Correio braziliense, n. 20256, 05/11/2018. Política, p. 2

 

Bolsonaro dá as cartas na relação com o congresso

Luiz Carlos Azedo e Rodolfo Costa 

05/11/2018

 

 

O presidente eleito Jair Bolsonaro começa a dar as cartas na relação do governo com o Congresso, de comum acordo com o presidente Michel Temer, que pretende oferecer ao sucessor todo apoio possível nas votações da Câmara e do Senado. “Agora a transição começou, a iniciativa tem que ser do presidente eleito”, explica o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha. Bolsonaro e Temer vão se reunir na próxima quarta-feira, para tratar da agenda da transição. Um dos principais assuntos em pauta é a votação da reforma da Previdência. Hoje, o deputado federal Ônix Lorenzoni (DEM-RS), nomeado ministro extraordinário do governo, deve entregar os nomes das 50 pessoas que ocuparão os cargos temporários da equipe a Padilha.

“Amanhã teremos as indicações dos demais nomes para a equipe de transição, que serão nomeados imediatamente”, garante Padilha. A orientação do atual governo é realizar todo o esforço possível para a transição ser bem-sucedida, com a transmissão de dados e informações sobre o funcionamento da administração, principalmente nos setores que não podem sofrer interrupções de funcionamento. Temer também pretende dar todo o apoio que for necessário à aprovação de medidas de interesse do novo governo pelo Congresso. “Um dos assuntos a serem abordados na reunião de quarta-feira é a Previdência”, disse Padilha ao Correio.

A proposta de reforma da Previdência do atual governo está pronta, foi exaustivamente negociada, mas não foi votada por causa das denúncias do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot contra Temer, com base na delação premiada do ex-presidente da JBS Joesley Batista. Para a rejeição das denúncias, o governo consumiu a energia que seria empregada na aprovação da reforma. Recém-eleito, Bolsonaro teria legitimidade e força política para aprovar a reforma, que está pronta para votação, antes mesmo de tomar posse, mas há divergências na sua equipe quanto a isso.

Lorezoni, que encabeça a equipe de transição, prefere deixar a aprovação da reforma para depois da eleição das novas Mesas da Câmara e do Senado, que já articula, com o argumento de que a proposta de Temer apenas proporcionaria um alívio de caixa de cinco anos, enquanto a proposta de reforma da Previdência do novo governo teria um horizonte de 30 anos. No fundo, Ônix teme não conseguir aprová-la no atual Congresso, que saiu muito fragilizado das urnas. Paulo Guedes, o superministro da Economia, porém, admite fazer a reforma em duas etapas: uma agora, que facilitaria a vida da equipe econômica do ponto de vista fiscal, e outra quando o novo Congresso tomar posse, para resolver de vez o problema.

 

Itamaraty

Com a entrega dos nomes da equipe de transição, é possível que se clareie um pouco mais o que será o futuro do Itamaraty. O alinhamento de Bolsonaro com o presidente Donald Trump é uma nova ruptura com a política externa brasileira, que passou por um processo de partidarização sob comando do ex-chanceler Celso Amorim, nos governos Lula e Dilma, mas voltou ao velho pragmatismo na gestão do tucano Aloysio Nunes Ferreira. Agora, após a repercussão negativa de suas declarações sobre a China, Cuba e Oriente Médio, Bolsonaro parece recuar da intenção de chutar o pau da barraca na política externa e anunciou um encontro com o embaixador chinês Li Jinzhang. O presidente eleito havia acusado o país asiático de ter uma atitude predatória nos investimentos realizados no Brasil, além de ter visitado Taiwan em fevereiro passado, atitude inédita de um candidato a presidente da República desde que o Brasil reconheceu Pequim como o único governo chinês, em 1979.

