Correio braziliense, n. 20259, 08/11/2018. Economia, p. 8

 

A incógnita das privatizações

Rosana Hessel

08/11/2018

 

 

 Recorte capturado

CONJUNTURA » Especialistas avaliam que o novo governo dificilmente atingirá a pretendida arrecadação de até R$ 1 trilhão com a venda de estatais porque, segundo destacam, além de o processo ser complicado, nem todas as empresas despertarão interesse dos investidores

O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, tem avisado que pretende fazer um processo de privatização “acelerado” logo no início do governo — o assunto será pauta, hoje, de reunião dele com a equipe de transição. Pelas previsões que Guedes fazia durante a campanha, a expectativa era arrecadar até R$ 1 trilhão com a venda de estatais federais, e esses recursos seriam usados para reduzir a dívida pública, de R$ 3,7 trilhões apenas em títulos no mercado doméstico. Contudo, analistas avisam que esse processo será complicado e, dificilmente, o novo governo conseguirá atingir a cifra, porque o valor está superestimado, pois nem todas as empresas despertarão interesse dos investidores.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro, no entanto, defendeu a manutenção das estatais que mais despertam interesse dos investidores, como Petrobras, Eletrobras, Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB), mas não descartou a continuidade da venda de subsidiárias não relacionadas com a atividade principal de cada uma, como distribuidoras de energia e refinarias de petróleo. Não à toa, pelas contas de especialistas, a receita com esses ativos não deve superar R$ 200 bilhões, mesmo incluindo essas empresas.

“Ainda precisamos saber o que o governo vai querer privatizar. Bolsonaro já interditou a inclusão das empresas que realmente são privatizáveis. O que sobra desses grupos é muito pouco em termos de arrecadação”, destaca a economista Elena Landau, que foi a diretora da área responsável pelo Programa Nacional de Desestatização do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Ela ressalta que, mesmo com a venda das empresas consideradas mais atraentes, haverá frustração na receita. Pelas contas dela, o governo conseguirá arrecadar R$ 140 bilhões com a venda de estatais listadas em bolsa. “O valor de mercado dessas empresas é maior do que isso, mas a participação do governo é menor e, portanto, esses R$ 140 bilhões não terão um impacto grande na dívida pública. Se o ajuste fiscal que Paulo Guedes quer fazer depender da privatização, não vai haver ajuste fiscal, porque ele nem vai sair do papel. O que tem de fazer de fato é a reforma da Previdência”, alerta.

Braulio Borges, economista LCA Consultores, é um pouco mais otimista. Ele estima que o novo governo conseguirá vender 20% do total previsto inicialmente, ou seja, algo em torno de R$ 200 bilhões, mas não imediatamente. Ao longo de uns dois ou três anos. “Essa previsão é um teto desse número mágico de R$ 1 trilhão”, diz. Ele cita, inclusive, um levantamento feito pela Standard & Poor’s, que prevê uma receita de R$ 170 bilhões com privatizações, no máximo.

Elena lembrou que todo processo de privatização é longo, pois depende de autorização do Congresso e do Tribunal de Contas da União (TCU), o que leva meses ou até dois anos. E cada empresa que for vendida vai precisar de um projeto. “Não tem como fazer privatização a toque de caixa. Só se fechar o Congresso, mudar as leis e tirar o TCU do processo”, resume ela, acrescentando que o projeto precisará se preocupar em evitar monopólios e facilitar o ambiente competitivo.

Analistas lembram que demais empresas cogitadas para serem incluídas no programa, como os Correios e estatais dependentes, casos de EBC, Infraero e Valec, são pouco atraentes e, portanto, não devem render uma receita expressiva. Apenas as quatro excluídas por Bolsonaro (BB, Caixa, Petrobras e Eletrobras), com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e suas respectivas subsidiárias, respondem por 96% do total de ativos da União nas empresas públicas, restando apenas 4%, ou seja, R$ 183,3 bilhões. Isso não significa, porém, que esse será o volume arrecadado. No caso dos Correios, segundo Borges, o interesse de investidores ocorre apenas na área de encomendas expressas: o Sedex, porque as demais atividades são deficitárias.

Gil Castello Branco, secretário geral da ONG Contas Abertas, também lamenta a falta de profundidade no debate eleitoral sobre o programa de privatizações de Bolsonaro. “Ainda não temos uma formatação do que será vendido. Por enquanto, temos apenas uma diretriz de campanha”, afirma.

Apesar da indefinição, investidores estrangeiros estão atentos sobre como Guedes pretende conduzir o processo, principalmente, na área de infraestrutura. “Há muito dinheiro lá fora aguardando o que o novo governo pretende anunciar sobre esses programas. Eles precisam ser bem desenhados, de forma a atrair o investidor estrangeiro, dando segurança jurídica para o negócio”, frisa o presidente da coreana Mirae Asset Global no Brasil, Jisang Yoo.

 

Inchaço

O número de estatais foi inflado durante os governos petistas. Em 2000, havia 103 empresas públicas sob o controle direto ou indireto da União, conforme levantamento feito pelas Contas Abertas. Em 2016, elas somavam 154. Na gestão Temer, foram vendidas ou extintas 16 empresas, resultando em 138 até junho.

Nos últimos meses, porém, o número de trabalhadores voltou a crescer. De acordo com dados Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (Sest), do Ministério do Planejamento, isso ocorreu em parte, devido à incorporação de trabalhadores de estados e municípios em hospitais administrados pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que superaram as demissões voluntárias em curso. A empresa faz parte das 18 estatais dependentes. Em 2017, elas receberam do Tesouro Nacional R$ 14,6 bilhões em subvenções — a maior parte dos recursos, R$ 12,8 bilhões foi usada no pagamento de pessoal.

Essas 18 empresas possuem um patrimônio líquido de R$ 8,2 bilhões, logo, a venda delas não aliviará o caixa do governo, porque algumas precisam ser capitalizadas para se tornarem atraentes, lembram os especialistas.