle de parte do Congresso. Faltam 23 dias para as eleições de meio de mandato (midterm elections) e, a julgar pelo movimento pendular do controle legislativo, o Partido Democrata não terá dificuldades em conquistar o mínimo de 25 cadeiras para ganhar a maioria absoluta na Câmara dos Representantes (Veja Arte) — equivalente à nossa Câmara dos Deputados. A perda de domínio sobre as duas casas do Capitólio pode dificultar a governabilidade de Trump, ainda que o impeachment seja um fantasma pouco mais distante.

Cal Jillson, professor de ciência política da Universidade Metodista do Sul (em Dallas), lembrou ao Correio que as eleições de 2016 produziram um presidente republicano, maiorias republicanas na Câmara e no Senado e o controle dos governistas em dois terços dos 50 estados norte-americanos. “Essa posição excepcionalmente forte do Partido Republicano significa que ele ocupa muitos lugares historicamente destinados aos democratas. O pêndulo sempre oscila. Espero que os democratas se saiam bem nas eleições de 6 de novembro.” O estudioso aposta que os opositores de Trump ganharão o controle da maioria na Câmara. “Também devem recuperar meia dúzia ou mais governos, além do domínio de oito a 12 câmaras legislativas estaduais.”

A quantidade de escândalos que assombra a Casa Branca não parece ser incômodo para quatro em cada 10 eleitores. “No entanto, os eleitores independentes — especialmente as mulheres brancas, suburbanas e com formação universitária — estão mais propensos a abandonar Trump e os republicanos, à luz da reputação de mau comportamento sexual e do recente debate sobre a nomeação do juiz Brett M. Kavanaugh à Suprema Corte, mesmo com um histórico de acusações de abusos que teriam ocorrido há algumas décadas”, disse Jillson.

Para o também cientista político Wayne Steger, professor da DePaul University (em Chicago), o partido ao qual o presidente pertence geralmente perde assentos durante as eleições de meio de mandato. O efeito, segundo ele, costuma ser mais forte quando existe um governo unificado, onde um mesmo partido controla a Casa Branca, o Senado e a Câmara. “Sob um governo dividido, os partidos costumam repartir a culpa. Às vésperas do pleito, um fator importante é o de que Trump não goza de popularidade. Os democratas perderam vários assentos no Congresso durante as eleições de meio de mandato de 2010, quando o então presidente Barack Obama era mais popular do que Trump”, comparou.

Contra a perda de assentos, o Partido Republicano tem uma estratégia a curto prazo: apostar que a economia permaneça sólida. “O desemprego baixo, a inflação reduzida e o forte investimento retornam como ganhos para o partido do presidente. No entanto, as perspectivas de longo prazo não são otimistas”, admitiu Steger. Como os republicanos provavelmente manterão o controle sobre o Senado, as chances de um impeachment são remotas. Além da governabilidade em xeque, o especialista de Chicago crê que uma série de investigações sobre o governo o fará parecer mais corrupto.

 

Tendência

Diretor do Centro para Estudos Legislativos e Presidenciais da American University (em Washington), David Barker vê a repetição de uma tendência histórica. “Quando presidentes têm uma taxa de aprovação baixa, a média de perda do partido do governo é de mais de 40 assentos no Congresso. As pesquisas em todo o país indicam a mesma coisa”, comentou. Em parte, o provável desastre eleitoral do Partido Republicano se deve à péssima imagem de Trump, no que diz respeito à sua vida pessoal. “Virtualmente, nenhum americano educado respeita ou gosta de Trump, e os escândalos são apenas parte do motivo. A diferença está no fato de que os republicanos tendem a aprovar o trabalho no gabinete, apesar do desdém pessoal por ele. Isso faz sentido, porque Trump cumpriu com a maior parte de suas promessas, as quais produziram resultados políticos muito conservadores, emendou.

Segundo David J. Andersen, cientista político da Universidade Estadual de Iowa, um dos perigos da conquista da Câmara pelos democratas está na percepção de que os representantes (deputados) começarão os procedimentos de impeachment a qualquer momento. “A grande questão é: contra quem? Eles podem alvejar uma autoridade do gabinete, o juiz Brett Kavanaugh ou mesmo Trump. Os democratas têm muito poucas razões para não fazer isso, pois sabem que o Senado nunca votará o impeachment. Então, será uma simples manobra partidária para fazer barulho e dominar a mídia. O impeachment provavelmente fará parte de uma campanha para arruinar a imagem do governo Trump por completo. Isso abre um precedente terrível nos EUA, mas parece inevitável neste momento.”

 

Pontos de vista

Por Wayne Steger

A imprensa é o termômetro

“O impacto dos escândalos dos primeiros 22 meses de governo Trump dependerá do noticiário. Um dos efeitos mais importantes sobre as eleições é o conjunto de questões e assuntos sobre os quais os eleitores pensam ao irem às urnas. Trump e os republicanos se saem muito mal na administração precária, no deficit, no crescimento anêmico dos salários, na investigação sobre o conluio com a Rússia e em outros escândalos que recebem importante cobertura midiática. O presidente e seu partido se sairão melhor se notícias positivas sobre economia continuarem a aparecer e se a história do juiz Brett M. Kavanaugh se mantiver dominando as manchetes.”

Cientista político da DePaul University (em Chicago)

 

Por Cal Jillson

Impeachment pouco provável

“O presidente Trump não sofrerá impeachment, nem será condenado, a menos que a investigação sobre a interferência russa nas eleições de 2016, liderada pelo procurador especial Robert Mueller, forneça claras evidências de irregularidades. O impeachment exige que as acusações sejam formuladas pela Câmara dos Deputados — que os democratas deverão controlar depois das eleições de novembro. Também depende de um julgamento do Senado sobre tais acusações, de forma que dois terços dos senadores votem pela condenação. Os republicanos provavelmente manterão o controle do Senado depois das eleições. Uma condenação exigiria que 20 republicanos votassem contra o presidente. É improvável.”

Professor de ciência política da Universidade Metodista do Sul (em Dallas)

 

Por Richard Semiatin

O inesperado na política

“Não existe resposta fácil sobre se Trump estaria mais perto — ou não — do impeachment. O afastamento do presidente é simplesmente um projeto de lei apresentado contra um presidente, um vice-presidente ou outras autoridades civis, como juízes federais. O julgamento no Senado para remover tal pessoa é muito mais difícil. Na política, se você não se prepara para o inesperado, você perderá um bom negócio quando menos esperar. O procurador especial Robert S. Mueller tem uma existência precária. Ele é uma pessoa muito cautelosa e fará todo o possível para manter sua equipe no noticiário.”

Cientista político da American University (em Washington), especialista em Congresso dos EUA

 

Por Allan Lichtman

Imagem arranhada

“Acho que o impacto dos escândalos recentes estão incluídos na imagem do presidente Donald Trump. Uma clara maioria da população norte-americana acredita que Trump seja desonesto e não possui o caráter e o temperamento que seriam apropriados para o cargo de presidente. Há mais do que informações suficientes para iniciar uma investigação de impeachment baseada na conspiração com os russos para fraudar as eleições de 2016, em obstrução da Justiça e em crimes financeiros. No entanto, isso provavelmente somente ocorrerá se os democratas retomarem o controle da Câmara dos Representantes.”

Analista político e historiador da American University (em Washington)