A reação mais dura veio num editorial do jornal China Dayle, porta-voz informal do governo chinês: “Temos a sincera esperança de que, após assumir a liderança da oitava maior economia do mundo, Bolsonaro vai olhar de forma objetiva e racional para o estado das relações China-Brasil”, escreveu o jornal, que se refere a Bolsonaro como “Trump tropical”. “Ele estará ciente de que a China é o maior mercado para as exportações brasileiras e a maior fonte de superavit no comércio externo brasileiro”, acrescentou a publicação, lembrando que as duas economias são “verdadeiramente complementares” e “dificilmente concorrentes”. Em 2017, o comércio entre o Brasil e a China atingiu 87,53 bilhões de dólares, aumento de 29,55%. A China vendeu bens no valor de 29,23 bilhões de dólares e importou mercadorias no montante de 58,30 bilhões de dólares, segundo dados das alfândegas chinesas.

 

Pela unidade do governo

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) voltou a recorrer às redes sociais para defender a unidade em torno do novo governo. Em sua conta no Twitter, Bolsonaro argumentou que estão todos “no mesmo barco”. “Para colocarmos o Brasil no caminho da prosperidade, é preciso compreender que todos estamos no mesmo barco, e que trabalhar para prejudicá-lo é prejudicar a si próprio. Se cada um levar consigo esses valores, certamente chegaremos em posição de destaque no mundo. Conto com vocês!”, escreveu.

Mais cedo, Bolsonaro tinha usado o Twitter para repercutir a sua trajetória na corrida eleitoral e anunciar o que considera ser uma “nova era” que está por vir no cenário político. “Gastamos cerca de 20 vezes menos que o segundo colocado, sem prefeitos, governadores ou máquinas. Todo o possível quadro foi mudado graças à conexão com o que almeja a população”, afirmou ele. “Surge um novo momento, onde (sic) o Estado servirá à população e não o historicamente destrutivo oposto!”, escreveu.

Pela manhã, Bolsonaro deixou sua residência na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio de Janeiro, em direção à Igreja Batista Atitude, frequentada pela esposa, Michele Bolsonaro. Durante o culto, ele foi homenageado e afirmou para os mais de quatro mil fiéis presentes que vai governar para todo o Brasil e não apenas para quem votou nele. Chamado ao palco um pouco depois da coleta de dinheiro, Bolsonaro agradeceu os votos recebidos e pediu sabedoria e coragem “para tomar as decisões acertadas e executar o firme propósito de mudar a política brasileira”.

O deputado voltou a atacar a mídia, ressaltando que foi eleito “apesar de parte da mídia contrária às nossas propostas”. Segundo Bolsonaro, sua eleição ocorreu “porque Deus quis”. “Quem diria que alguém com apelido de palmito ia chegar à Presidência”, brincou. Ele citou vários salmos e finalizou em coro com a plateia o conhecido “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.

 

Frase

"Agora a transição começou, a iniciativa tem que ser do presidente eleito. Temer pretende dar todo o apoio à aprovação de medidas de interesse do novo governo pelo Congresso”,

Eliseu Padilha, ministro-chefe da Casa Civil

 

Segurança é reforçada

O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Sérgio Etchegoyen, encomendou à equipe estudo para reforçar a segurança de Jair Bolsonaro e sua família a partir da posse do novo presidente, em 1º de janeiro.

O motivo do pedido, além do atentado sofrido na campanha, são as frequentes ameaças identificadas pela inteligência do governo. Bolsonaro teve sua segurança reforçada pela Polícia Federal durante a campanha, após ser vítima de uma facada no dia 6 de setembro, em Juiz de Fora (MG).

Segundo informações da área de inteligência, as ameaças continuaram mesmo após a eleição. A segurança de Bolsonaro após a posse será chefiada pelo general Luiz Fernando Estorilho Baganha. Na semana passada, com Bolsonaro já eleito, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e a PF se reuniram para discutir o novo esquema reforçado no governo de transição.

 

Distância regulamentar dos partidos

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) tenta isolar ao máximo os partidos na formação do governo. Até o momento, integram a equipe ministerial o PRTB, do vice, general Hamilton Mourão, o DEM, do futuro ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o PRP, do general Augusto Heleno, indicado ao Ministério da Defesa. O primeiro escalão na Esplanada será composto por poucas legendas e por profissionais de confiança escolhidos pelo próprio pesselista, como Paulo Guedes e Sérgio Moro, que assumirão os superministérios da Economia e da Justiça, e correligionários, como Marcos Pontes, que conduzirá a Ciência e Tecnologia. A opção pelo afastamento das legendas, contudo, não é uma opção a médio e longo prazo.

