O globo, n. 31177, 16/12/2018. País, p. 4

 

Um plebiscito pela pena de morte

Vinicius Sassine

16/12/2018

 

 

Eduardo Bolsonaro quer nova exceção para cláusula pétrea da Constituição

O deputado federal mais votado do Brasil, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), defendeu, em entrevista ao GLOBO, a possibilidade de pena de morte para traficantes de drogas, a exemplo do que ocorre na Indonésia, e para autores de crimes hediondos. Filho mais atuante do presidente eleito, Jair Bolsonaro, desde a eleição em outubro, reeleito com 1,8 milhão de votos e provável futuro líder do PSL na Câmara, Eduardo disse que um plebiscito pode ser usado para consultar os brasileiros, apesar da vedação explícita da Constituição. Hoje, o texto constitucional trata a impossibilidade da pena de morte como uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada mesmo com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

—Eu sei que é uma cláusula pétrea da Constituição, artigo 5º etc. Porém, existem exceções. Uma é para o desertor em caso de guerra. Por que não colocar outra exceção para crimes hediondos? —questionou Eduardo. O GLOBO entrevistou o deputado na noite da última terça-feira. O contexto da conversa foram telegramas diplomáticos, obtidos pela reportagem, que revelam como ele tentou visitar o complexo prisional de Nusakanbangan, numa ilha na Indonésia, onde dois brasileiros condenados por tráfico foram fuzilados em 2015.

Os telegramas mostram que o parlamentar manifestou concordância com um sistema penal que permite a execução de traficantes. A tentativa de Eduardo de ir ao complexo gerou um constrangimento diplomático. Depois de ação da Embaixada do Brasil na Indonésia, o filho do presidente eleito foi convencido a não ir ao local. O deputado restringiu sua visita ao presídio de Tangerang, na região metropolitana de Jacarta, capital da Indonésia, em 30 de julho de 2017.

Medida "bem propícia"

Por três horas, conheceu a unidade onde a maioria dos presos cumpre pena por tráfico. Um telegrama registra: “Após conhecer o complexo, o parlamentar conversou com o diretor-geral do presídio, ocasião em que manifestou sua concordância com o rígido tratamento conferido a traficantes de drogas neste país. Observou, também, o papel desempenhado pela religião na disciplina e na reabilitação dos detentos.”

Após ser questionado pelo GLOBO a respeito dos telegramas, Eduardo afirmou que a pena de morte é uma medida “bem propícia” para ser levada a um referendo ou a um plebiscito, inclusive para traficantes. Quase 30% dos presos brasileiros cumprem pena ou aguardam julgamento por suspeita de tráfico de drogas, conforme dados do Ministério da Justiça. A posição assumida por Eduardo marca um retorno dos Bolsonaro a um assunto que eles haviam deixado para trás para tornar a candidatura do pai menos radicalizada. A pena de morte era presença constante nos discursos mais inflamados da família. As falas foram moduladas e os Bolsonaro passaram a evitar o tema.

Em 2015, no primeiro ano como deputado, Eduardo fez uma defesa explícita da pena capital, em casos de “crime premeditado em que resulte morte” e em casos de pedofilia. Naquele momento, ele fez a ressalva de que a Constituição proíbe a medida e que somente uma nova Assembleia Constituinte poderia mudar isso.

No ano seguinte, o deputado, após surfar na Indonésia, publicou nas redes sociais que o país “prevê pena de morte para tráfico de drogas”. Em 2017, antes de embarcar para a Indonésia nas férias em julho, Eduardo voltou a falar de pena de morte nas redes.

Dessa vez, lembrou que a Constituição veda a pena: — Pena de morte é muito mais uma força de expressão, uma bandeira a ser levantada, do que de fato uma medida a ser colocada em prática. Nas férias de julho de 2017, em viagem de “interesse particular”, Eduardo mobilizou a diplomacia brasileira para tentar garantir sua presença na ilha da Indonésia onde os brasileiros Marco Archer Moreira e Rodrigo Gularte foram executados. Os dois foram flagrados com drogas e acabaram condenados à morte. Um telegrama de 10 de julho registra a intenção do deputado de visitar o sistema prisional indonésio nos dias 30 e 31.

“O deputado demonstrou particular interesse em realizar, se possível, visita à unidade prisional da ilha de Nusakanbangan”, registra o documento. O embaixador Rubem Corrêa Barbosa consultou o Itamaraty sobre como proceder com o pedido, por se tratar de “tema especialmente delicado nas relações bilaterais”. Barbosa comunicou os diretores dos presídios de Nusakanbangan e de Tangerang sobre as intenções de Eduardo. “Alerto que o pedido do deputado esbarra em inconvenientes políticos e dificuldades logísticas”, anotou. Outro telegrama cita a “possível repercussão” da visita do filho do presidente eleito ao presídio

. Os argumentos foram apresentados ao deputado, que insistia em estar no presídio das execuções. Eduardo desistiu “à luz das ponderações e com vistas a maximizar o aproveitamento do exíguo tempo disponível”.

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Mudança precisaria de Constituinte

16/12/2018

 

 

Plebiscito e referendo, instrumentos citados por Eduardo Bolsonaro como possíveis de serem usados para uma consulta sobre a pena de morte no Brasil, não podem ser adotados com essa finalidade, segundo o professor de Direito Thiago Bottino, da Fundação Getulio Vargas (FGV) no Rio. O referendo é uma consulta para que a população aprove ou não uma mudança feita pelo Congresso. O plebiscito é uma consulta prévia —a decisão popular é encaminhada depois ao Legislativo.

—O plebiscito é a base para uma lei ou para uma alteração da Constituição. Mas não se pode perguntar algo à população sobre o que não pode ser mudado, como uma cláusula pétrea. E uma mudança em garantias fundamentais nunca pode ser para reduzir direitos, apenas para ampliar direitos —diz Bottino.

O caminho que resta, segundo o professor da FGV, é uma Assembleia Constituinte para fazer uma nova Constituição. —Todas as novas Constituições brasileiras são fruto de uma ruptura. Não vejo a atual situação política do Brasil como ruptura. Bolsonaro e Mourão foram eleitos dentro das regras democráticas —diz o especialista.

O último dispositivo legal a prever pena de morte no Brasil de forma mais ampla foi o decreto-lei de segurança nacional baixado pelos comandos militares na ditadura, em 1969. O texto se voltava a crimes políticos que afrontassem a soberania e a independência nacionais ou atos de sabotagem que causassem mortes. A pena de morte não foi adotada na prática. A Constituição de 1988 prevê pena só em casos de crimes de militares “em guerra declarada”.

A Constituição do Império previa pena de morte. Dom Pedro II passou a conceder perdão para os condenados à morte, convertendo a pena em prisão perpétua. A última execução ocorreu em meados do século 19.