O globo, n. 31163, 02/12/2018. Opinião, p. 2

 

Em fim de legislatura, Congresso deveria se conectar com a realidade

02/12/2018

 

 

Dimensão da rejeição nas urnas indica a necessidade de mudanças na Câmara e no Senado

Em duas semanas o Congresso entra em recesso. A aprovação do Orçamento para o novo governo será o ato final da atual legislatura, julgada nas urnas de outubro. Uma forma de medir a desaprovação do eleitorado está na quantidade dos que tentaram, mas não foram reeleitos. A taxa de reeleição ficou abaixo dos 50%. E a dimensão da rejeição indica a necessidade de mudanças na Câmara e no Senado, para resgatar a conexão perdida com a sociedade.

O tsunami eleitoral que abalou o Legislativo ocorreu há menos de dois meses. Seria natural esperar que, ainda nessa etapa final de trabalho, o Congresso desse alguma resposta efetiva à cobrança dos eleitores por iniciativas relevantes para a população, pautadas pelo rigor ético no uso de recursos públicos. Paradoxalmente, insiste-se na trilha oposta. Câmara e Senado custam R$ 10,5 bilhões. Significa despesa anual de R$ 18 milhões com cada um dos 584 deputados e senadores. Representa gasto de R$ 49,3 mil por dia dos contribuintes com cada parlamentar — valor de 49 mil salários mínimos a cada 24 horas. É um Legislativo dos mais caros no mundo.

Por isso, trata-se de desperdício manter jornadas de três dias na semana, de terça a quinta-feira. É preciso, também, mudar o foco da pauta de votações nas duas Casas, dirigindo-a ao interesse coletivo, acabando a hegemonia do Executivo e as concessões aos grupos de pressão setoriais e corporativos. Na sexta-feira passada, por exemplo, não houve sessão na Câmara. No plenário do Senado, dois parlamentares gastaram hora e meia de sessão com discursos de autoelogios. A imagem de ineficiência contrasta com a de um Brasil que enfrenta risco de grave crise, por causa dos gastos e endividamento público crescentes, caso não seja aprovado um programa de reformas do Estado, cuja necessidade de financiamento chega à faixa dos 40% de toda a riqueza produzida no país. O Congresso que está aí foi eleito para servir à sociedade até fevereiro, quando começa nova legislatura. Se os parlamentares se acham impotentes para decidir reformas que induzam ao equilíbrio fiscal, assegurando um crescimento em torno de 2% ao ano, poderiam ao menos evitar iniciativas agravantes como a tentativa de sabotagem da Lei das Estatais promovida na Câmara, para liberar indicações políticas — hoje proibidas — nas empresas públicas. Do jeito que termina essa 55ª legislatura, resta à sociedade torcer para que, desmentindo a tradição, o próximo Congresso seja um pouco melhor que o atual.