A curtíssimo prazo, no atual período de transição, a estratégia adotada por Bolsonaro é correta e condiz com a postura adotada por ele durante as eleições, pondera o cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Manteve fidelidade a apoiadores e coordenadores do programa de governo e trouxe Sérgio Moro, um nome que agrada os eleitores. “Ele vai manter a linha em um primeiro momento. Com o tempo, entretanto, isso muda”, sustenta.

O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) calcula que Bolsonaro começa o governo com apoio de 119 deputados. A conta inclui o suporte de parlamentares do PSL, PRB, DEM e PSC. A eles, pode-se incluir à aliança outros 14 nomes, de PTB, que apoiou formalmente a candidatura no segundo turno, e PRP, de Heleno, o que elevaria a base para 133 parlamentares. As legislaturas passadas apontam que o presidente eleito costuma contar com a boa vontade de parte do Congresso no início do mandato, mas isso não é automático e tem prazo.

O namoro com o Congresso dura, em média, seis meses, alerta Paulo Baía. É o período em que, normalmente, um presidente tem de bom convívio com o Parlamento. O principal desafio é manter o relacionamento por mais tempo. Para isso, Bolsonaro precisará ser mais do que cirúrgico nas propostas encaminhadas para aprovação. “As urnas mostraram a derrota das alianças tradicionais. Ele vai se manter fiel ao discurso até encontrar entraves. Embora comece com apoio para aprovar leis ordinárias, ainda não tem base para aprovar PECs (Propostas de Emenda Constitucional)”, destaca o professor da UFRJ.

 

Articulação

Passados seis meses de gestão, Bolsonaro precisará de uma boa articulação para assegurar a governabilidade. É aí que se abre o espaço para negociar os cargos de segundo e terceiro escalões, avalia o cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria Parlamentar e Sindical. “Ou ele recorre ao fisiologismo político, ainda que de outra forma, ou se inviabiliza. A partir do momento em que subir a rampa, botar a faixa e sentar na cadeira de presidente, ele precisará jogar igual aos donos do poder, ou perderá”, destaca.

Aliados de Bolsonaro admitem a possibilidade de conversar com as legendas que não integram a equipe de primeiro escalão, mas ressaltam que isso será feito com parlamentares da base dos partidos e não com caciques como Romero Jucá (RR), Ciro Nogueira (PP), Valdemar Costa Neto (PR) e Roberto Jefferson (PTB). Dessa forma, eles esperam evitar transparecer qualquer negociata do ‘toma lá da cá’ que o presidente eleito jurou combater.

A exclusão de figurões da política tradicional do balcão de negócios, no entanto, é uma situação difícil de acreditar, diz Ribeiro. “Tem lideranças do centrão que sabem jogar bem o jogo político. Sabem a hora de pressionar, tensionar e aliviar. O que Bolsonaro pode fazer é negociar de maneira parcelada. Em primeiro momento, sinaliza para a população o que prometeu em campanha. Depois, cumpre o que sempre foi feito e coloca indicações nos cargos de 2º e 3º escalões”, ressalta.

 

Indicação

O presidente eleito terá 24,9 mil cargos de livre nomeação à disposição, entre Funções Comissionadas do Poder Executivo (FCPE) e Direção e Assessoramento Superior (DAS). Do total, 18,8 mil postos só poderão ser ocupados por servidores públicos, e 6,1 mil por pessoas sem vínculo público. O deputado eleito Coronel Tadeu (PSL-SP), integrante da coordenação política de Bolsonaro em São Paulo, diz que muitas pessoas serão consultadas eventualmente para indicar. Mas alerta que isso não significa que participarão do governo. “Partido nenhum será lembrado, mas, sim, profissionais competentes. Será avaliado o histórico da pessoa em um trabalho cuidadoso”, diz.

Os quase 25 mil cargos não serão preenchidos, adianta Tadeu. A promessa de Guedes em cortar as despesas deve implicar redução de postos disponíveis para abarcar indicados. “Eles não serão preenchidos na totalidade. O ajuste fiscal é uma das bandeiras do Jair e ele não vai abrir mão disso”, alerta.