O globo, n. 31164, 03/12/2018. País, p. 7

 

Ministério de Bolsonaro tem 80% de novatos na política

Eduardo Bresciani

Daniel Gullino

03/12/2018

 

 

Dezesseis indicados nunca ocuparam funções de destaque no Poder Executivo; aliados minimizam falta de experiência

A escalação do Ministério do futuro governo de Jair Bolsonaro indica uma gestão formada majoritariamente por neófitos na política. Dos 20 indicados até agora para o primeiro escalão, 16 nunca foram sequer secretários estaduais ou municipais —e 15, entre os 20, jamais ocuparam cargos no Legislativo. De acordo com a previsão da equipe de transição, esta semana devem ser indicados titulares para as duas pastas que faltam: Meio Ambiente e Direitos Humanos.

Aliados de Bolsonaro minimizam a falta de experiência do time. Sustentam que o presidente eleito chegou ao poder carregado justamente por uma onda de rejeição à política, o que torna natural a formação da equipe ter passado apenas de forma lateral por esse grupo. Observam ainda o fato de o discurso na campanha ter sido antissistema, mais um ponto a referendar a busca por nomes fora do status quo.

Dos escolhidos até agora, apenas dois já têm experiência no comando de ministérios, ambos na gestão Michel Temer: Wagner Rosário é o atual titular da Controladoria-Geral da União (CGU), posto no qual vai permanecer, enquanto Osmar Terra, indicado para a pasta da Cidadania, foi ministro de Desenvolvimento Social até abril.

A "expertise" militar

Outros dois que têm experiência no Executivo são os sul-mato-grossenses Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Tereza Cristina (Agricultura). Ele foi secretário municipal de Saúde em Campo Grande por cinco anos, e ela atuou como secretária estadual em seu estado por quatro anos. Em relação ao Legislativo, Terra, Mandetta, Tereza Cristina, Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Marcelo Álvaro Antonio (Turismo) são deputados federais. Não há, até agora, ninguém com experiência no Senado.

Quatro dos futuros ministros chegaram ao topo da carreira nas Forças Armadas e, por isso, tiveram postos de comando que envolveram atividades relativas à máquina pública. São eles: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Bento Costa Lima Leite

(Minas e Energia). Os três primeiros são generais quatro estrelas no Exército, enquanto Lima Leite chegou a almirante de esquadra na Marinha.

Um importante auxiliar de Bolsonaro destaca que, ao chegarem a cargos altos na carreira, os militares participam de licitações e fazem ações na área de gestão na quais lhes são exigidas as mesmas “expertises” de um civil. Observam ainda que, na carreira militar, são feitas muitas mudanças de cidade, o que permite a esse time conhecer as diferentes regiões do país como poucos profissionais de outras áreas.

A inexperiência no Executivo e na negociação política é explícita em dois dos nomes mais vistosos da equipe: Paulo Guedes (Economia) e Sergio Moro (Justiça). Guedes tem uma longa carreira na iniciativa privada, mas nunca trabalhou como gestor público. Ele já contemplou em sua equipe pessoas com essa experiência, como o atual secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy, que comandará o BNDES. No caso de Moro, sua atuação sempre foi na magistratura e, dos nomes anunciados por ele até agora, não há especialistas em gestão. Titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni também não tem experiência no Executivo.

O filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez, indicado para a Educação, também é um estreante na política. Em alguns postos, o escolhido tem até experiência técnica na carreira, mas pouca vivência de gestão, assim como o embaixador Ernesto Araújo (Relações Exteriores), que nunca comandou uma embaixada.

Assessores são trunfo

O cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo (USP), considera que, em qualquer trabalho, o ideal é ter experiência, mas ressalta que, no caso dos ministros, esse problema pode ser contornado se souberem se cercar de pessoas da área.

— No caso de um governo, que recebe um mandato da população, se os ministros souberem buscar assessores e assistentes que tenham essa experiência e possam de alguma maneira ajudar, não é um problema —avalia.

Ricardo Caldas, da Universidade de Brasília (UnB), concorda e destaca o papel do secretário-executivo, uma espécie de “número dois” de cada ministério:

— O poder de um ministro é menor do que as pessoas pensam. O secretário executivo também é muito importante, porque é ele quem lida com o ministério no dia a dia. O ministro tem uma função mais de negociação.

Caldas ressalta que cada pasta tem uma burocracia responsável por gerir os programas e que, por isso, não devem ser esperadas grandes mudanças logo no início do governo:

— A burocracia de carreira já roda os projetos no dia a dia. Um programa como o Bolsa Família não precisa do ministro para funcionar. O grande desafio virá no final do ano que vem, quando vão se tomar decisões de manutenção ou não dos programas.